domingo, 22 de setembro de 2024

O Papa encorajou a recuperação e o desenvolvimento de Timor-Leste

 
No quadro da sua viagem apostólica, de 2 a 13 de setembro, pelo Sudeste Asiático e pela Oceânia (Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura), o Papa Francisco foi recebido, no começo da tarde do dia 9, no Aeroporto Internacional de Díli “Presidente Nicolau Lobato”, pelo Presidente da República, José Ramos Horta, e pelo primeiro-ministro, Xanana Gusmão.
Foi a terceira etapa da visita papal ao Sudeste Asiático e à Oceânia. O Papa teve por objetivo encorajar a recuperação do país, após a sangrenta e traumática batalha da independência e celebrar o desenvolvimento de Timor-Leste, após duas décadas de libertação do domínio indonésio. Além disso, foi seu propósito encorajar a fé católica dos cerca de 98% de católicos em 1,3 milhões de habitantes do país, o que faz de Timor-Leste o país mais católico do Mundo, fora do Vaticano.
Centenas de Timorenses acompanharam o trajeto da comitiva de Francisco do aeroporto para a cidade de Díli, agitando bandeiras do Vaticano e de Timor-Leste e usando guarda-sóis amarelos e brancos – as cores da Santa Sé – para se protegerem do sol escaldante.
José Ramos-Horta e Xanana Gusmão, dois dos mais venerados heróis da independência de Timor-Leste, saudaram Francisco no aeroporto e reuniram-se com ele em privado.
O Papa dirigiu-se aos funcionários do governo, à sociedade civil e aos diplomatas, após a cerimónia oficial de boas-vindas. E, no dia 10, celebrou a missa, com a presença de cerca de 700 mil pessoas, quase metade da população do território. A esmagadora maioria católica de Timor-Leste, um dos países mais pobres do Mundo, ansiava a chegada de Francisco, na sequência do 25.º aniversário do referendo apoiado pelas Nações Unidas, que abriu caminho à independência.
A atmosfera é, agora, muito diferente da que se viveu aquando da visita do Papa João Paulo II, que visitou o território, em 1989, quando Timor-Leste era, ainda, uma parte ocupada da Indonésia e lutava pela liberdade. Uma década mais tarde, depois de os Timorenses terem votado, por esmagadora maioria, a favor da independência, os militares indonésios responderam com uma campanha de terra queimada, que destruiu 80% das infraestruturas do país e chocou o Mundo. No total, cerca de 200 mil pessoas foram mortas nos 24 anos de domínio indonésio.
A visita de João Paulo II, que culminou com a missa à beira-mar perto de Díli, contribuiu para chamar a atenção internacional para a situação do povo timorense e para a opressão da ocupação indonésia. “Eram outros tempos”, disse Vicente Oliveira Soares, de 42 anos, proprietário de uma empresa de impressão digital. “Agora estamos felizes porque somos livres, nós, como uma nova nação, estamos muito felizes por receber e encontrarmo-nos com o Papa Francisco”, disse à AP.
Francisco confrontou-se com o legado traumático de Timor e com outro que lhe é mais próximo, envolvendo o bispo que, juntamente com Xanana Gusmão e Ramos-Horta, é um herói pelos seus esforços para conquistar a independência. De facto, Ximenes Belo ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1996, com Ramos-Horta, por ter lutado por uma solução justa e pacífica para o conflito. Contudo, em 2022, o Vaticano reconheceu que tinha sancionado secretamente Belo, dois anos antes, por ter abusado sexualmente de jovens rapazes. As sanções incluíam limitações aos seus movimentos e ao exercício do ministério e proibiam-no de ter contacto voluntário com menores ou mesmo de deslocar-se a Timor-Leste. As sanções foram reforçadas em 2021.
Apesar das sanções confirmadas na altura pelo porta-voz do Vaticano e reafirmadas na semana anterior à viagem de Francisco, muitas pessoas em Timor-Leste apoiaram Belo, rejeitando, negando ou diminuindo as reivindicações das vítimas. Alguns até esperavam que Belo, que vive em Portugal, estivesse presente para dar as boas-vindas a Francisco, mas não esteve.
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É de dar o devido destaque, ainda que de forma condensada, ao teor do discurso papal no encontro com as autoridades, com a sociedade civil e com o corpo diplomático, no Palácio Presidencial.
Em Timor, tocam-se a Ásia e a Oceânia, que se encontram com a Europa, próxima pelo seu papel nestas latitudes, nos últimos cinco séculos. “Efetivamente, de Portugal chegaram os primeiros missionários dominicanos, no século XVI, trazendo o catolicismo e a língua portuguesa, a qual e o Tétum são os dois idiomas oficiais do Estado.
Nascido na Ásia, o cristianismo veio a estes confins com os missionários europeus, que, testemunhando a sua vocação universal e a capacidade de se harmonizar com as mais diversas culturas, ao encontrarem o Evangelho, descobrem uma síntese nova, mais elevada e profunda. O cristianismo assume as culturas e, nelas, os vários ritos dos diferentes povos. Uma das dimensões importantes do cristianismo é a inculturação da fé. E esta evangeliza as culturas. “Não se trata duma fé ideológica, mas duma fé enraizada na cultura.”
Ornada de montanhas, de florestas e de planícies, rodeada por um mar maravilhoso e rica em tantas coisas, frutos e madeiras, Timor-Leste passou por “uma fase dolorosa no seu passado recente”. De 28 de novembro de 1975 a 20 de maio de 2002, isto é, da independência declarada à sua restauração, viveu anos de calvário e da maior provação, mas soube reerguer-se, encontrando uma senda de paz e o início de nova fase, que pretende ser de desenvolvimento, de melhoria das condições de vida e de valorização, a todos os níveis, do esplendor impoluto deste território e dos seus recursos naturais e humanos. Apesar de tudo, os Timorenses não perderam a esperança e, depois de dias sombrios e difíceis, despontou uma aurora de paz e liberdade.
Francisco sustenta que, a atingir estas metas, ajudou o enraizamento na fé, como vincou São João Paulo II, segundo o qual os católicos de Timor-Leste têm “uma tradição em que a vida familiar, a educação e os costumes sociais estão profundamente radicados no Evangelho”, tradição eivada “dos ensinamentos e do espírito das Bem-aventuranças”, rica de “humilde confiança em Deus, de misericórdia e perdão e, quando necessário, de paciente sofrimento em tempos de provação”. Enfim, Timor é “um povo sofrido, mas sábio no sofrimento”, reconhece o Santo Padre.
O Papa louva o esforço da plena reconciliação com os irmãos da Indonésia, atitude que radica nos ensinamentos do Evangelho e dá para manter firme a esperança e para transformar “a dor em alegria”. Deseja o Pontífice que, noutras situações de conflito, no Mundo, prevaleça igualmente o desejo da paz, pois a paz da unidade é superior ao conflito. Porém, isso exige uma purificação da memória, para a cura das feridas para o combate ao ódio pela reconciliação e ao confronto pela colaboração. A “política da mão estendida” é muito inteligente, porque, quando a mão estendida se vê traída, sabe esforçar-se w fazer avançar as coisas.
Também Francisco exprime o seu grato louvor pelo facto de, no 20.º aniversário da independência do país, as autoridades terem incorporado como documento nacional (incluindo a adoção nos currículos escolares) a “Declaração sobre a Fraternidade Humana”, assinada pelo Papa e pelo Grão-Imã de Al-Azhar, em Abu Dhabi. E exorta o povo a prosseguir, com renovada confiança, a construção e a consolidação das instituições da República, “para que estejam completamente aptas a servir o Povo de Timor-Leste e os cidadãos se sintam efetivamente representados”.
Considerando que se abriu um novo horizonte, com novos desafios a enfrentar e novos problemas a resolver, o Papa exorta a que a fé, que iluminou o povo e o susteve no passado, lhe continue a inspirar o presente e o futuro. “Que a vossa fé seja a vossa cultura!, isto é, que inspire critérios, projetos e escolhas segundo o Evangelho”, é o desejo papal.
Entre as questões atuais, sobressai o fenómeno da emigração, indicador de insuficiente ou inadequada valorização dos recursos e da dificuldade de dar a todos emprego que produza lucro equitativo e garanta às famílias rendimento que corresponda às suas necessidades. Sobressai a pobreza, presente em tantas zonas rurais, e a necessidade de uma concorde ação de longo alcance, envolvendo distintas responsabilidades e múltiplas forças civis, religiosas e sociais, para remediar e oferecer alternativas viáveis à emigração.
Depois, o ilustre visitante escalpeliza as chagas sociais, como o excessivo consumo de álcool entre os jovens, o que requer que se lhes deem ideais; os bandos que, munidos dos conhecimentos de artes marciais, em vez de os usarem ao serviço dos indefesos, os utilizam para mostrar o poder da violência; e o ferimento de muitas crianças e adolescentes na sua dignidade, que está a emergir no Mundo inteiro. Para a solução destes problemas e para melhorada gestão dos recursos naturais do país – reservas de petróleo e de gás, que poderiam oferecer possibilidades de desenvolvimento sem precedentes – é indispensável formar adequadamente, os que serão chamados a ser a classe dirigente do país num futuro não muito distante. O Papa gostou do que Ramos Horta lhe disse sobre a educação que ali se ministra. Assim, poderão dispor dos instrumentos indispensáveis para traçar um planeamento de longo alcance, visando exclusivamente o bem comum.
Para o processo formativo, dispõe-se da doutrina social da Igreja (DSI), pilar indispensável, sobre o qual se podem construir conhecimentos específicos e em que é necessário apoiar-se, para verificar se estas ulteriores aquisições beneficiaram o desenvolvimento integral ou se, ao invés, significam um obstáculo, produzindo desequilíbrios inaceitáveis e elevada quota de descartados, deixados à margem. A DSI não é uma ideologia. Baseada na fraternidade, deve favorecer o desenvolvimento dos povos, especialmente dos mais pobres. Ao mesmo tempo, exortando todos a manterem um olhar cheio de esperança no futuro, o Pontífice diz que o que este bonito país tem de melhor “é o povo”, de que é preciso cuidar, que é preciso amar e fazer crescer.
O Papa viu como o povo se exprime: com dignidade e com alegria. É um povo jovem, não pela cultura e implantação nesta terra, que são muito antigas, mas porque cerca de 65% da população tem menos de 30 anos, ao invés da maior parte dos países europeus, onde a idade média é de 46 e 48 anos. Esta juventude concita o investimento na educação. Já há várias universidades e várias escolas secundárias, algo que não existia há 20 anos. É um ritmo de crescimento muito grande. “Invistam na educação, quer no âmbito familiar quer no âmbito escolar, uma educação que coloque as crianças e os jovens no centro e promova a sua dignidade”, pede Francisco.
O entusiasmo, a frescura, a projeção para o futuro, a coragem, a iniciativa, típicos dos jovens, unidos à experiência e sabedoria dos idosos, formam providencial combinação de conhecimentos e de impulsos generosos para o amanhã. E o Papa sugere: “Juntem as crianças com os avós! O encontro de crianças e avós produz sabedoria. […] O entusiasmo juvenil e a sabedoria, juntos, são um grande recurso e não permitem nem a passividade nem, muito menos, o pessimismo.”
A Igreja Católica, a DSI, as instituições de assistência e caridade, educativas e sanitárias estão ao serviço de todos e são recurso precioso, que permite olhar o futuro com olhos cheios de esperança. A propósito, Francisco relevou o empenho da Igreja em prol do bem comum, em pareceria com o Estado, no quadro das relações desenvolvidas entre a Santa Sé e a República Democrática de Timor-Leste, reconhecidas pelo Acordo entre as Partes que entrou em vigor a 3 de março de 2016.
Por fim, o Santo Padre entregou Timor-Leste e o seu povo à proteção da Imaculada Conceição, a celeste Padroeira, ali invocada sob o título de Virgem de Aitara. Que Ela o acompanhe e ajude na construção de um país livre, democrático, solidário e alegre, onde ninguém se sinta excluído e todos viver em paz e com dignidade. “Deus abençoe Timor-Leste!”.
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Esta foi a mensagem-cartaz. Obviamente, a mensagem, por palavra e por gesto, do Papa foi mais extensa e intensa. De facto, Francisco visitou, no dia 10, as crianças com deficiência na Escola Irmãs Alma (Díli), a que chamou, apoiado no Evangelho, o “sacramento dos pobres”; avistou-se com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados/as, seminaristas e catequistas na Catedral da Imaculada Conceição (a quem recordou que o português Tomé Pires, no século XVI, escrevera que “os comerciantes malaios dizem que Deus criou Timor para o sândalo”, a que opôs um perfume melhor, o de Cristo, que é preciso guardar e utilizar); celebrou missa, com mais de 700 mil pessoas, na Esplanada de Taci Tolu (Díli), como João Paulo II, pedindo que cada pessoa, enquanto Igreja, enquanto sociedade, peça a sabedoria de refletir no Mundo a luz terna e forte do Deus de amor, que “levanta do pó o indigente e tira o pobre da miséria, para o fazer sentar entre os grandes”; teve encontro privado com os jesuítas, na Nunciatura (onde saudou o missionário português, padre João Felgueiras, de 103 anos); e encontrou-se com os jovens, no dia 11, no Centro de Convenções (a quem propôs o amor e o serviço, bem como o diálogo intergeracional).
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Permanência papal num pequeno país longínquo, mas sem perder de vista o Mundo todo!  

2024.09.22 – Louro de Carvalho

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