terça-feira, 24 de setembro de 2024

ONU alerta para escalada da violência no Médio Oriente

 
Uma importante autoridade da Organização das Nações Unidas (ONU) disse, a 21 de setembro, ao Conselho de Segurança que, se houver mais episódios de violência entre Israel e os grupos do Hamas, na Faixa de Gaza, e do Hezbollah, no Líbano – ambos alinhados com o Irão –, pode surgir um conflito muito mais devastador.
“Corremos o risco de ver uma conflagração que pode ofuscar até mesmo a devastação e o sofrimento testemunhado até agora”, afirmou a chefe de Assuntos Políticos da ONU, Rosemary DiCarlo, aos 15 membros do Conselho de Segurança, que se encontraram para debater sobre os ataques contra o Hezbollah. “Não é tarde de mais para evitar tal loucura. Ainda há espaço para a diplomacia”, considerou, pedindo, urgentemente, “que os estados-membros com influência sobre as partes tomem atitudes agora”.
A guerra na Faixa de Gaza está preses a completar o seu primeiro ano, e Israel matou um comandante do Hezbollah e outros membros do movimento libanês num ataque aéreo em Beirute, a 21 de setembro, prometendo realizar nova campanha militar até obter segurança na área próxima da fronteira com o Líbano.
O bombardeamento ocorreu após dois dias de ataques nos quais pagers e walkie-talkies do Hezbollah explodiram, matando 37 pessoas e ferindo milhares. Acredita-se que as ações tenham sido realizadas por Israel, que não confirmou nem negou seu envolvimento.
“É imperativo que, até mesmo enquanto os factos surgem sobre os últimos incidentes – nos quais eu reitero, os Estados Unidos da América [EUA] não tiveram participação –, todas as partes evitem ações que possam lançar a região numa guerra devastadora”, afirmou ao Conselho de Segurança Robert Wood, da missão dos EUA na ONU.
O chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, disse ser “difícil de conceber” como os ataques contra os dispositivos de comunicação do Hezbollah “podem, possivelmente, estar em conformidade com os princípios-chave da distinção, da proporcionalidade e da precaução num ataque, sob a lei humanitária internacional”.
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De facto, é terrivelmente visível o rasto de destruição e de morte deixado por Israel no Líbano.
Israel diz ter atingido 1600 alvos do Hezbollah no Líbano. Segundo as autoridades libanesas, só no dia 23 de setembro, os ataques israelitas no Líbano, mataram, pelo menos, 558 pessoas, incluindo mais de 90 mulheres e 50 crianças. Porém, os números do Ministério da Saúde do Líbano são um pouco diferentes: os ataques mataram 492 pessoas, incluindo 35 crianças e 58 mulheres, e feriram 1835 pessoas, um número impressionante num só dia, num país que recuperava ainda das explosões de pagers e de walkie talkies da semana anterior. E milhares de Libaneses fugiram do Sul do país e a principal autoestrada que sai da cidade portuária de Sidon ficou repleta de carros em direção a Beirute, no maior êxodo desde 2006.
Foi a mais mortífera vaga de ataques, desde a guerra de 2006, entre Israel e o Hezbollah.
As forças armadas israelitas alertaram os residentes do Sul e do Leste do Líbano para a necessidade de abandonarem o local, antes de intensificarem a sua campanha aérea.
Em mensagem gravada, o primeiro-mistro israelita, Benjamin Netanyahu, exortou os civis libaneses a atenderem aos apelos israelitas para saírem do país: “Levem este aviso a sério”, frisou.
“Por favor, saiam do caminho do perigo, agora”, disse Netanyahu. “Quando a nossa operação estiver concluída, podem regressar em segurança às suas casas.”
O contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz militar de Israel, garantiu que o exército fará “o que for necessário” para afastar o Hezbollah da fronteira do Líbano com Israel. E considerou que os ataques aéreos generalizados do dia 23 tinham infligido pesados danos ao Hezbollah. Não quis falar dos pormenores da operação, mas salientou que Israel está preparado para lançar uma invasão terrestre do Líbano, se necessário. “Não estamos à procura de guerras. Estamos a tentar eliminar as ameaças. Faremos tudo o que for necessário para cumprir esta missão”, vincou.
Daniel Hagari disse que o Hezbollah lançou cerca de nove mil rockets e drones contra Israel desde outubro passado, incluindo 250 só no dia 23.
Segundo as forças israelitas, os aviões de guerra israelitas atingiram 1600 alvos do Hezbollah no dia 23, destruindo mísseis de cruzeiro, rockets de longo e curto alcance e drones de ataque. E Hagari precisou que muito do armamento estava escondido em áreas residenciais, mostrando fotografias do que disse serem armas escondidas em casas particulares. “O Hezbollah transformou o Sul do Líbano numa zona de guerra”, disse numa conferência de imprensa.
Israel estima que o Hezbollah tenha cerca de 150 mil rockets e mísseis, incluindo mísseis guiados e projéteis de longo alcance capazes de atingir qualquer ponto de Israel.
Ao início da noite do dia 23, as forças israelitas afirmaram ter efetuado um ataque dirigido a Beirute, sem especificar pormenores. A agência noticiosa nacional do Líbano informou que três mísseis atingiram o bairro de Beir al-Abed, no Sul de Beirute. A televisão Al-Manar, do Hezbollah, informou que seis pessoas ficaram feridas.
O Ministro da Saúde libanês, Firass Abiad, revelou que os ataques anteriores atingiram hospitais, centros médicos e ambulâncias. O governo de Beirute ordenou o encerramento de escolas e universidades, na maior parte do país, e começou a preparar abrigos para os desalojados. Alguns ataques atingiram áreas residenciais no sul e no leste do vale de Bekaa. Um deles atingiu uma área arborizada em Byblos, a mais de 130 quilómetros da fronteira a norte de Beirute.
Israel disse que estava a expandir os ataques aéreos para incluir áreas do vale ao longo da fronteira oriental do Líbano com a Síria. O Hezbollah tem uma presença estabelecida, há muito tempo, no vale, onde o grupo foi fundado, em 1982, com a ajuda da Guarda Revolucionária do Irão, na sequência da invasão e ocupação do Líbano por Israel.
O chefe militar de Israel, tenente-general Herzi Halevi, disse que Israel estava a preparar as suas “próximas fases” de operações contra o Hezbollah e que os seus ataques aéreos eram “proativos”, visando as infraestruturas do Hezbollah construídas nos últimos 20 anos. E sustentou que o objetivo era permitir que os Israelitas deslocados regressassem às suas casas no Norte de Israel.
Entretanto, o Hezbollah afirmou ter disparado dezenas de rockets contra Israel, incluindo contra bases militares. O Hezbollah também atacou, pelo segundo dia, as instalações da empresa de defesa Rafael, com sede em Haifa.
A porta-voz do presidente dos EUA, Joe Biden sublinhou que a Casa Branca está preocupada com o que está a acontecer entre Israel e o Hezbollah, no Líbano, e insistiu que é fundamental conseguir um acordo de cessar-fogo entre Israel e Gaza para aliviar as tensões na região.
“É do interesse de todos resolver o problema de forma rápida e diplomática”, disse Karine Jean-Pierre aos jornalistas que viajaram com Joe Biden para Nova Iorque, onde o presidente norte-americano fez o seu último discurso na Assembleia Geral da ONU, no dia 24.
Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA, que falou aos jornalistas, sob condição de anonimato, para discutir os esforços diplomáticos, disse que os EUA e vários outros países estavam interessados em apresentar uma saída tanto para Israel como para o Hezbollah, para reduzir as tensões e evitar uma guerra total. Os EUA têm “ideias concretas” para restabelecer a calma, que apresentaram aos seus aliados e parceiros na Assembleia Geral da ONU em curso naquela semana, disse a mesma fonte, que não quis detalhar as “ideias concretas”, porque ainda não tinham sido apresentadas aos aliados e parceiros, para o que descreveu como um “teste de stresse”, quanto à sua probabilidade de sucesso.
Entretanto, as forças de manutenção da paz da ONU no Sul do Líbano, perto da fronteira israelita, pararam as patrulhas e têm permanecido nas bases, “dado o volume da troca de fogo”, disse um porta-voz da ONU. Stéphane Dujarric disse aos jornalistas que o secretário-geral da ONU, António Guterres, estava alarmado com a escalada da violência e com o elevado número de vítimas civis registadas no Líbano. Com efeito, no dia 23, o número global de mortos ultrapassou em muito o da explosão no porto de Beirute em 2020, que matou, pelo menos, 218 pessoas e feriu mais de seis mil.
O Ministério da Saúde libanês pediu aos hospitais do Sul do Líbano e do Vale de Bekaa que adiassem as cirurgias não urgentes, para tratarem as pessoas feridas pela “agressão crescente de Israel ao Líbano”.
No dia 23, os residentes receberam mensagens de texto com a frase: “Se estiver num edifício onde se encontram armas para o Hezbollah, afaste-se da aldeia até nova ordem”, noticiaram os meios de comunicação libaneses. E o Ministro da Informação libanês disse que o seu gabinete em Beirute recebera uma mensagem gravada a pedir às pessoas para abandonarem o edifício. “Isto surge no âmbito da guerra psicológica implementada pelo inimigo”, disse Ziad Makary, instando as pessoas “a não darem ao assunto mais atenção do que merece”.
Israel acusou o Hezbollah de transformar comunidades inteiras no Sul do país em bases de militantes, com lançadores de rockets escondidos e outras infraestruturas. Isto pode levar os militares israelitas a empreenderem uma campanha de bombardeamento especialmente pesada, mesmo que não desloquem forças terrestres. Aliás, isso não é novidade, já que, por exemplo, no dia 21, o ataque aéreo israelita a um subúrbio de Beirute matou um comandante militar do Hezbollah, mais de uma dúzia de combatentes e dezenas de civis, incluindo mulheres e crianças.
Também nessa mesma semana, milhares de dispositivos de comunicação, utilizados, principalmente, por membros do Hezbollah, explodiram em diferentes partes do Líbano, matando 39 pessoas e ferindo cerca de três mil, muitas das quais civis. O Líbano culpou Israel, mas Telavive não confirmou nem negou a responsabilidade.
O Hezbollah começou a disparar contra Israel um dia após o ataque de 7 de outubro, numa tentativa de imobilizar as forças israelitas, para ajudar os combatentes palestinianos em Gaza. Israel retaliou com ataques aéreos e o conflito tem-se intensificado.
O Hezbollah diz continuar a atacar, até que se chegue a um cessar-fogo em Gaza, que parece cada vez mais difícil de alcançar, com a guerra a aproximar-se do primeiro aniversário.
Militantes liderados pelo Hamas invadiram o Sul de Israel a 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1200 pessoas, na sua maioria civis, e raptando cerca de 250. Cerca de 100 reféns continuam detidos em Gaza, um terço dos quais se acredita estarem mortos, depois de a maioria dos restantes ter sido libertada, durante um cessar-fogo de uma semana em novembro do ano passado.
A ofensiva israelita matou mais de 41 mil Palestinianos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, que não distingue entre civis e combatentes. De acordo com a mesma fonte, as mulheres e as crianças representam cerca de metade dos mortos. Israel afirma que matou mais de 17 mil militantes, mas não forneceu provas.
Paralelamente, na noite de 21 para 22 de setembro, tropas israelitas invadiram o escritório da rede de TV Al Jazeera (que cobria todos os passos da guerra) na Cisjordânia, ocupada por Israel, e ordenaram o fechamento da emissora no país. A estação televisiva, financiada pelo Qatar, exibiu imagens ao vivo das tropas israelitas a invadir o escritório da emissora, em Ramallah, e a entregar a ordem militar de fechamento do escritório, por 45 dias, antes de a transmissão ser interrompida.
É a terceira vez que tal acontece na sequência da aprovação, em Abril, pelo Parlamento israelita, de uma lei que permite o encerramento de emissoras estrangeiras que operem no país.
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É a guerra em que vale tudo: abater alvos militares, matar civis, obrigar a deslocações, fazer a guerra da contrainformação, bloquear populações, silenciar media adversos… enfim, mostrar poder bélico e logístico.

2024.09.24 – Louro de Carvalho

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