terça-feira, 3 de setembro de 2024

“Devíamos todos adorar as vespas”, defende bióloga e entomóloga britânica

 

Ninguém fica satisfeito com a picada de vespa ou vespão, predador de outros insetos, incluindo a abelha (Apis mellifera), levando à dizimação de colmeias inteiras para alimentar as larvas, que desenvolvem, por sua vez, comportamentos defensivos.

“Vespa” vem do latino vespa, do protoitálico *wospā, do protoindo-europeu *wops-éh, de *wóps.

Vespa, marimbondo ou cabatão são nomes aplicados a diversas espécies de insetos da subordem Apocrita, da ordem Hymenoptera. Em maior abrangência, são nomes dados a quaisquer himenópteros que não são abelhas nem formigas. Distingue-se a vespa-serra, himenóptero sem pecíolo, tida como subordem distinta, Symphyta. O universo das vespas, como tal, não constitui um clado (grupo natural que inclui todos os descendentes de um grupo ancestral).

A vespa tem ferrão no términus do abdómen, com que injeta o veneno. Pode picar mais do que uma vez, ao invés da abelha que só pica uma vez. Algumas espécies usam o veneno para paralisarem as presas quando caçam. E todos andamos preocupados com a vespa velutina nigrithorax, espécie autóctone da Ásia, proveniente de regiões tropicais e subtropicais do Norte da Índia, do Leste da China, da Indochina e da Indonésia.

Entretanto, a bióloga britânica Seirian Sumner, da Royal Entomological Society (RES), que investiga a atividade e a importância das vespas nos ecossistemas e luta, há mais de 25 anos, por melhorar a imagem destes insetos, sustenta que deveríamos ter apreço pelas vespas.

Sumner, nascida em 1974, entomologista, ecologista comportamental e especialista em vespas sociais, que é professora do University College London, foi educada em Ysgol Gyfun (escola secundária abrangente para alunos de 11 a 16 anos ou de 11 a 18 anos), na cidade de Aberaeron, no País de Gales, e, depois, na University College London, onde recebeu o título de Bacharel em Zoologia e, em 1999, o doutoramento em Conflitos sobre a reprodução em vespas flutuantes facultativamente eussociais.  

A eussocialidade (do grego, “eu “adequado”, e do latim “socius”, “companheiro”) é o sistema de organização social onde a espécie tem divisão reprodutiva do trabalho, gerações sobrepostas e cuidado cooperativo dos jovens. Tal organização em colónia promove harmonia entre os membros do grupo e aptidão genética do grupo como um todo.

O trabalho de Sumner do pós-doutoramento foi com Jacobus Boomsma na Universidade de Copenhague, na Dinamarca. Obteve bolsas de estudo no Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá, e no Institute of Zoology, em Londres. Mudou-se para a Universidade de Bristol como professora sénior, em 2012, e, depois, para a University College London como leitora em Ecologia Comportamental, em 2016, e professora, em 2020. Na sua pesquisa, analisa a evolução do comportamento social dos insetos, estudando espécies de insetos, ao longo de um continuum de sociabilidade. Mostrou que os insetos podem ter uma sociabilidade simples baseada no comportamento e não nas caraterísticas físicas de casta; e que, nessas sociedades simples, os indivíduos podem mudar de casta de trabalhadora para rainha, o que não é possível em sociedades complexas de insetos, como as abelhas.

A entomologista fez o primeiro uso de etiquetas RFID (que permitem a leitura de vários artigos à distância, sem a etiqueta ter de estar à vista) em pesquisas de campo, descobrindo que o movimento das rainhas das vespas de papel para longe dos seus ninhos é muito maior do que o esperado. Em sociedades de insetos mais complexas, fez algumas das primeiras pesquisas sobre o parentesco genético de colónias de abelhas, mostrando que rainhas irmãs emergentes da mesma colónia viajam para longe umas das outras, para estabelecerem novas colónias. Analisou o efeito das populações de insetos sociais nos seus ambientes, como o impacto das formigas argentinas na dispersão de sementes. Trabalhou com formigas, observando uma espécie de formiga parasita que evoluiu e parasita uma espécie cortadeira no Panamá, descobrindo que as rainhas da espécie parasita acasalam com um único macho, em comparação com as rainhas cortadeiras hospedeiras que podem acasalar com vários.

É defensora dos serviços ecossistémicos das vespas sociais, sustentando que as vespas são úteis, na verdade essenciais, que as vespas sociais podem ser predadoras, podendo ajudar a controlar populações de insetos pragas, e que as vespas são importantes.

O seu laboratório pesquisa como as vespas sociais podem comunicar entre si, dentro da sua colónia, sobre onde estão os recursos, talvez como as abelhas fazem a dança do balanço.

Em 2019, publicou um artigo da Proceedings of the Royal Society B a mostrar como as vespas sociais do papel são predadoras bem-sucedidas de duas pragas economicamente importantes, a broca da cana-de-açúcar e a lagarta do funil do milho. A investigação sobre as atitudes do público, em relação às abelhas e às vespas, mostra que os benefícios das abelhas são amplamente compreendidos, mas os das vespas não, o que se reflete na quantidade de investigação científica sobre os dois grupos, sendo as vespas pouco investigadas, em comparação com as abelhas.

O termo “vespa do papel” ou “vespa-cabocla” é a designação comum a diversas espécies grandes de vespas sociais do género Polistes, que apresentam coloração avermelhada ou amarelada às riscas, corpo alongado e delgado. São insetos sociais. Se forem incomodadas, podem atacar com ferroada dolorosa, mas são, geralmente, inofensivas.

Sumner foi cofundadora da iniciativa de ciência cidadã The Big Wasp Survey, em 2017 com o professor Adam Hart, para aumentar a conscientização sobre o papel e a diversidade das espécies de vespas sociais, no Reino Unido, e para comparar a precisão dos dados da ciência cidadã com dados de registo biológico de longo prazo.

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As vespas mais conhecidas pertencem à família Vespidae e são eussociais, vivendo juntas num ninho com a rainha, que põe ovos, e com operárias, que não se reproduzem. Porém, a maioria das espécies são solitárias, com cada fêmea adulta a viver e a reproduzir-se independentemente. As vespas (incluindo as fitófagas e as entomófagas) desempenham muitos papéis ecológicos. Muitas, como as vespas-cuco, são cleptoparasitas, pondo ovos nos ninhos de outras. Fração significativa das outras famílias são parasitoides, pondo ovos sobre ou em outros organismos, tendo como hospedeiros, principalmente, insetos e outros artrópodes, sendo valiosas para o controlo de pragas.

As vespas são agrupamento cosmopolita parafilético de centenas de milhares de espécies, integrando o clado Apocrita, com exceção das formigas e das abelhas. Os himenópteros contêm a subordem Symphyta, cujos membros não são classificados como vespas, por integrarem uma subordem diferente de Apocrita. O termo “vespa” usa-se, às vezes, de forma mais restrita, para membros dos Vespidae, que inclui várias linhagens de vespas eussociais, como os géneros VespulaDolichovespulaVespa e membros da subfamília Polistinae.

Himenópteros na forma de Symphyta (Xyelidae) apareceram, pela primeira vez, no registo fóssil no Triássico Inferior. As vespas em sentido amplo (subordem Apocrita) surgiram no o Jurássico e diversificaram-se em muitas das superfamílias existentes durante o Cretáceo. Vespas-do-figo com caraterísticas anatómicas modernas apareceram, pela primeira vez, no Brasil no Cretáceo Inferior, há cerca de 65 milhões de anos, antes de as primeiras figueiras surgirem. A família Vespidae inclui o género extinto Paleovespa, com sete espécies conhecidas, datadas do Eoceno, achadas em leitos fósseis no Colorado e na Europa, fossilizados em âmbar báltico. E também foram achadas em âmbar báltico as vespas do género Electrostephanus.

Como todos os insetos, as vespas têm exosqueleto rígido que protege as três partes principais do corpo: cabeça, mesossoma (incluindo o tórax e o primeiro segmento do abdómen) e metassoma. Têm cintura estreita, o pecíolo, unindo o primeiro e o segundo segmentos do abdómen. Os dois pares de asas membranosas são mantidos juntos por pequenos ganchos e as asas anteriores são maiores do que as posteriores. Em algumas espécies, as fêmeas não têm asas. Nas fêmeas, em geral, há um ovipositor rígido que pode ser modificado para injetar veneno, perfurar ou serrar, podendo estender-se livremente ou ser retraído, além de poder desenvolver-se em ferrão para defesa e para paralisar a presa. As vespas, além de grandes olhos compostos, têm olhos simples, os ocelos, dispostos em triângulo à frente do vértice da cabeça. Possuem mandíbulas adaptadas para morder e cortar, como as de outros insetos, como gafanhotos, mas as outras partes da boca são formadas em probóscide de sucção, que lhes permite beber néctar.

As larvas de vespas assemelham-se a vermes e adaptam-se à vida num ambiente protegido: o corpo de um organismo hospedeiro ou uma célula de um ninho, onde a larva se alimenta das provisões que lhe restam ou, em espécies sociais, alimentada pelos adultos.

As vespas solitárias adultas alimentam-se, principalmente, de néctar, mas a maior parte do tempo é gasta em busca de alimento para seus filhotes carnívoros, principalmente insetos ou aranhas. Além de fornecerem comida à sua prole larval, nenhum cuidado materno lhe dão. Algumas espécies fornecem alimento para os jovens, repetidamente, durante o seu desenvolvimento (provisionamento progressivo). Outras, como vespas-de-oleiro (Eumeninae e Ammophila, Sphecidae), repetidamente constroem ninhos que abastecem com um suprimento de presas imobilizadas, como grande lagarta, pondo um único ovo dentro ou sobre o seu corpo e, em seguida, fechando a entrada (provisionamento em massa). As vespas predatórias e parasitoides subjugam as suas presas picando-as. Caçam grande variedade de presas, principalmente; outros insetos (incluindo outros Hymenoptera), larvas e adultos. Os Pompilidae especializam-se em capturar aranhas, para proverem os ninhos.

Algumas vespas sociais são omnívoras, alimentando-se de frutas caídas, néctar e carniça, como insetos mortos. Vespas machos adultos, às vezes, visitam flores para obterem néctar. Algumas vespas, como Polistes fuscatus, retornam a locais onde encontravam presas para forragem. Em muitas espécies sociais, as larvas exalam grandes quantidades de secreções salivares, avidamente consumidas pelos adultos, e que incluem açúcares e aminoácidos, podendo fornecer nutrientes essenciais à construção de proteínas que, de outro modo, não estão disponíveis para os adultos (que não conseguem digerir proteínas).

Em vespas, como em outros himenópteros, o sexo é determinado por um sistema haplodiploide, em que as fêmeas são muito próximas das suas irmãs, permitindo seleção de parentesco para favorecer a evolução do comportamento eussocial. As fêmeas são diploides, isto é, têm 2n cromossomas e desenvolvem-se a partir de ovo fertilizado. Os machos, os zângãos, têm um número haploide (n) de cromossomas e desenvolvem-se a partir de óvulo não fertilizado. As vespas armazenam os espermatozoides dentro do corpo e controlam a libertação para cada óvulo à medida que é posto; se a fêmea quer produzir óvulo masculino, põe o óvulo sem o fertilizar. Assim, na maioria das espécies, há controlo voluntário completo sobre o sexo dos descendentes.

Embora a maioria não desempenhe nenhum papel na polinização, algumas espécies transportam pólen e polinizam várias espécies de plantas. Como as vespas, em geral, não têm cobertura semelhante a pelos macios e estrutura específica para armazenamento de pólen como algumas abelhas, o pólen não adere bem a elas. Porém, foi demonstrado que, mesmo sem pelos, várias espécies são capazes de transportar pólen de forma eficaz, contribuindo para a potencial polinização de várias espécies de plantas. Vespas do pólen na subfamília Masarinae recolhem néctar e pólen para dentro dos seus corpos, ao invés de nos pelos do corpo como as abelhas, e polinizam flores de Penstemon e a família das folhas d’água, Hydrophyllaceae. As vespas-do-figo (Agaonidae) são os únicos polinizadores de mais de mil espécies de figo e, portanto, cruciais na sobrevivência das suas plantas hospedeiras. E, porque são dependentes das suas figueiras para a sobrevivência, a relação coevoluída é totalmente mutualística.

A maioria das vespas solitárias são parasitoides. As vespas parasitoides têm hábitos muito diversos, muitas pondo os ovos em estágios inertes do hospedeiro (ovo ou pupa), às vezes paralisando a presa, ao injetar veneno, por meio do seu ovipositor. Inserem um ou mais ovos no hospedeiro ou depositam-nos do lado de fora do hospedeiro. O hospedeiro permanece vivo até a larva do parasitoide pupar ou emergir como adulto. Os Ichneumonidae são parasitoides especializados, geralmente de larvas de Lepidoptera e enterradas em tecidos vegetais. Para tanto, possuem ovipositores excecionalmente longos, que detetam os hospedeiros pelo cheiro e pela vibração. Algumas espécies de parasitas têm relação mutualística com um polydnavírus que enfraquece o sistema imunológico do hospedeiro e se replica no oviduto da vespa fêmea. Uma família de vespas Chalcidoidea, Eucharitidae, é especializada como parasitoide de formigas, a maioria das espécies hospedada num género de formiga. Os eucaritídeos são dos poucos parasitoides que superam as defesas eficazes das formigas contra os parasitoides.

Muitas espécies, incluindo as vespas-cuco (Chrysididae), são cleptoparasitas, pondo os ovos nos ninhos de outras espécies de vespas para explorarem os seus cuidados parentais. Um exemplo de verdadeiro parasita de ninhada é a vespa Polistes sulcifer, que põe os ovos nos ninhos de outras (especificamente Polistes dominula), cujas larvas são alimentadas pelo hospedeiro.

Muitas linhagens, incluindo as das famílias Vespidae, Crabronidae, Sphecidae e Pompilidae, atacam e picam presas para alimento das suas larvas; enquanto os Vespidae maceram as presas e dão os pedaços resultantes diretamente à ninhada, a maioria das vespas predadoras paralisa as presas e põe ovos diretamente sobre os corpos, e as larvas das vespas consomem-nos. Além de recolherem itens de presas para abastecerem os filhotes, muitas vespas são alimentadores oportunistas e sugam os fluidos corporais das presas. As cerca de 140 espécies de Philanthinae caçam abelhas, para proverem os seus ninhos, e os adultos alimentam-se de néctar e de pólen.

Enquanto as picadas de vespa detêm muitos predadores potenciais, os abelharucos (na família de aves Meropidae) comem insetos que picam, removendo o veneno do ferrão ao escovar a presa contra objetos duros. O pássaro do género Pernis ataca os ninhos de himenópteros sociais, comendo larvas de vespas; é o único predador da perigosa vespa mandarina.

Algumas espécies de parasitas, sobretudo, os Trichogrammatidae, são exploradas comercialmente para controlo biológico de pragas de insetos. Uma das primeiras a ser usada foi a Encarsia formosa, parasitoide de várias espécies de mosca-branca. Entrou em uso comercial na Europa, na década de 1920, foi ultrapassada por pesticidas químicos, na década de 1940, e reganhou interesse na década de 1970. Encarsia é usada em estufas, para controlar as pragas da mosca-branca de tomate e pepino e, em menor extensão, de beringela, e de flores como calêndula e morango. Várias espécies são predadores naturais de pulgões, podendo ajudar a controlá-los.

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Em suma, as vespas, no seu universo tão diversificado, têm papel ecológico e económico de relevo, protegendo as culturas agrícolas e enriquecendo e calibrando a biodiversidade.

2024.09.02 – Louro de Carvalho

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