Pela riqueza, completude, pertinência e abrangência da sua mensagem, transcrevo o discurso do Papa Francisco ao Corpo Diplomático, às Autoridades e à Sociedade Civil, no CCB em Lisboa, por ocasião da sua visita apostólica a Portugal, para acompanhar a Jornada Mundial da Juventude 2023 (JMJ 2023), que traduzi do Italiano, língua em que foi proferido.
É uma bela, interpelante e urgente mensagem a Portugal, à Europa, mormente à União Europeia, ao Ocidente e ao Mundo. E toca em todos os aspetos que hoje interessam à Humanidade, nomeadamente no âmbito da paz, da educação, da vida, da segurança, da juventude, das crianças, dos idosos, da política, da religião, do ecumenismo, do diálogo inter-religioso, da boa vontade, do ambiente, do futuro, da fraternidade, da amizade social, da reconciliação, do diálogo intergeracional. É óbvio que, para o Pastor da Igreja Católica, a referência é Jesus Cristo, não outra. Aliás, caminha-se para Cristo, quando se caminha ao encontro do outro, como já dizia o Cardeal Patriarca de Lisboa.
"Senhor
Presidente da República,
Senhor
Presidente da Assembleia da República,
Senhor
Primeiro Ministro,
Membros
do Governo e do Corpo Diplomático,
Autoridades,
representantes da sociedade civil e do mundo da cultura,
Senhoras
e senhores!
Saúdo-vos
cordialmente e agradeço ao Senhor Presidente as boas-vindas e as palavras
gentis que me dirigiu – o Presidente é muito acolhedor, obrigado! Estou feliz
por estar em Lisboa, cidade de encontro que abraça vários povos e culturas e
que hoje se torna cada vez mais universal; em certo sentido, torna-se a capital
do mundo, a capital do futuro, porque os jovens são o futuro. Está bem adaptada
ao seu caráter multiétnico e multicultural – estou a pensar no bairro da
Mouraria, onde convivem pessoas de mais de sessenta países – e revela o caráter
cosmopolita de Portugal, que tem as suas raízes na vontade de se abrir ao Mundo
e de o explorar, navegando rumo a novos e mais amplos horizontes.
Não
muito longe daqui, no Cabo da Roca, está gravada a frase de um grande poeta desta
cidade: «Aqui… onde a terra se acaba e o mar começa» (L. Vaz de Camões, Os
Lusíadas, VIII). Durante séculos, acreditava-se que era o confim do Mundo, e em
certo sentido é verdade: estamos no confim do mundo, porque este país faz
fronteira com o oceano, que faz fronteira com os continentes. Lisboa traz o seu
abraço e o seu perfume. Gosto de me associar ao quanto os portugueses gostam de
cantar: «Lisboa tem cheiro de flores e de mar» (A. Rodrigues, Cheira bem,
cheira a Lisboa, 1972). Um mar que é muito mais do que um elemento
paisagístico, é um chamamento impresso na alma de todos os portugueses: «mar
sonoro, mar sem fundo, mar sem fim» como lhe chamou uma poetisa local (S. de
Mello Breyner Andresen, som do Mar). Diante do oceano, os portugueses refletem
sobre os imensos espaços da alma e sobre o sentido da vida no Mundo. E eu
também, deixando-me levar pela imagem do oceano, gostaria de partilhar algumas
reflexões.
Segundo
a mitologia clássica, Oceanus é o filho do céu (Úrano): a sua vastidão leva os
mortais a olharem para cima e elevarem-se rumo ao infinito. Mas, ao mesmo
tempo, Oceanus é o filho da terra (Gea) que ele abraça, convidando-nos assim a
envolver em ternura todo o mundo habitado. Com efeito, o oceano liga, não só
povos e países, mas também terras e continentes; por isso Lisboa, cidade do
oceano, lembra a importância do todo, de pensar as fronteiras como zonas de
contacto, não como fronteiras que separam. Sabemos que hoje as grandes questões
são globais, mas, muitas vezes, experimentamos a ineficácia em responder-lhes
adequadamente, porque diante de problemas comuns o Mundo está dividido, ou pelo
menos não suficientemente coeso, incapaz de enfrentar unidos, o que põe todos
em crise. Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas
e migratórias correm mais rápido do que a capacidade e, muitas vezes, do que a
vontade de enfrentar esses desafios, juntos.
Lisboa
pode sugerir uma mudança de ritmo. Aqui, em 2007, foi assinado o tratado homónimo
de reforma da União Europeia. Afirma que «a União tem por fim promover a paz,
os seus valores e o bem-estar dos seus povos» (Tratado de Lisboa que altera o
Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, art.
1,4/2.1); mas vai mais longe, afirmando que “nas relações com o resto do mundo
[...] contribui para a paz, para a segurança, para o desenvolvimento
sustentável da Terra, para a solidariedade e para o respeito mútuo entre os
povos, para o comércio livre e justo, para a eliminação da pobreza e para a
proteção dos direitos humanos” (art. 1,4/2.5). Não são apenas palavras, mas
marcos miliares do percurso da comunidade europeia, gravados na memória desta
cidade. Aqui está o espírito do todo, animado pelo sonho europeu de um
multilateralismo mais amplo do que só o contexto ocidental.
De
acordo com uma etimologia controversa, o nome Europa deriva de uma palavra que
indica a direção do oeste. No entanto, é certo que Lisboa é a capital mais
ocidental da Europa continental. Recorda, por isso, a necessidade de abrir formas
mais alargadas de encontro, como já faz Portugal, sobretudo com países de
outros continentes que partilham a mesma língua. Espero que a Jornada Mundial
da Juventude seja, para o “velho continente” – podemos dizer o “ancião”
continente – um impulso de abertura universal, isto é, um impulso de abertura
que o rejuvenesce. Porque o mundo precisa da Europa, da verdadeira Europa:
precisa do seu papel de construtor de pontes e de pacificador na sua parte
oriental, no Mediterrâneo, em África e no Médio Oriente. Desta forma, a Europa
poderá trazer à cena internacional a sua originalidade específica, surgida no
século passado, quando, do cadinho dos conflitos mundiais, deixou ressoar a
centelha da reconciliação, concretizando o sonho de construir o amanhã com o inimigo
de ontem, para iniciar caminhos de diálogo, caminhos de inclusão, desenvolvendo
uma diplomacia de paz que extingue conflitos e para aliviar tensões, capaz de
perceber os mais leves sinais de relaxamento e de ler nas entrelinhas mais
tortas.
No
oceano da História, navegamos numa conjuntura tempestuosa e faltam caminhos
corajosos para a paz. Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de
diálogo que a carateriza, pode-se perguntar: Para onde navegas, se não ofereces
caminhos de paz, caminhos criativos para pôr fim à guerra na Ucrânia e aos
tantos conflitos que estão a sangrar o mundo? E, novamente, alargando o campo:
Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e
globalizou o mundo, por si só não basta; muito menos bastam as armas mais
sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas
empobrecimentos do verdadeiro capital humano, o da educação, da saúde, do
estado social. É preocupante quando se lê que em muitos lugares os recursos são
continuamente investidos em armas e não no futuro dos filhos. E isso é verdade.
O ecónomo dizia-me, há alguns dias, que o melhor retorno de investimento esta
no fabrico de armas. Investimos mais em armas do que no futuro dos filhos.
Sonho com uma Europa, coração do Ocidente, que use bem o seu engenho para
extinguir os focos de guerra e para acender as luzes da esperança; uma Europa
que sabe reencontrar a sua alma juvenil, sonhando com a grandeza do todo e indo
além das necessidades do imediato; uma Europa que inclua povos e povos com
cultura própria, sem recorrer a teorias e a colonizações ideológicas. E isto
ajuda-nos a pensar nos sonhos dos pais fundadores da União Europeia: sonhavam à
grande!
O
oceano, uma imensa extensão de água, recorda as origens da vida. No mundo desenvolvido
de hoje tornou-se paradoxalmente prioritário defender a vida humana, posta em
risco pelas derivas utilitárias, que a usam e a descartam: a cultura do desperdício
da vida. Penso em tantas crianças não nascidas e em idosos abandonados si
próprios, na dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de
longe e bate às portas, na solidão de tantas famílias com dificuldade para pôr
no mundo e fazer crescer os filhos. Também aqui seria preciso dizer: Para onde
navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame
farpado, os massacres no mar e os berços vazios? Para onde navegais? Para onde
ides se, diante dos males da vida, ofereceis remédios precipitados e errados,
como o acesso fácil à morte, uma solução conveniente que parece doce, mas que,
na verdade, é mais amarga do que as águas do mar? E penso em muitas leis
sofisticadas sobre a eutanásia.
Mas
Lisboa, abraçada pelo oceano, dá-nos motivos de esperança, é cidade de
esperança. Um oceano de jovens está chegando a esta cidade acolhedora; e quero
agradecer a Portugal o grande trabalho e o generoso empenho assumido para
acolher um evento tão complexo de gerir, mas cheio de esperança. Como dizem por
aqui: “Ao lado dos jovens, não se envelhece.” Jovens de todo o Mundo que
cultivam o desejo de unidade, de paz e de fraternidade, jovens que sonham e nos
desafiam a realizar os seus sonhos de bem. Eles não estão nas ruas a gritar
raiva, mas a compartilhar a esperança do Evangelho, a esperança da vida. E, se
hoje existe um clima de protesto e de insatisfação em muitos lugares, terreno
fértil para populismos e para teorias da conspiração, a Jornada Mundial da
Juventude é uma oportunidade para construirmos juntos. Reaviva a vontade de
criar novidades, de fazer-se ao mar e navegar juntos rumo ao futuro. Algumas
palavras ousadas de Pessoa me vêm à mente: «Navegar é preciso, viver não é
preciso [...]; o que é preciso é criar» (Navegar é preciso). Então vamos ocupar-nos
da criatividade para construirmos juntos! Imagino três lugares de esperança nos
quais todos podemos trabalhar juntos: o meio ambiente, o futuro, a
fraternidade.
O
ambiente. Portugal partilha com a Europa muitos esforços exemplares na defesa
da criação. Mas o problema global continua gravíssimo: os oceanos estão a
sobreaquecer e as suas profundezas trazem à tona a bruteza com que poluímos a nossa
casa comum. Estamos a transformar vastas reservas de vida em aterros de
plástico. O oceano lembra-nos que a vida humana é chamada a harmonizar-se com
um ambiente maior do que nós, que deve ser guardado, que deve ser guardado com
cuidado, a pensar nas gerações mais novas. Como podemos dizer que acreditamos
nos jovens, se não lhes damos um espaço saudável para construírem o seu futuro?
O
futuro é o segundo canteiro de obras. E o futuro são os jovens. Porém, desanimam-nos
muitos fatores, como a falta de trabalho, o ritmo frenético em que estão imersos,
o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar um lar e, ainda mais
preocupante, o medo de constituir família e dar à luz asccrianças. Na Europa e,
de forma mais geral, no Ocidente, assistimos a uma fase descendente da curva
demográfica: o progresso parece ser uma questão de evolução da tecnologia e do
conforto dos indivíduos, enquanto o futuro pede que se contrarie a diminuição da
natalidade e a diminuição da vontade de viver. A boa política pode fazer muito
nisso, pode gerar esperança. Com efeito, não é chamada para deter o poder, mas
para dar às pessoas a força da esperança. É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir
os desequilíbrios económicos de um mercado que produz riquezas, mas não as
distribui, empobrecendo as almas de recursos e de certezas. É chamada a
redescobrir-se como geradora de vida e de cuidado, a investir com clarividência
no futuro, nas famílias e nas crianças, a promover alianças intergeracionais,
onde o passado não se apaga com uma passada de esponja, mas os laços entre
jovens pessoas e idosos. Devemos retomar isto: o diálogo entre jovens e velhos.
O sentimento da saudade portuguesa recorda-o, que exprime uma nostalgia, um
desejo de um bem ausente, que só renasce no contacto com as próprias raízes. Os
jovens devem encontrar as suas raízes nos idosos. Neste sentido, é importante a
educação, que, não só pode transmitir noções técnicas para o progresso
económico, mas se destina a introduzir uma história, a transmitir uma tradição,
a valorizar a necessidade religiosa do homem e a fomentar a amizade social.
O
último canteiro de obras da esperança é o da fraternidade, que nós, cristãos,
aprendemos do Senhor Jesus Cristo. Em muitos lugares de Portugal, o sentido de
vizinhança e da solidariedade está muito vivo. Porém, no contexto geral de uma
globalização que nos aproxima, mas não nos dá proximidade fraterna, todos somos
chamados a cultivar o sentido de comunidade, a partir da procura de quem vive
ao nosso lado. Porque, como notou Saramago, “o que dá verdadeiro sentido ao
encontro é a pesquisa, e é preciso percorrer um longo caminho para chegar ao
que está próximo” (Todos os nomes, 1997). Como é bom redescobrirmo-nos como
irmãos e irmãs, trabalhar pelo bem comum, deixando para trás contrastes e
diferenças de opinião! Também aqui encontramos o exemplo dos jovens que, com o
seu grito de paz e o seu desejo de vida, nos levam a derrubar as rígidas cercas
de pertença erguidas em nome de diferentes opiniões e de crenças. Conheço
muitos jovens que aqui cultivam o desejo de serem vizinhos; penso na iniciativa
Missão País, que leva milhares de jovens a viverem experiências de
solidariedade missionária no espírito do Evangelho nas periferias, sobretudo
nas aldeias do interior, indo visitar muitos idosos solitários, e esta é uma
“unção” para a juventude. Gostaria de agradecer e encorajar, ao lado de tantos
que se preocupam com os outros na sociedade portuguesa, a Igreja local, que tanto
bem faz, longe dos holofotes.
Irmãos
e irmãs, sintamo-nos todos chamados, fraternalmente, a dar esperança ao mundo
em que vivemos e a este magnífico país. Deus abençoe Portugal!"
Sem comentários:
Enviar um comentário