De acordo
com uma nota publicada na página oficial da Presidência da República, o chefe
de Estado, “reconhecendo que a presente Lei de Programação Militar é mais
ambiciosa do que a anterior e esperando que a sua execução – cobrindo várias
legislaturas – permita recuperar o tempo perdido, e, também, esperando que o
novo sistema de venda, arrendamento ou outras formas de rentabilização de
imóveis afetos a infraestruturas militares venha, mesmo, a permitir resolver a
questão de dotações, essenciais para as Forças Armadas Portuguesas”, promulgou,
a 9 de agosto, dois decretos da Assembleia
da República (AR): o Decreto da Assembleia da República
n.º 64/XV, que aprova a Lei de Infraestruturas Militares (LIM), e o Decreto da
Assembleia da República n.º 65/XV, que aprova a Lei de Programação Militar (LPM).
Trata-se de diplomas que planeiam a compra de armamento para
as Forças Armadas, nos próximos 12 anos, e a rentabilização dos imóveis da
Defesa Nacional. E o Presidente da República (PR) espera que LPM tenha boa
concretização, pois, em muitos anos, a execução da LPM ainda em vigor é muito
baixa.
O PR deixa, assim, uma crítica velada à grande novidade desta revisão
da LPM, já que esta vai obrigar os ramos militares a angariarem
receitas extra – com a venda de imóveis – para cobrirem o que está previsto
gastar na compra de equipamentos, sendo de esperar que esta fórmula resolva o
problema das “dotações essenciais”.
Porém, esta nova fórmula de financiamento da LPM deixa os militares sem certezas
quanto aos montantes disponíveis, em cada ano, para as
aquisições de armamento. Com efeito, fazer depender as verbas disponíveis da
venda de património torna a execução da lei mais aleatória, pois não se sabe,
em cada ano, qual o património que se consegue vender, e a que preço, de forma
a cobrir a diferença entre as necessidades e o que está previsto no Orçamento
do Estado.
Ao vincar o facto de estas leis cobrirem várias legislaturas,
o PR parece querer salientar que uma lei feita para 12 anos não será
verdadeiramente vinculativa, tornando-se, de certo modo, não mais do que uma
carta de intenções. Contudo, se o governo pensa em tomar medidas só no âmbito
da legislatura em curso e em as propor à AR, é acusado de não ter visão de
futuro; se pensa a longo prazo, a sua proposta não passa de mera carta de
intenções. Em que ficamos?
Enquanto comandante supremo das Forças Armadas, Marcelo
Rebelo de Sousa, tem feito várias intervenções de alerta para as necessidades
da instituição castrense, tendo mesmo dedicado ao tema a intervenção da sessão
solene do 25 de Abril do ano passado. O Presidente quer mais investimento e
melhores condições salariais para os militares, com o contexto de guerra na
Europa em pano de fundo. E a LPM daria, em princípio, espaço para a
concretização dessas vontades, mas uma parte do investimento terá de ser feito
através de verbas angariadas pelos próprios ramos.
A ministra da Defesa Nacional acabaria por reconhecer, na AR,
que a proposta de lei, como tinham apontado os chefes militares, havia sido
alterada, depois de ter sido discutida no Conselho Superior de Defesa Nacional
(CSDN), órgão consultivo liderado pelo PR, circunstância que Belém considerou “original”.
E, aprovada na AR só com os votos favoráveis do Partido Socialista (PS), aguardava
a decisão do PR, que a podia promulgar ou vetar. Porém, promulgou-a, como já
fez em relação a muitas outras leis e a muitos diplomas do governo, com uma
mensagem crítica.
***
A LPM, agora promulgada, foi aprovada a 7 de julho na AR, com
o PS isolado no voto favorável, tendo merecido a abstenção do Partido Social
Democrata (PSD), do Chega, da Iniciativa Liberal (IL) e do Partido Pessoas,
Animais, Natureza (PAN) e os votos contra do Partido Comunista Português (PCP),
do Bloco de Esquerda (BE) e do Livre.
A LPM “tem
por objeto a programação do investimento público das Forças Armadas, em matéria
de armamento e equipamento, com vista à modernização, operacionalização e
sustentação do sistema de forças, contribuindo para a edificação das suas
capacidades”. E as capacidades inscritas nela “são as necessárias à consecução
do objetivo de força decorrentes do ciclo de planeamento de defesa, tendo em
conta a inerente programação financeira, garantindo uma visão coerente e
integrada da defesa nacional e respondendo a objetivos de interoperabilidade,
flexibilidade e adaptabilidade”.
Também a LIM foi aprovada, a 7 de julho, na AR, com os votos do
PS, do PSD e da IL, tendo merecido a abstenção do Chega e do PAN e os votos
contra do PCP, do BE e do Livre.
A LIM “estabelece a programação do investimento com vista à
conservação, manutenção, segurança, sustentabilidade ambiental, modernização e
edificação de infraestruturas da componente fixa do sistema de forças e
estabelece as disposições sobre a inventariação, gestão e valorização dos bens
imóveis afetos à Defesa Nacional disponibilizados para rentabilização, tendo em
vista a aplicação dos resultados obtidos nas medidas e projetos nela previstos”.
No mesmo dia 7 de julho, no fim da tarde, o Ministério da
Defesa Nacional assinalava a aprovação, na AR, das propostas de lei de
Programação Militar e de Infraestruturas Militares, leis estruturantes para a
Defesa Nacional, fruto de um processo iniciado, em maio de 2022, pela ministra
da Defesa Nacional, para a revisão de ambas as leis, num processo colaborativo
entre as Forças Armadas e os serviços centrais do Ministério da Defesa
Nacional.
A LPM, que estabelece o investimento público em meios e
equipamentos para as Forças Armadas, conta com 5 570 milhões de euros para o
período até 2034, o que se traduz na LPM mais elevada de sempre – afirmação
recorrente da ministra, ainda que desmentida, em parte, pelos militares.
As verbas colmatam lacunas e respondem aos desafios presentes
e futuros, através de investimento na manutenção, na sustentação e na modernização
dos meios existentes, que aumentam 96%; na reposição para níveis compatíveis
com o atual contexto geopolítico das reservas de guerra, que mais do que
duplicam, crescendo 108%; no reforço no investimento em novos domínios das
operações, das tecnologias emergentes disruptivas, da investigação, do
desenvolvimento e da inovação.
Na sua globalidade, estima-se um retorno direto para a
economia nacional de 33%. Esta nova LPM contempla 35 diferentes capacidades
militares, mais de uma centena de projetos e cerca de 400 subprojectos e oito
projetos estruturantes, nas seguintes áreas: Ciberdefesa; Helicóptero de
Apoio, Proteção e Evacuação; KC-390; Navio Patrulha Oceânico; Navio Polivalente
Logístico; Navio Reabastecedor; Sistema de Combate do Soldado; e Aeronave
de Apoio Próximo (Novo).
A LIM, que incide sobre a conservação, a manutenção, a segurança,
a modernização e a edificação de infraestruturas das Forças Armadas, através da
aplicação de receitas obtidas pela rentabilização do património da Defesa
Nacional sem funções operacionais, prevê um montante de investimento total
superior a 272 milhões de euros até 2034, apresentando-se uma previsão de
incremento de investimento, nos próximos quatro anos, de 5%. Através da LIM, a
Defesa Nacional continua a contribuir, entre outras, para a disponibilização,
pelo Estado, de habitação para arrendamento acessível. E foi reforçada a função
social que a LIM tem servido e que continuará a servir. Assim, a previsão de
investimentos será materializada na melhoria das condições de habitabilidade,
de trabalho e de segurança das unidades militares, na redução da pegada ambiental
e no aumento da eficiência energética. Isto beneficia a eficácia da operação
das Forças Armadas, mas promove também os objetivos de recrutamento e de retenção,
definidos no programa de governo e no recentemente revisto Plano de Ação para a
Profissionalização do Serviço Militar.
Entrevê-se que a LPM, que estabelece o investimento público
em meios e equipamentos das Forças Armadas, terá um montante global de 5.570 milhões de euros até 2034, estando garantidos,
através de verbas do Orçamento do Estado, apenas 5.292 milhões. Os restantes 278 milhões terão, necessariamente, origem em receitas
próprias da Defesa Nacional, através de processos de restituição do
imposto sobre o valor acrescentado (IVA) ou da alienação de armamento, de equipamento
e de munições ou ainda – sendo esta uma novidade na lei – através da
rentabilização de imóveis, “quando estas receitas não estejam afetas à execução
da Lei de Infraestruturas Militares (LIM)”.
Na LIM, fica estabelecido que o primeiro-ministro tem a
última palavra sobre os imóveis das Forças Armadas a rentabilizar: “Os
imóveis a valorizar e a rentabilizar no âmbito da presente lei, em respeito
pelas orientações estratégicas relativas à gestão integrada do património
imobiliário público, são objeto de despacho do primeiro-ministro, ouvidos os
membros do governo responsáveis pelas áreas da Defesa Nacional e da gestão do
património imobiliário público”, lê-se no diploma.
Outro dado novo da proposta de lei é o facto de estabelecer que as receitas de rentabilização de imóveis podem ser
afetas à LPM, mas apenas “na parte em que excedam o montante anual
de dotação de despesa previsto” na LIM.
O Exército é o ramo no qual se prevê um maior investimento da
LIM até 2034, que ronda os 101 milhões, seguindo-se a Marinha com 72 milhões e
a Força Aérea com 52 milhões.
***
A legislação em matéria militar é muito sensível, por várias
razoes, de que destaco: a depreciação quase generalizada em relação à necessidade
e ao papel das Forças Armadas neste pequeno território europeu – vistas como o braço
armado do poder político, destinado à repulsa do inimigo, em caso de invasão
externa, bem como ao apoio das populações, em situação de catástrofe (seria
útil adicionar o combate ao terrorismo); a perceção de que estão ao serviço da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN); os escândalos que, episodicamente
registam (nesse caso, deveríamos extinguir vários departamentos do Estado e
várias empresas); o desconforto normal dos chefes militares, quando não são suficientemente
assumidas as suas opiniões, bem como a atitude crítica de diversas associações
de militares; a tomada da palavra crítica por antigos dirigentes militares, que
veem em tudo formas de rutura com a sua linha de ação; a falta de atratividade da
carreira das armas; a medíocre capacidade de execução física e financeira dos projetos
que pressupõem a alocação de verbas avultada; e também a postura, às vezes, hipercrítica
do PR, escudado na sua condição de comandante supremo das Forças Armadas, que
não tem competências operacionais.
Tiveram percurso atribulado, como ficou na memória dos Portugueses,
o processo legislativo que desembocou na aprovação da nova Lei de Defesa
Nacional e na aprovação da Lei Orgânica de Bases
da Organização das Forças Armadas (LOBOFA).
Em relação à subjacente crítica do PR à execução da LPM em
vigor até agora, é de registar que, em abril, o Ministério da Defesa Nacional confirmava, em comunicado, que a execução,
em 2022, ascendeu a 469,78 milhões de euros, mais 191 milhões do que em 2021,
tendo sido uma execução de 73%, a mais alta de sempre. A Força Aérea foi
o ramo que mais recebeu: mais de 133 milhões; a Marinha recebeu mais de 80
milhões e o Exército quase 68 milhões. “Os ramos terrestre e marítimo
registaram taxas de execução dos investimentos de 97% e de 81%, respetivamente,
que comparam com 89% e 69% no ano anterior. Na Força Aérea, a taxa de execução
aumentou para 54% (mais 18 milhões de euros aplicados, resultando num aumento
de 1%) e no Estado-Maior-General das Forças Armadas foram investidos 6,65
milhões de euros (mais 1,1 milhões do que em 2021, para idêntica taxa de
execução de 29%)”, indicava o comunicado.
***
Muito se discute, para pouco se fazer.
2023.08.09
– Louro de Carvalho
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