É a proposta
do Papa Francisco em dia litúrgico da solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria,
Mãe de Deus e Mãe da Igreja.
Efetivamente,
na alocução prévia à recitação do Angelus
com a multidão reunida na Praça de São Pedro, no Vaticano, Francisco exortou os
crentes a contemplarem Maria enquanto sobe, em corpo e alma, à glória do Céu.
E, anotando que o Evangelho (Lc 1,39-56)
no-La apresenta à medida que sobe, desta vez para uma “região montanhosa” (Lc 1,39), o Santo Padre discorre sobre o
motivo por que Maria sai apressadamente e sobe para a montanha.
Sai e sobe,
para ajudar a Isabel, que precisa de ajuda, em virtude da situação de gravidez
em idade provecta. E Maria entoa, em casa de Zacarias, perante Isabel, o
jubiloso cântico do Magnificat.
Com aquela
caminhada e com a proclamação magnificente das maravilhas operadas graças à
misericórdia divina, a Palavra de Deus revela-nos o que carateriza Maria na sua
ascensão: o serviço ao próximo e o louvor a Deus. De facto, Ela “é a mulher do
serviço ao próximo” e “a mulher que louva a Deus”.
Não se esquece
o Pontífice de apontar que o evangelista Lucas narra a vida de Cristo como uma
subida rumo a Jerusalém, lugar da doação de Si mesmo na cruz; e, de igual forma,
descreve o caminho de Maria. Realmente, Filho e Mãe percorrem o mesmo caminho.
São duas vidas que se elevam, glorificando a Deus e servindo os irmãos: Jesus
como Redentor, que dá a vida por nós, para nossa justificação; Maria como serva,
que vai servir: Ambas as vidas vencem a morte e ressuscitam. E o Papa sugere
que nos detenhamos nestes dois itens: serviço e louvor.
Quando nos
abaixamos, para servir os irmãos, elevamo-nos, pois o amor eleva a vida. Contudo,
servir não é fácil: a Virgem, que acaba de conceber, percorre quase 150 quilómetros,
para chegar de Nazaré à casa de Isabel. Ajudar custa. Sempre o experimentamos
no esforço, na paciência e nas preocupações que o cuidado dos outros implica. Por
exemplo, muitos percorrem dezenas e dezenas de quilómetros, todos os dias, para
irem trabalhar e voltarem para casa ou para realizarem muitas tarefas em favor
de outros; sacrifica-se tempo e sono para cuidar de um recém-nascido ou de um
idoso; e, sobretudo, comprometemo-nos a servir a quem não tem com que
retribuir, na Igreja como no voluntariado. E Francisco declara: “É cansativo,
mas é subir, é ganhar o Céu! Este é o verdadeiro serviço.”
Todavia,
emerge o alerta: “O serviço corre o risco de ser estéril, se não louvar a Deus.”
De facto, quando Maria entra na casa de Isabel, louva o Senhor. Não menciona o
cansaço da viagem, mas faz brotar do coração um cântico de júbilo, pois quem
ama a Deus conhece o louvor. E o Evangelho desta Solenidade – diz o Papa – “mostra-nos
‘uma cascata de louvor’: a criança salta de alegria no seio de Isabel (cf Lc 1,44), que profere palavras de bênção
e ‘a primeira bem-aventurança’: ‘Bem-aventurada Aquela que acreditou’ (Lc 1,45); e tudo culmina em Maria, que proclama
o Magnificat (cf Lc 1,46-55). Na verdade, o louvor aumenta a alegria; é como uma
escada, pois leva os corações para o alto. E, elevando o ânimo, “vence a
tentação de desistir”.
Por
isso, teremos de abandonar a murmuração e passar a cultivar o elogio. Com
efeito, treinando, assiduamente, o louvor a Deus, estamos a preparar o louvor
sincero e atempado aos outros.
É
bom viver com gratidão e bênção, em vez de com arrependimentos e reclamações; a
olhar para cima, em vez de manter uma cara triste. Há gente que reclama, todos
os dias, contra tudo e contra todos, mesmo contra Deus. Porém, Deus está perto
de nós, criou-nos, deu-nos tudo. Por isso, merece o nosso elogio. E “isso é
saúde espiritual”.
Servir
e louvar retiram do nosso trabalho toda a marca de egoísmo, de oportunismo, de
sede de recompensa (material ou de protagonismo). Portanto, é preciso fazer do
serviço e do louvor o trampolim da nossa vida pessoal. É preciso, como a Virgem
Maria, alegrarmo-nos em Deus; rezar, bendizendo o Senhor; elogiá-Lo, espalhando
alegria entre as pessoas que encontramos.
Que
Maria, Assunta ao Céu, nos ajude a subir cada dia mais alto, através do serviço
e do louvor.
***
O Magnificat,
entoado por Maria, descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde
o começo, que Ele prosseguiu em Maria e que, agora, cumpre na Igreja, para
todos os tempos.
Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da
terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a Mãe pelos caminhos
celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. E, nesta solenidade,
proclamamos, com Maria, a obra grandiosa de Deus, que chama a Humanidade a juntar-se
a Ele pelo caminho da ressurreição.
Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade;
com Ela, nós proclamamos: “dispersou os soberbos, exaltou os humildes”. Os
humildes são aqueles que creem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a
caminho, aqueles que acolhem, até ao mais íntimo do seu ser, a Vida nova,
Cristo, para o levar ao nosso Mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre maravilhas
neles.
Bendita é Maria. Jesus ressuscitado acolhe na glória
do céu a sua Mãe, Aquela que O acolheu no seu ventre maternal. Jesus vivo,
glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua Mãe a coroa de doze
estrelas.
Maria, a Mãe dos crentes, cheia do Espírito Santo, é a
primeira a encontrar as palavras da fé e da esperança: “doravante todas as gerações
A chamarão bem-aventurada”.
***
O livro do Apocalipse (Ap 11,19a;12,1-6a.10ab) apresenta-nos,
na figura da Mulher, a imagem da Igreja, de que Maria é protótipo. Como Maria,
a Igreja gera na dor um Mundo novo; e, como Maria, participa na vitória de
Cristo sobre o Mal.
O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das
perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta
cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais
terrificantes designam os perseguidores. A Mulher representa a Igreja, o novo
Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do batismo
que deve dar à terra uma nova Humanidade. O dragão é o perseguidor, que põe
tudo em ação, para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a
última palavra, pois o poder de Deus está em ação para proteger o seu Filho.
As visões do Apocalipse, expressas em linguagem
codificada, revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte.
Por transposição, a visão do sinal grandioso pode ser aplicada a Maria. E nós,
proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus
e na pessoa de Maria, a nova Humanidade já é acolhida junto de Deus.
Na primeira Carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 15,20-27), Jesus, o novo Adão, faz
da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
A Assunção é uma forma privilegiada de ressurreição.
Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova Humanidade,
em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
Todo o capítulo 15 desta epístola constitui uma longa demonstração da
ressurreição. Na passagem escolhida para a Solenidade da Assunção de Maria, o
apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de
prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o
princípio de uma nova Humanidade. E, por isso, o apóstolo designa-O como o novo
Adão, mas que distingue, em absoluto, do primeiro Adão; este levara a Humanidade
à morte, ao passo que o novo Adão conduz os que O seguem para a vida.
O apóstolo não evoca, explicitamente, Maria, mas, se
proclamamos esta passagem na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente
da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.
***
Ora, porque Maria tem um papel relevante na História
da Salvação, mas não de protagonista, é conveniente uma reflexão sobre binómio oração-Maria.
Frequentemente, ouvimos a expressão: “rezar à Virgem
Maria”. Esta maneira de falar não é absolutamente exata, já que a oração cristã
se dirige a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os
irmãos, não católicos – que, ao invés do que se pretende, têm mais semelhanças na
fé com os católicos – recordam-nos que Maria é e Se diz “a Serva do Senhor”.
Assim, pode saudar-se Maria e fazer d’Ela nossa intercessora, que o é de facto,
mas a nossa oração não pode parar Nela.
Rezar através de Maria ou por Maria é pedir que Ela
reze por nós: “Roga por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte!” A sua
intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é
nossa “advogada”, mas também a “missionária” de Jesus, que nos diz: “Fazei tudo
o que Ele vos disser!”
Devemos, antes, rezar com Maria. Ela está ao nosso
lado, para nos guiar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do
seu filho. Na glória de Deus, na qual nós A honramos hoje, Ela prossegue a
missão que Jesus Lhe confiou sobre a Cruz: “Eis o teu Filho!” Rezar com Maria,
mais do que nos ajoelharmos diante d’Ela, é ajoelharmo-nos ao seu lado para nos
juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto
de Deus.
Porém, mais interessante é rezar como Maria. Aprendemos
junto de Maria os caminhos da oração. Na escola Daquela que “guardava e meditava,
no seu coração”, os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós
meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nas rotas da
verdade. A nossa oração torna-se ação de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria, para dizer
com Ela na confiança: “Que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!”
Maria é Mãe e cuida de nós. Conhece as nossas penas e canseiras. Também o
seu coração não esteve isento de dúvidas e de medos: sentiu temor, quando o
anjo A visitou, em Nazaré; apreensão, quando não encontrava alojamento em Belém;
sobressalto, aquando da fuga para o Egito; e angústia, quando perdeu Jesus no Templo.
Porém, foi corajosa e destemida: tudo confiou a Deus; e respondeu ao temor com
o amor, à apreensão com a solicitude, ao sobressalto com a diligência discreta;
à angústia com o oferecimento. Nos momentos decisivos, nunca recuou, antes
tomava a iniciativa: solícita foi ter com Isabel, nas bodas de Caná bateu ao
coração de Jesus, no Cenáculo manteve unidos os discípulos. No calvário, uma
espada traspassou-Lhe a alma, mas Ela, mulher humilde e forte, iluminou, com a
esperança pascal, a noite do sofrimento.
O seu coração é sensível aos nossos problemas. Volta
o seu olhar materno para a família humana, que perdeu o caminho da paz e o
sentido da fraternidade – apostando no conflito, na opressão e na guerra – e
não reencontra o calor de casa. Ampara quem está sozinho, sustenta quem está
doente, consola quem está desanimado.
Continua a recordar-nos que Deus merece o primeiro lugar. Guarda a unidade
na Igreja, quando é polarizada por ideologias, ferida pelos pecados dos seus
filhos, tentada pelo mundanismo. Ela, pequenina, exaltou as grandes coisas que
o Senhor realizou Nela; recorda-nos que a humildade e a mansidão são as chaves
que abrem o escrínio do coração de Deus, permitindo que o seu Espírito Se
derrame sobre o Mundo.
Conforta os humildes e os simples, os que creem, adoram, esperam e amam;
encoraja-os na sua missão. Acende em todos nós o zelo apostólico e faz resplandecer
em nós o desejo de arriscar a vida por sonhos grandes e belos. Abre sendas onde
parece que as não há. Desfaz os emaranhados do egoísmo e os laços do poder. E
faz-nos saborear a alegria que não passa, a alegria do Evangelho.
2023.08.15 – Louro de Carvalho
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