Conforme comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, os
ministros dos Negócios Estrangeiros chinês e russo congratularam-se, a 7 de
agosto, pela “cooperação prática” entre os dois países, numa conversa
telefónica em que foi abordado o conflito na Ucrânia.
O comunicado precisa que o chefe da diplomacia chinesa,
Wang Yi, novo ministro dos Negócios
Estrangeiros russo, declarou ao seu homólogo, Serguei Lavrov, que
Pequim e Moscovo “deverão manter uma estreita cooperação estratégica, promover
a multipolarização do mundo e a democratização das relações internacionais”. E
elogiou os recentes progressos da “cooperação prática” entre os dois
países, no decurso do contacto telefónico, que, segundo Pequim, também abordou
os combates em curso na Ucrânia. Ao referir-se a este conflito, Wang Yi, declarou que o seu país continuará a “manter uma posição
independente e justa” e encorajou as duas partes e a iniciarem conversações de
paz.
Pequim e Moscovo protagonizam, desde os últimos anos, relações bilaterais
cada vez mais estreitas, sobretudo quando as relações dos dois países com o
ocidente registaram um progressivo afastamento.
Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo assegurou, em
comunicado, que os dois ministros rejeitaram “a política de
confrontação do bloco ocidental, face à Rússia e à China”.
“O contacto […] confirmou, uma vez mais, a unidade ou
a harmonia geral das abordagens de Moscovo e Pequim em termos de assuntos
mundiais”, acrescenta o texto.
Enviados de 30 países, entre os quais a China, reuniram-se, no fim de
semana, na cidade saudita de Jidá, para tentarem encontrar uma forma de
terminar a guerra na Ucrânia, mas sem resultados práticos satisfatórios. Porém,
presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ficou relativamente confortado com a
reunião.
A porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, disse, a 7 de agosto, que
o encontro se destinou a promover o plano de paz do presidente ucraniano. Segundo o governo de Moscovo, Kiev e o Ocidente “estão a tentar
desvalorizar o elevado valor das propostas de paz de outros países e a
monopolizar o próprio direito de as propor”, afirmou em comunicado.
Maria Zakharova disse que Moscovo pretende receber informações dos seus
parceiros sobre o encontro. Referiu, em particular, os BRICS, grupo de que a
Rússia faz parte juntamente com África do Sul, Brasil, China e Índia. Entre os
participantes, estiveram representantes da China, do Brasil e da Índia,
considerados próximos de Moscovo, no âmbito da guerra na Ucrânia.
***
A 17 e 18 de maio de 2023, o presidente Xi Jinping liderou a cimeira China-Ásia Central, que
discutiu a iniciativa “Uma
Faixa, Uma Rota”, projeto que visa abrir novas rotas comercias entre
Pequim, a Europa e África. À mesa estiveram mais cinco países da Ásia Central –
Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão – deixando
em evidência o grande ausente do encontro: a Rússia,
país que não foi convidado.
Stefan
Hedlund, professor de Estudos Russos na Universidade de Uppsala, na Suécia,
vincou: “É a primeira vez que a Rússia, que há décadas, se não mesmo
séculos, domina a Ásia Central, é excluída. E isto acontece depois de a Rússia
ter perdido amizades em toda a região e de a China ter aproveitado a
oportunidade para passar a ser dominante.”
Com o início
da guerra na Ucrânia, a China
deixara de conseguir fazer circular mercadorias através da Rússia. Desta feita,
queria encontrar alternativas com os países vizinhos, nações no quintal de
Moscovo, onde Pequim tem cada vez mais influência.
Alguns
opinavam que era o fim do domínio russo na Ásia, lançado por Vladimir
Putin, na cimeira da Cooperação Económica
Ásia-Pacífico (APEC) em Vladivostok, em 2012, quando disse que o
objetivo era apanhar os ventos chineses nas velas da economia russa,
pois davam a economia russa como desmantelada e à deriva, e pensavam que a
Rússia vinha a perder relevância como garante da segurança
na Ásia Central, desde que iniciou a guerra na Ucrânia, papel que, de
acordo com especialistas, a China ainda não estava preparada para assumir, pelo
facto de preferir estabelecer laços comerciais.
Entretanto, nos primeiros dias de junho, sabia-se que, em maio, o volume do comércio mensal entre a China e a Rússia atingira o
nível mais alto desde a invasão russa da Ucrânia, segundo dados
publicados, a 7 de junho, pela Administração Geral das Alfândegas daquele país
asiático.
O valor das trocas entre os dois países atingiu, em maio, 141.820 milhões
de yuan (18.630 milhões de euros), valor que representa um crescimento de cerca
de 51%, face a maio de 2022, e o mais alto desde fevereiro de 2022. E, entre janeiro e maio de 2023, as trocas comerciais entre os
dois países ascenderam a 646,1 mil milhões de yuan (84,840 milhões de euros), dados
que representam um avanço de 53%, em relação ao mesmo período
de 2022.
Em 2022, a Rússia foi o parceiro comercial com o qual a
China registou o maior aumento (+34,3%)
no comércio denominado na moeda chinesa, o yuan.
As trocas entre a China e a Rússia ascenderam a 1,28 biliões de yuan
(174.879 milhões de euros), em 2022, valor que representou 3,03% do total do
comércio exterior chinês, durante esse ano.
Tudo isto desmente a opinião de alguns analistas quanto ao desnorte da economia
russa.
Desde a eclosão do conflito, a China manteve uma posição
ambígua, ao apelar ao respeito pela “integridade territorial de todos os
países”, incluindo a Ucrânia, e à atenção às “preocupações
legítimas de todos os países”, em referência à Rússia.
Por outro lado, os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir
Putin, proclamaram uma “nova era” nas relações bilaterais, em 2022, e assinaram
um acordo que incluía, entre outras coisas, um aumento das trocas comerciais,
para cerca de 250 mil milhões dólares, anualmente. Em contraponto, os Estados
Unidos da América (EUA), pela voz do
secretário de Estado Anthony Blinken, sustentavam que a China estava a considerar fornecer armas
e munições à Rússia para a guerra na Ucrânia, o que Pequim desmentiu.
***
Entre 15 e 20 de julho, vários órgãos de comunicação
social noticiavam que, em plena guerra na Ucrânia, a China, que afirma ter posição neutra no
conflito, iniciara exercícios navais conjuntos com a Rússia, no mar do Japão, que incluem exercícios de combate
naval e antissubmarino, proteção de rotas e comunicações no mar e no ar e práticas
de artilharia conjunta (envolvendo as respetivas Marinha e a Força Aérea) – o que
indicia a intensificação da cooperação entre os dois países
acontece durante a guerra na Ucrânia. A China diz-se neutra no conflito, mas
acusa os EUA e os aliados de provocarem Moscovo. Além disso, Pequim tem
reforçado as relações económicas, diplomáticas e comerciais com a Rússia.
E, a 7 de
agosto, noticiava-se que a China e a Rússia conduziram uma operação naval
conjunto perto do território americano, no início da semana passada, o que
provocou uma grande resposta da Marinha dos EUA, como indicou a televisão Fox News. No exercício estiveram
presentes 11 navios dos dois países, que se aproximaram da costa sudoeste do
Alasca, como garantiu o senador republicano Dan Sullivan – segundo o qual a
Marinha americana mobilizou quatro contratorpedeiros, para guiar os navios
chineses e russos para longe das águas americanas.
“Isso é sem
precedentes em termos de tamanho e meta dessa ‘task force’ naval conjunta entre
a Rússia e a China”, denunciou Sullivan. “Se se mora no Alasca, como eu, ou na
costa leste dos Estados Unidos, um exercício de ação de superfície entre os nossos
dois principais adversários, a sondar muito perto da costa americana, isso é
preocupante.” “Isso apenas solidificou a ideia de que entrámos numa nova era de
agressão autoritária liderada pelos ditadores de Pequim e Moscovo, que estão
cada vez mais agressivos”, atirou.
Além dos
quatro contratorpedeiros, os EUA enviaram aviões P-8 Poseidon para acompanhar
os navios chineses e russos longe da costa, relatou o The Wall Street Journal, que indicou que os navios aproximaram-se
das Ilhas Aleutas mas não entraram em águas territoriais dos EUA.
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Esta cooperação prática e estratégica, aliada às boas relações económicas, não
é de estranhar e desmente qualquer rumor de desentendimento entre os dois
países ou de vontade de caminharem, puramente, em rotas paralelas.
A atestar estas asserções, recorde-se que, a 24 de maio deste ano, era
notícia a visita do primeiro-ministro russo Mikhail Mishustin à China, onde foi
recebido, em Pequim, pelo presidente chinês e onde defendeu o reforço da
cooperação entre os dois países. Efetivamente, pouco depois de os líderes
políticos dos principais países do Ocidente estarem reunidos no Japão, para a
cimeira do G7, defendendo uma estratégia de minimização do risco de dependência
económica da República Popular da China, o governo chinês e o presidente
receberam o primeiro-ministro russo, com pompa e circunstância, em Xangai e em
Pequim.
Com a visita
às duas principais cidades chinesas, onde se reuniu com o presidente Xi Jinping
e com o seu homólogo Li Qiang, Mikhail Mishustin tornou-se o político russo
mais importante a pisar território chinês, desde a invasão da Ucrânia e desde
que Vladimir Putin esteve em Pequim, poucas semanas antes do início da guerra,
em fevereiro de 2022.
Alheios à
desconfiança ocidental com a sua “parceria sem limites” e com a recusa chinesa em condenar a Federação Russa
pela invasão do vizinho ucraniano, Xi, Li e Mishustin congratularam-se com o
momento “sem precedentes” das relações bilaterais e comprometeram-se a
aprofundar mais a sua cooperação, uma cooperação que “move montanhas”.
“A China
está pronta para trabalhar com a Rússia e com países da União Económica
Euro-asiática para promover e conectar a Belt and Road Initiative [designação
para o projeto económico da Nova Rota da Seda], de forma a desenvolver e a
estabelecer um mercado regional ainda maior [e] a garantir uma cadeia de
abastecimento global mais estável e robusta, para que possamos obter vantagens
reais e tangíveis para os países da região”, declarou Xi.
Em resposta,
Mishustin – alinhado com Putin e dependente da sua linha de governação –
garantiu que a Rússia está “pronta para trabalhar com a China, para promover a multipolarização
no Mundo” e para “consolidar a ordem internacional baseada no direito
internacional”.
Na véspera,
em reunião com Li Qiang, sem fazer referência à invasão – que Moscovo descreve
como “operação militar especial” para “desnazificar” a Ucrânia – o
primeiro-ministro russo elogiou a posição chinesa sobre a atual situação
internacional e salientou que as relações entre os dois países se caraterizam
pelo respeito mútuo pelos interesses, uma da outra, e pelo desejo de responderem,
em conjunto, aos desafios associados à crescente turbulência na arena
internacional e à pressão das sanções ilegítimas do conjunto do Ocidente.
Declarando-se
neutral no conflito entre Russos e Ucranianos e defendendo o seu potencial
papel de mediador – apresentara um plano de paz genérico, que
não distingue país invadido e invasor e que não estabelece condições
prévias para hipotéticas negociações de paz –, o governo chinês aprofundou,
significativamente, as relações comerciais, diplomáticas, energéticas e
militares com o Kremlin, desde a invasão.
Já Mikhail
Mishustin disse a um grupo de empresários chineses reunidos em Xangai que 70%
das trocas comerciais entre os dois países já são feitas em rublos ou yuans e
revelou que está previsto um aumento de 40% das exportações russas para a China
no setor energético. Além disso, disse que os dois governos confiam que será
possível atingir a meta dos 200 mil milhões de dólares (cerca de 186 mil
milhões de euros) em volume total de comércio bilateral até ao final de 2023 –
ultrapassando os 190 mil milhões de dólares registados em 2022, que já foram um
recorde anual.
***
Enfim, China e Rússia entendem-se, até porque está em causa o controlo do
Ártico.
2023.08.07 – Louro de Carvalho
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