segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Combate à corrupção é tido por ineficaz, mas a justiça é ilibada

 

Apesar de, como dizia António Costa, quando era primeiro-ministro, as preocupações diárias das pessoas não incidirem sobre a corrupção, mas sobre outras questões (saúde, educação, emprego, habitação, segurança social, etc.), a corrupção é um dos problemas mais graves do país e impacta “diariamente” na vida dos cidadãos, de acordo com o retrato global fornecido pelo Eurobarómetro Especial sobre Corrupção (SEB 534, 2023), baseado em estudo executado pela DOMP, S.A., para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), apresentado ao público a 16 de setembro.

Por outro lado, o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), a 14 de agosto, referia os dados do Eurobarómetro sobre “Atitudes dos cidadãos em relação à corrupção na UE, em 2024”.

Há, neste contexto, dois tipos de dados a considerar: o que pensam os cidadãos sobre o problema; e o que pensam sobre os responsáveis pela existência e pelo alastramento do mesmo.

Nove em cada dez inquiridos consideram que a corrupção é um problema grave, no país. Em 2023, a média de Portugal (PT) era de 93%, ultrapassando a média da União Europeia (UE) 70%); um em cada dois inquiridos sente que a corrupção afeta diariamente a sua vida (2023 = PT 54%, média UE 24%). Os valores ultrapassam claramente a média da UE.

Os cidadãos europeus continuam céticos, quanto aos esforços dos governos nacionais para combater a corrupção, já que 65 % consideram que os casos de corrupção de alto nível não são suficientemente investigados e apenas 30 % pensam que os esforços dos governos para combater a corrupção são eficazes. Cerca de 68 % dos cidadãos europeus consideram que a corrupção é generalizada nos seus estados-membros.

No caso de Portugal a percentagem dos cidadãos portugueses que veem a corrupção como sendo “comum” aumentou para 96%, quando no inquérito realizado em 2023 era 93%, como se viu acima. No entanto, 99% dos inquiridos em Portugal diz não ter sido vítima ou ter testemunhado algum caso de corrupção, no último ano – contra uma média de 94% ao nível europeu – e 93% não conhece pessoalmente alguém que tenha subornado ou sido subornado, face a 88% dos inquiridos, em média, na UE.

Em 2023, foi comunicado ao MENAC um total de 194 decisões judiciais por crimes de corrupção e por infrações conexas, que correspondem a 146 despachos de arquivamento (75%), 40 despachos de acusação (40%) e oito acórdãos, dos quais sete condenatórios e um absolutório.

Já sobre as entidades em quem os cidadãos mais confiam para lidar com casos de corrupção, é de notar que a única entidade em que os Portugueses superam a percentagem de confiança em relação à média da UE é na “agência especializada de combate à corrupção” (30%, em Portugal, em relação à média de 12%, na UE).

Parte substancial da opinião pública considera que a corrupção atrai pessoas que procuram obter benefícios particulares à custa do bem comum, minando até pessoas honestas. De acordo com os inquiridos, “todas as esferas da vida social são medianamente corruptas”, sendo as áreas ligadas ao futebol (sobretudo, futebol profissional) e à política as mais expostas à corrupção, cujo combate é avaliado como “ineficaz”, com as responsabilidades repartidas, por ordem decrescente, pelo poder político, pela sociedade civil e pelo poder judicial. Não sei por que motivo o relatório deixa de fora elementos de corporações policiais e de alguns órgãos de comunicação social.

De acordo com o relatório, “o fraco desempenho da Justiça no combate à corrupção não resulta da falta de meios, [da] dificuldade de prova ou [da] acusação tendenciosa, mas, sim, de razões de natureza procedimental: megaprocessos e demasiadas possibilidades de recursos”. 

A maioria dos participantes tem uma definição legalista da corrupção, o que leva a excluir o rótulo de um conjunto de comportamentos e práticas legais, mas eticamente censuráveis. Há tolerância a determinados tipos de corrupção política (portas giratórias) e caseira (cunha) e a outros tipos de comportamentos fraudulentos que não impliquem violação da lei, no sentido estrito. Porém, a maioria pensa que, se o resultado da ação ilícita for benéfico para a população em geral, não se trata de corrupção. Exemplo: contornar regras e procedimentos de contratação pública para adquirir equipamentos médicos ou medicamentos em contexto pandémico; favorecer uma empresa na aprovação de um loteamento, em troca do compromisso de oferta de equipamento para um infantário num bairro social; pagar para obter mais depressa uma decisão administrativa lícita (por exemplo, um licenciamento).

Os investigadores mediram também a perceção das pessoas sobre a extensão da corrupção em determinados grupos sociais, que é, em parte, “moldada pelos casos que vêm a público, pela forma como são noticiados e pelas narrativas coletivas”. Regra geral, os participantes creem que todas as esferas da vida social são “medianamente corruptas”, mas que algumas apresentam mais vulnerabilidades e riscos institucionais. Assim, em média, a corrupção é considerada mais prevalecente no grupo dos políticos, seguido dos empresários, e como mais baixa nos dos profissionais e dos trabalhadores do setor privado. Os clubes de futebol são as entidades mais expostas à corrupção, seguidos das instituições políticas: partidos, autarquias, governo e administração pública. Já a segurança e defesa, e o setor social são as áreas menos expostas. Os indivíduos posicionados mais à esquerda do espetro político tendem a expressar menor perceção da corrupção, em comparação com os da direita ou do centro. E eu interrogo-me como é que tanta gente bem colocada quer presidir a uma câmara municipal.

Avaliando os tipos de regime político – democracia, tecnocracia e autocracia – em média, os participantes pensam que estão, de forma semelhante e medianamente, vulneráveis à corrupção, nivelamento contrastante com a evidência empírica sobre a relação entre democracia e níveis percecionados de corrupção entre países: “O que a literatura nos diz é que as democracias bem-sucedidas apresentam níveis mais baixos de corrupção do que os regimes híbridos e em transição”, diz o relatório. Porém, os inquiridos sustentam que “um país que tenha um líder forte, que não tenha de se preocupar com o Parlamento nem com eleições, é mais vulnerável à corrupção do que um país democrático ou tecnocrata”.

 

Quanto à relevância da integridade na avaliação que os eleitores fazem da competência dos políticos, conclui-se que o fator que mais influencia a probabilidade de voto é a orientação ideológica do(a) candidato(a), seguida da integridade (isto é, a capacidade de pautar a sua conduta pela legalidade e pela honestidade) e, por fim, a da capacidade de compromisso.

Por último, os investigadores mediram as perceções sobre a, por muitos, chamada corrupção paroquial, vulgo “cunha” ou “puxar de cordelinhos”, considerada resiliente, transversal e menos censurável. Não recorre a troca ilícita, mas procura o favorecimento através de relações de proximidade, mobilizando recursos simbólicos como a amizade e outros laços primários (familiares, étnicos ou partidários), ainda que os favorecimentos advenientes de tal intervenção estejam para lá do legalmente permitido. Os inquiridos, em geral, concordam que, em Portugal, se quisermos subir na vida, é importante conhecer as pessoas certas e alguns sustentam que “só se fazem bons negócios, se tivermos ligações políticas”. Ora, mesmo que o pretendido, através da cunha, não seja ilícito, o ganho de tempo, pode deixar para trás pessoas que tinham prioridade temporária e até maior necessidade de atendimento, ficando com dano de oportunidade.

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Para lá do fenómeno da corrupção e da sua perceção, importa ver como é avaliado o combate à corrupção. Em termos genéricos, é menção é “ineficaz”. Com efeito, mais de metade dos inquiridos (51,6%) considera o combate à corrupção nada eficaz” e  só 13% crê que é totalmente eficaz, sendo que, em média, os indivíduos com níveis de instrução mais altos, os  que revelam situação financeira menos estável, ou seja, os que têm utilizado as poupanças para fazer face às despesas ou que têm acumulado dívidas e, ainda, os que se autoposicionam à direita do espetro político são os que mais consideram que o combate à corrupção em Portugal é ineficaz.

As responsabilidades pela ineficácia do combate à corrupção repartem-se, por ordem decrescente, pelo poder político, sociedade civil e poder judicial. De acordo com o estudo, o fraco desempenho da Justiça não se deve à falta de meios, nem, necessariamente, a problemas sistémicos (24,5%) ou à falta de rigor do Ministério Público (MP) na fase de acusação (18,7%), mas, em primeiro lugar, à existência de megaprocessos demasiado complexos e intermináveis (71,9%) e, em segundo lugar, à existência de demasiadas possibilidades de recurso (43,4%).

Os cidadãos são os primeiros a corresponsabilizar-se pela ineficácia do combate à corrupção, acusando, depois, o governo. À pergunta “quem é o principal responsável pela ineficácia do combate à corrupção?”, mais de um quarto dos entrevistados afirma ser a sociedade como um todo (26,0%) e o governo (25,5%). Porém, agregando as respostas em três grandes grupos de atores, a repartição de responsabilidades é mais equilibrada, ainda que tendencialmente negativa para o primeiro grupo: poder político (40%), sociedade (31%) e poder judicial (25%).

Os que recorrem a fontes de informação informais (família, amigos, conhecidos, colegas) são os que têm visão menos negativa sobre o fenómeno da corrupção, seguidos dos que recorrem a fontes tradicionais (comunicação social). Os meios de comunicação tradicionais – a televisão (63,7%) e a imprensa escrita e online (55,2%) – continuam a ser, de longe, as fontes de informação mais importantes para a formulação de opiniões sobre a corrupção, mesmo para as faixas etárias mais jovens. Os que têm opinião mais negativa são os que recorrem a novas fontes de informação (redes sociais, podcasts e videocasts). Questionados sobre o nível de satisfação, em relação à forma como a comunicação social trata a corrupção, 41,9% diz-se satisfeito (muito satisfeito ou parcialmente satisfeito) e 35,9% insatisfeito (muito insatisfeito ou parcialmente insatisfeito), “apresentando preocupações com os efeitos perversos da luta pelas audiências e pela obtenção de lucro e do sensacionalismo na qualidade do tratamento mediático do tema.

“Sendo certo que a grande maioria dos entrevistados considera a corrupção um problema grave do país, este estudo demonstra que as pessoas não são todas iguais, recorrem ao espírito crítico e olham para a corrupção de maneira diferente”, disse ao Diário de Notícias Susana Coroado, uma das investigadoras responsáveis pelo estudo, para quem uma das principais conclusões é, de facto, esta: “A política tem um problema reputacional para resolver.”

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Também o “Programa Temático Demografia, Qualificações e Inclusão – Pessoas 2030”, ou “Pessoas 2030” (que apoia medidas de política pública a fim de enfrentar os desafios das qualificações da população, do emprego, da inclusão social e da questão demográfica), nos dá algumas indicações sobre o tema. Desde logo, os dados divulgados pelo Eurobarómetro em 2023 e em 2024 refletem a preocupação com o tema, mas a perceção nem sempre reflete a realidade objetiva. Uma coisa são as ocorrências de corrupção (realidade objetiva) e outra são as perceções ou impressões, que as pessoas têm sobre essa realidade, sendo pertinente diferenciar entre factos concretos e perceções influenciadas por fatores externos.

Também se conclui que os Portugueses são menos tolerantes do que a média dos Europeus no atinente a práticas corruptas. Apenas 18% dos Portugueses considerariam aceitável obter favor ou presente em troca de um serviço público, comparado com 28% dos Europeus. Este dado “talvez contribua para explicar o diferencial registado nas perceções da presença da corrupção em Portugal e nos outros países. Por outro lado, a perceção da corrupção pelos Portugueses pode ser mais induzida pela comunicação social do que pela realidade vivida pelas pessoas, já que a corrupção tem sido um tema central no discurso público e mediático.

No contexto da gestão de fundos europeus, como a feita pelo PESSOAS 2030, as perceções negativas em torno da corrupção podem influenciar a opinião pública, gerando desconfiança sobre a utilização dos fundos. Todavia, importa destacar que a gestão dos fundos europeus segue rigorosos critérios de transparência e integridade. Neste contexto, o “PESSOAS 2030” aplica rigorosas políticas antifraude, para que os recursos sejam administrados de maneira eficiente e ética, protegendo os interesses dos cidadãos e assegurando que todo o investimento contribua para o desenvolvimento sustentável e para a coesão social.

Enfim, a perceção da corrupção gera a desconfiança sobre tudo e sobre todos os a ela expostos.  

2024.09.16 – Louro de Carvalho

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