sábado, 21 de setembro de 2024

Ruas de Quito rendem-se a Jesus Cristo no Congresso Eucarístico

 De 8 a 15 de setembro, celebrou-se, em Quito, no Equador, o 53.º Congresso Eucarístico Internacional sob o tema “Fraternidade para curar o Mundo. ‘Todos vós sois irmãos.’ (Mt 23,8)”.

O número do programa que envolveu diretamente mais povo foi a procissão eucarística do 14.

O centro histórico de Quito testemunhou grande expressão de fé e devoção, quando milhares de fiéis se reuniram para acompanhar o Santíssimo Sacramento em procissão.

O ambiente estava repleto de profunda reverência, cânticos e de louvores, enquanto peregrinos de mais de 50 países dos cinco continentes caminhavam ao lado de Jesus Eucarístico pelas ruas históricas da cidade, que é reconhecida como património mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). A procissão foi enquadrada por centenas de bispos, sacerdotes, diáconos e seminaristas de diversas partes do Mundo.

Às 16h30 (horário local), na igreja de São Francisco, antes da procissão, foi celebrada missa sob a presidência do arcebispo de Guayaquil, Equador, D. Luis Gerardo Cabrera Herrera, OFM, presidente da Conferência Episcopal Equatoriana.

Refletindo sobre a passagem do Evangelho de João proclamada na missa (Jo 3,3-17), o prelado franciscano aprofundou o conceito do amor de Deus Pai pelo Mundo, “um amor gratuito, um amor compassivo, um amor fiel que não exclui ninguém por causa da sua condição social, religiosa, moral, económica”. “Deus ama este Mundo – vincou – com a sua grandeza e a suas misérias, os seus sucessos e erros, as suas alegrias e dores. Deus ama esta Terra, muitas vezes poluída e explorada, mas também animada por grandes iniciativas de cuidado e respeito”.

Retomando as palavras do Papa, o prelado lembrou que a Eucaristia “não é o prémio dos santos, mas o pão dos pecadores. Ela transforma-nos numa fraternidade para curar as feridas do mundo pessoal e social, muitas vezes causadas pelo abandono, pela violência, doença e morte”. Daí, o convite final aos fiéis a que sejam como o Bom Samaritano, que cuida dos que são esmagados por todo o tipo de sofrimento.

“Jesus não só nos salva do pecado, mas também nos oferece a vida eterna, para que possamos curar as feridas do Mundo, assim como Ele nos redimiu entregando-se na cruz”, disse o prelado.

Por fim, D. Luís Cabrera apelou à ação: “Como fraternidade comprometida com a salvação do Mundo, renovemos o nosso firme propósito de trabalhar incansavelmente pela liberdade, pela justiça e pela paz, tanto nos nossos países como em todo o Mundo.”

No final da missa, a procissão começou com centenas de pessoas ajoelhadas a rezar antífonas de adoração. A jornada começou com o cântico “Deus de Amor”, seguindo-se outros cânticos de adoração. Ao longo do percurso de 1,3 km, mais de 120 tapetes de flores cuidadosamente confecionados adornavam o caminho até à basílica do Voto Nacional.

A procissão prosseguiu de forma solene, acompanhada de cânticos e parando em sete estações. Em cada estação foram feitas orações com diferentes intenções: pelo papa e pela Igreja; pelo país, pela cidade e pelos governantes; pela vida consagrada; pela família; pela paz; por crianças e jovens; e por sacerdotes e agentes pastorais.

O ostensório, em todos os momentos, foi o centro de todos os olhares e corações ao longo do caminho até à basílica. Das varandas, esquinas ou peregrinos atrás da Eucaristia, os fiéis, uns com lágrimas e outros com sorrisos, adoravam o Cristo vivo com cânticos clássicos como “Vamos cantar ao amor dos amores”, “Pescador de homens”, “Um novo mandamento”, entre outros.

Ao chegar à basílica do Voto Nacional, o Santíssimo Sacramento foi levado para o interior do templo. A bênção final com o Santíssimo Sacramento foi dada pelo arcebispo emérito de Caracas, cardeal Baltazar Porras, legado pontifício do 53.° Congresso Eucarístico Internacional. Foi um momento de fervor, com o povo em oração e contemplação diante da presença real de Cristo.

Após a bênção, os fiéis foram convidados a continuar o culto ao Santíssimo Sacramento e à missa de encerramento, celebrada no dia 15, no Parque Bicentenário, às 10h (horário local).

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No quadro prático do tema da fraternidade, foi objeto de conferência, no dia 9, no Congresso Eucarístico, a jornada de crianças migrantes para os Estados Unidos da América (EUA).

Leyden Rovelo, diretora do ministério hispânico na diocese de Kansas City-St. Joseph, no Missouri, falou do sofrimento de dezenas de milhares de crianças migrantes recém-chegadas aos EUA, revelando que as agências de governo americanas não contabilizaram entre 30 mil e 85 mil desses menores. “Eles não sabem onde estão as nossas crianças”, lamentou.

Salientando que “a Igreja Católica reconhece inequivocamente a autoridade legítima das nações soberanas para regular a suas fronteiras e para administrar os fluxos migratórios”, considerou que tal posição “não constitui um endosso de medidas draconianas ou práticas desumanas”, antes ressalta o imperativo de defender a dignidade humana durante todo o processo de controlo”.

Rovelo, que é membro do Grupo Consultivo Hispânico do Departamento de Justiça, Paz e Desenvolvimento Humano da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB), falou sobre a declaração da USCCB de 1983 de “que a presença hispano-latina na Igreja americana é uma bênção de Deus para a Igreja e para todo o país”. Com efeito, desde 1565, quando a primeira missa no atual território dos EUA foi celebrada em St. Augustine, na Flórida, os seus habitantes testemunham como os imigrantes hispânicos “revitalizaram a vida paroquial em todo o país, muitos deles em paróquias cuja população estava a envelhecer”.

Contou a história de uma mulher que ajudou, cuja filha de cinco anos morreu na viagem aos EUA e ela nem recorda em que país teve de a enterrar. “Esse delicado equilíbrio entre soberania nacional e direitos humanos é a base e a abordagem da Igreja Católica diante do dilema da migração”, disse Rovelo.

Rovelo apontou o facto de os migrantes serem portadores do Evangelho e da imagem de Deus, criados à sua imagem e semelhança. “Os migrantes são peregrinos na terra que buscam, como todo a gente, o seu destino final no céu”, disse, apelando a que as pessoas vissem os migrantes pela sua identidade humana, “restaurando os nossos corações e mentes”, e não os vissem por rótulos políticos, pelo seu status legal ou fazendo juízos de valor. “Estamos todos em fuga. Migrantes a caminho de casa. Assim como Cristo é a ponte entre nós e o Pai, nós também somos a ponte entre os migrantes e um lugar melhor”, disse Rovelo.

Por fim, falou dos esforços da USCCB para aliviar o sofrimento inerente aos processos migratórios, pedindo aos países de origem que “abordem as causas profundas da migração”, ao mesmo tempo que promovem e fortalecem cada vez mais os seus serviços de apoio aos migrantes e refugiados. “A Igreja escolheu focar-se na intenção de ‘dar a César o que é de César e dar a Deus o que é de Deus’, defendendo o desenvolvimento sustentável, instituições democráticas e políticas que respeitem os direitos humanos e a dignidade humana nos países de origem”, disse, precisando: “A Igreja procura criar um ambiente onde as pessoas possam prosperar em seus países de origem, reduzindo, assim, a compulsão de empreender viagens perigosas.”

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Como referido, foi o cardeal Baltazar Enrique Porras Cardozo, arcebispo emérito de Caracas, que presidiu, no dia 15, em nome do Papa, à Missa de encerramento: “Cuidemos daqueles que “têm fome de comida e dignidade”, foi a palavra de ordem.

As muitas cores das bandeiras do Mundo inteiro, pontuadas pelo branco dos guarda-sóis abertos para se proteger do sol e acompanhadas pela alegria dos cerca de 25 mil fiéis presentes, emolduraram o Parque Bicentenário, que recebeu a celebração final do 53.º Congresso Eucarístico Internacional. A Statio Orbis foi presidida pelo legado pontifício, acompanhado por uma missão composta pelo padre Wilson Posligua Bran, vigário para a vida consagrada, e pelo padre Darwin Salazar Calderón, chanceler arquidiocesano.

No 150.º aniversário da consagração do Equador ao Sagrado Coração de Jesus, de 8 a 15 de setembro, o Congresso refletiu sobre o tema “Fraternidade para curar o Mundo”. E foi nesse tema que o cardeal Porras centrou a sua homilia: “Para os cristãos – disse ele – a fraternidade não é uma opção, mas um imperativo evangélico”, “é o vínculo de união entre os seres humanos como expressão de autêntica filiação, com respeito à dignidade da pessoa, à igualdade de direitos e à solidariedade de uns para com os outros, a uma familiaridade radical com a paternidade criativa e com a maternidade consoladora”.

Daí, a evocação da Eucaristia, não como “mera memória, mas como memorial” da bondade que nos atrai. “A Eucaristia – enfatizou – tira a fome de coisas materiais e acende o desejo de servir, tira-nos do nosso confortável sedentarismo e lembra-nos que não somos apenas bocas para saciar, mas também mãos para saciar a fome do próximo”. Nessa ótica, é mais do que nunca “urgente que cuidemos daqueles que têm fome de comida e de dignidade, daqueles que não têm trabalho e lutam para ganhar a vida”, porque “a fraternidade do crente, que é alimentada pela Eucaristia, reformula as relações com os outros, a dimensão do perdão e da ajuda samaritana”.

O prelado emérito destacou como o cuidado da casa comum é fruto da fraternidade: “A partir da América Latina, um continente devastado pela exploração irracional da natureza – explicou –, a dimensão ecológica assume a ‘cidadania’ de uma virtude a ser construída, e os trabalhos sinodais sobre a Amazónia, com a sua proteção da criação e do contexto em que vivemos, adquirem uma dimensão que não podemos ignorar”.

Por fim, o purpurado exortou os muitos fiéis presentes a partirem de Quito com “uma bagagem rica em testemunhos cheios de esperança e com a certeza de que a Eucaristia e a devoção ao Coração de Jesus ampliarão os horizontes das nossas vidas para melhor servir a um Mundo contraditório, ferido, mas redimido em Cristo, com a tarefa de transfigurá-lo”.

Enfim, o Congresso mostra que a Eucaristia amplia o horizonte da nossa vida e que o Evangelho no Equador é história de um grão que deu fruto.

Antes da bênção final, o legado pontifício anunciou que o 54.º Congresso Eucarístico Internacional será realizado em Sydney, em 2028. A notícia foi recebida com entusiasmo pela delegação australiana e seguida pela exibição de vídeo a explicar como o país está a preparar-se para o evento que ocorrerá cem anos após o primeiro Congresso realizado na Austrália, em 1928.

Os milhares de fiéis presentes também receberam o agradecimento do arcebispo de Quito e primaz do Equador, D. Alfredo José Espinoza Mateus, que anunciou um dos primeiros frutos do Congresso, isto é, o lançamento de refeitórios comunitários, chamados “O Pão da Fraternidade”.

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Das diversas conferências sobre a Eucaristia, é de salientar a do Cardeal Mauro Gambetti, arcipreste da Basílica de São Pedro, a 12 de setembro, intitulada “Por uma Igreja Sinodal, um objetivo que só é alcançado prestando atenção às necessidades do povo”.

Assim como o coração envia sangue para todo o corpo, “assim a Eucaristia é fonte de fraternidade e configura sinodicamente a Igreja”, disse o cardeal, observando: “Pode-se dizer que a fraternidade completa é o fruto maduro da Eucaristia, porque esta é a fonte de tudo, da mesma forma que o coração envia oxigénio ao corpo.”

Sem a Eucaristia, comentou o purpurado, “a Humanidade não seria capaz de compreender qual é o princípio promotor do seu caminho rumo à reconciliação do amor”. No entanto, especificou que, muitas vezes, “não sabemos o que fazer com o pouco que temos e que somos”, o que torna muito difícil curar as feridas, as injustiças e as prevaricações que abundam no Mundo. Isto, prosseguiu, só se supera, levando ao coração “a memória eucarística do dom de Deus”, da qual os batizados somos chamados a nutrir-nos para partilhá-la com os mais vulneráveis.

“A sinodalidade alimenta-se, acima de tudo, de um gesto natural do dia a dia”, disse o cardeal Gambetti. Aquele gesto, de receber Jesus Sacramentado, “leva-nos a nutrir-nos da mesma vida” e a partilhá-la com os nossos irmãos. “Estou convencido de que, para assumir um movimento intrinsecamente sinodal, deve ocorrer uma conversão religiosa: a plena aceitação da Encarnação e a revelação de Jesus como pão vivo descido do céu”, acrescentou.

O orador foi enfático ao ressaltar que é necessário que os católicos passem de um espírito ansioso por dominar para um espírito totalmente dedicado a servir, à imagem de Jesus que não hesitou em lavar os pés dos apóstolos na Última Ceia. “A sinodalidade eclesiástica é, portanto, a presença eucarística”, afirmou o cardeal. E apoiou a sua afirmação, trazendo à tona o episódio evangélico da multiplicação dos pães e dos peixes, em que os apóstolos viram que o povo estava com fome e, não sabendo o que fazer, recorreram a Jesus que lhes deu uma solução baseada na fé: compartilhar comida em vez de ir comprá-la. Este milagre, continuou, acontece sempre que a Eucaristia é partilhada em cada Missa, especialmente com os mais necessitados. “A Igreja Sinodal promove um modelo de desenvolvimento humano integral que o Papa Francisco colocou no centro da encíclica Laudato Si’, disse o Cardeal Gambetti.

Por fim, assegurou que, embora a economia de mercado ponha um preço a tudo, inclusive ao amor, “a Igreja sinodal gera bens e relações como a fé, o perdão, a cooperação, a comunhão e a doçura, que não podem ser comprados, mas “são a condição para caminharmos juntos na Igreja”.

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É preciso ter consciência da força da fraternidade alicerçada na Eucaristia.

2024.09.21 – Louro de Carvalho

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