domingo, 29 de setembro de 2024

Muitos estados-membros da UE querem políticas migratórias restritivas

 

A imigração está, novamente, no centro do debate na Europa, após o ataque, em Solingen, na Alemanha, realizado por um refugiado sírio que seria transferido para a Bulgária. Além de prometer deportações rápidas para os que não têm direito a permanecer no país, o chanceler alemão Olaf Scholz afirmou que algo tem de mudar nas “políticas europeias de migração”.

A ministra austríaca dos Assuntos Europeus, Karoline Edtstadler é da mesma opinião, que deve ser reforçada com a ascensão vitoriosa da extrema-direita nas eleições de 29 de setembro. E outros governos também parecem insatisfeitos com o Pacto de Migração e Asilo (PMA), a reforma da política de migração aprovada em maio de 2024, após quase quatro anos de negociações, mas gizado durante quase uma década.

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Apesar de o acordo em torno do novo PMA ter sido alcançado, apenas há alguns meses, e de prever um endurecimento das regras, sobretudo a nível de controlo de fronteiras e de repatriamento, já vários países União Europeia (UE) defendem a sua revisão, para dificultar mais a entrada de migrantes. Neste verão, Berlim e Paris juntaram-se ao grupo de capitais que defendem abordagem mais securitária. Assim, há cada vez mais estados-membros da UE, incluindo a Alemanha e a França – pesos pesados –, que pretendem definir políticas migratórias de restrição, com muitos a reclamarem a revisão do PMA, recentemente acordado.

Se antes eram pequenos países com regimes mais autoritários, como a Hungria e a Eslováquia, a advogar uma política migratória com mão pesada – a que se juntou a Itália, desde a eleição, há cerca de dois anos, de um governo de direita e de extrema-direita liderado por Giorgia Meloni –, agora, vários os governos defendem um endurecimento das regras, no contexto de agravamento dos conflitos à escala global, de consequente aumento dos fluxos de refugiados e de subida dos partidos de extrema-direita que fazem do combate à imigração a sua grande bandeira.

A seguir, numa linha cada vez mais dura, vêm os Países Baixos e a Suécia. E há, cada vez mais, adeptos de acordos com países terceiros para externalizar os procedimentos de asilo, sendo apontado como exemplo o acordo estabelecido entre Itália e Albânia para a criação de dois centros de acolhimento em território albanês a gerir pelas autoridades italianas.

Berlim e Paris, até há pouco defensoras de políticas migratórias justas, humanistas e coordenadas, mudaram radicalmente o seu discurso, questionando as regras de Schengen, o espaço de livre circulação de pessoas, que agora consideram demasiado livre.

O governo alemão apresentou, recentemente, um pacote de medidas de “resposta clara aos problemas de segurança”, como sublinhou a ministra do Interior, Nancy Faeser. Ou seja, a decisão surge, assumidamente, em resposta ao ataque terrorista em Solingen, que fez três mortos e foi reivindicado pelo Estado Islâmico (EI), e à ascensão da extrema-direita no país. O plano do executivo liderado pelo socialista Olaf Scholz, que pretende aliviar a pressão interna, para travar a imigração ilegal, inclui medidas de segurança, restrições nos serviços aos requerentes de asilo e medidas para facilitar a expulsão de migrantes.

O estabelecimento de novos controlos nas fronteiras com a Bélgica, a Dinamarca, a França, os Países Baixos e o Luxemburgo, desde 16 de setembro, que se somam aos já existentes com a Polónia, a Chéquia, a Suíça e a Áustria, tem sido a mudança mais polémica. “Como governo federal, estamos a fazer o que é necessário e legalmente possível para garantir a segurança das pessoas na Alemanha. Estamos a alargar os instrumentos da nossa democracia orientada para a defesa, a fim de prevenir, resolver e sancionar as infrações penais”, apontou Nancy Faeser, garantindo que as autoridades passam a ter “mais facilidade em manter as armas longe das mãos de extremistas, de terroristas e de criminosos ou em retirá-las, melhorando também o intercâmbio de informações entre as agências envolvidas”.

Por exemplo, os requerentes de asilo, com algumas exceções, perderão a proteção do Estado, se saírem de férias para o país de origem; e deixarão de ter o reconhecimento do governo, se forem condenados por crimes graves, como antissemitismo, racismo, homofobia ou misoginia. Além disso, a iniciativa do governo acelera a expulsão de requerentes de asilo que se encontram na Alemanha e a sua entrada inicial foi registada noutro país da UE, de acordo com a Convenção de Dublin. “Quem recebe a nossa proteção não deve abusar dela, caso contrário terá de abandonar o nosso país”, declarou a ministra do Interior alemã.

Na mesma linha segue a França, sob o governo de direita, liderado por Michel Barnier, que assumiu a vontade de reabrir as negociações sobre o PMA e adotar posição mais rigorosa em matéria de migração, seguindo o exemplo dos vizinhos, a Alemanha e os Países Baixos. “Temos de rever as legislações da UE, que já não estão adaptadas. Estou a pensar, em primeiro lugar, na diretiva do regresso. É tempo de mudar as regras da UE”, defendeu Bruno Retailleau, o novo ministro do Interior de França.

Paris diz compreender a decisão de alguns países da UE de reintroduzirem controlos fronteiriços no espaço Schengen, tendo Michel Barnier observado que vários governos socialistas estão a ir nessa direção, dando como exemplo a Alemanha, a Dinamarca e ainda o Reino Unido. “Estamos a ver o que um chanceler socialista está a fazer [em matéria de controlos fronteiriços], o que um ministro socialista está a fazer na Dinamarca, o que um primeiro-ministro socialista está a fazer no Reino Unido, isto deveria ser um sinal de alerta para nós”, afirmou Michel Barnier.

O Reino Unido já não faz parte do bloco comunitário, mas é um ‘caso de estudo’, no atual contexto, pois, eleito em julho, o novo primeiro-ministro britânico, o líder trabalhista (esquerda) Keir Starmer, que rejeitou o plano do anterior governo conservador de expulsar migrantes para o Ruanda, assumiu-se, agora, como entusiasta do modelo italiano de Meloni. Depois de confrontado com os maiores motins no Reino Unido, desde 2011, que tiveram como alvo mesquitas e albergues de migrantes em todo o país, Keir Starmer admite, agora, replicar o modelo italiano, tendo-se deslocado a Roma, para perceber o que classificou como “progressos notáveis” de Itália no combate à imigração ilegal, afirmando concordar com “novas soluções” a serem aplicadas também no Reino Unido.

O primeiro-ministro britânico admitiu estar interessado nos acordos estabelecidos pelo governo de Meloni com as autoridades da Líbia e da Tunísia, para reduzir o número de partidas desde estes dois países do Magrebe, mas também foi abordado o polémico acordo estabelecido em novembro de 2023 entre Roma e Tirana com vista à criação de dois centros de migrantes na Albânia.

Entre os estados-membros da UE, já com políticas mais estritas, e além da Hungria de Viktor Orbán – desde há muito, crítica da política migratória europeia –, contam-se a Suécia, com o governo conservador apoiado pela extrema-direita, e os Países Baixos, com o governo dominado pela extrema-direita de Geert Wilders. E, na Suécia, que recebia um grande número de imigrantes desde a década de 1990, principalmente, de regiões assoladas por conflitos – incluindo a antiga Jugoslávia, a Síria, o Afeganistão, a Somália, o Irão e o Iraque –, a nova política de combate à imigração decretada pelo líder conservador Ulf Kristersson, que chegou ao poder em outubro de 2022, formando um bloco maioritário com o apoio do partido nacionalista Democratas Suecos, já está a “produzir frutos”, como o próprio governo anunciou recentemente.

Em agosto, Estocolmo anunciou que o número de pessoas que deixam a Suécia ultrapassará o número de imigrantes, em 2024, o que acontece, pela primeira vez, em mais de meio século. Além disso, os pedidos de asilo continuam a diminuir e atingiram o nível mais baixo, desde 1997.

Também na Dinamarca, outro país escandinavo, até há poucos anos, famoso pela sua política de acolhimento de migrantes, a política mudou, radicalmente, nos últimos anos, com o governo socialista a utilizar cada mais os termos “autossuficiência e retorno” em vez de “integração”, à medida que a opinião pública dinamarquesa se foi manifestando, cada vez mais, contra o grande número de migrantes no país e a extrema-direita poderia capitalizar esse descontentamento.

Nos Países Baixos, o governo, que chegou ao poder em julho, já anunciou o programa de ação para 2025, que inclui políticas mais rigorosas para reter ou expulsar os migrantes que não reúnam as condições necessárias para obter asilo, o que constitui uma reforma radical do sistema de asilo do país, prevendo a opção de “não participação” nas políticas de migração da UE.

É neste cenário de crescente número de estados-membros a advogar políticas migratórias mais restritivas – e com conflitos como a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente às portas da Europa – que arranca a nova legislatura da UE na sequência das eleições de junho, que ameaça ficar marcada pela nova resposta do bloco comunitário aos desafios em termos de migrações e asilo.

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Alguns países, como a Suécia ou a Lituânia, pediram exceções, por razões de segurança nacional, enquanto o governo neerlandês gostaria que as novas regras sobre o acolhimento e a redistribuição de migrantes não fossem aplicadas no seu território, estando a considerar pedir uma cláusula de autoexclusão. “Muitos governos da UE estão obcecados com a dimensão securitária da imigração. Vêem-na como ameaça à segurança e à identidade da UE”, sustenta Juan Fernando López Aguilar, eurodeputado membro Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas.

A nova Comissão Europeia terá de lidar com estas exigências: de acordo com Alberto-Horst Neidhardt, analista do Centro de Política Europeia, o grupo irá concentrar-se, sobretudo, na dimensão externa, começando pela política de regresso. Alguns estados-membros pretendem estabelecer regras que regulem o regresso dos requerentes de asilo rejeitados aos países de origem ou a outros países de trânsito. A própria presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, afirmou, de forma explícita, que pretende definir uma nova abordagem em matéria de regressos.

O Regulamento relativo aos procedimentos de asilo (APR), um dos textos fundamentais do PMA, prevê novo procedimento para os regressos nas fronteiras: as decisões de regresso seguir-se-ão, imediatamente, às respostas negativas aos pedidos de asilo, ao passo que, atualmente, existe um grande lapso de tempo entre as duas decisões, o que dificulta os regressos. Falta, porém, uma lista europeia de países terceiros seguros, ou seja, países para onde os migrantes podem ser reenviados sem risco para a sua segurança. Atualmente, cada país europeu tem a sua lista. “As novas regras permitem a criação de uma lista comum, mas não há consenso sobre quais os países terceiros que devem constar dessa lista”, afirma Alberto-Horst Neidhardt.

Outro aspeto das políticas de migração diz respeito aos acordos com os países do Norte de África, para impedir a partida de migrantes irregulares, em troca de apoio económico. A UE já assinou vários acordos (os mais recentes foram com a Mauritânia, a Tunísia e o Egito) e é provável que a nova Comissão siga a mesma linha. “É muito provável que, na próxima legislatura, se assista a um forte impulso no sentido da externalização de responsabilidades para países terceiros”, diz o especialista, que sustenta: “Dito isto, há dois lados da questão. É necessário cooperar com os países terceiros nestas questões e muito poucos deles estão dispostos a cooperar porque, a nível interno, estes acordos são vistos como divisivos e impopulares.”

Horst Neidhardt prevê investimentos económicos e diplomáticos nesta direção, mas os resultados não são um dado adquirido. “Esta política pode levar a uma redução das chegadas a curto prazo, mas não necessariamente a uma melhor gestão da migração a longo prazo”, considera.

Entretanto, é provável que se assista a novo endurecimento da retórica securitária sobre a imigração e a novos apelos a medidas para limitar as chegadas irregulares. São as exigências a que temos assistido nos últimos anos. O resultado pode ser que o eleitorado espera – a redução drástica das chegadas, o que é difícil de conseguir – e, depois, exige medidas ainda mais rigorosas.

Assim, na Europa, muitas propostas, outrora consideradas tabu, estão agora a ser consideradas (ou já adotadas) por alguns países, como a externalização dos pedidos de asilo para outro país ou muros para impedir as chegadas por terra. Entretanto, muitas fronteiras internas entre países europeus também continuam a ser controladas: atualmente, oito estados suspenderam as regras de livre circulação do espaço Schengen em algumas das suas fronteiras.

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Em Portugal, o governo decretou, antes das eleições europeias, normas restritivas à imigração, alegando que as vigentes foram produzidas de forma irrefletida. Porém, apercebendo-se da importância dos imigrantes na reposição da população (os óbitos aumentam e a natalidade decresceu drasticamente) e para o trabalho (com os subsequentes pagamentos de impostos e contribuições para a Segurança Social), tratou de resolver os 400 mil processos pendentes, para o que pensou em mobilizar 1200 advogados.  

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Enfim, as migrações, que são fenómeno natural, acarretam problemas para os países de acolhimento, mas, se bem geridas, podem constituir considerável mais-valia para esses países. Por outro lado, é preciso atender à vertente humanitária: quando são pessoas que, por força de conflitos ou de catástrofes naturais se veem privadas de tudo, não se lhes pode virar as costas.

2024.09.29 – Louro de Carvalho

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