segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Fuga de reclusos perigosos cria alarme e revela deficiências do sistema

 

No dia 7 de setembro, pelas 9h56, teve início a fuga de cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus, em Alcoentre (no município de Azambuja, do distrito de Lisboa), um dos estabelecimentos prisionais mais seguros de Portugal. Os reclusos evadiram-se com uma escada e com uma corda. Fugiram em plena luz do dia, durante o horário de visitas.

Segundo as autoridades, a fuga foi planeada “ao mais ínfimo detalhe”, durante meses, e contou com ajuda de elementos no exterior. As primeiras informações dão conta de que os cinco homens, cuja fuga foi captada por câmaras de vigilância que foram divulgadas pela imprensa, terão tido ajuda de três homens e que terão fugido num automóvel que estava nas imediações da prisão.

Como explicou Rui Abrunhosa Gonçalves, diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em conferência de imprensa do Sistema de Segurança Interna (SSI), no dia 8, a fuga foi oficialmente comunicada aos órgãos de polícia criminal cerca de 40 minutos depois do acontecimento, por ter sido então que os serviços prisionais se inteiraram da ocorrência.

Porém, há discrepância, face às primeiras informações, em que era dito que a fuga só tinha sido detetada três horas depois, pelo meio-dia, durante a chamada dos reclusos para o almoço. Os serviços prisionais deram conta da falta dos reclusos, que deveriam ter regressado às celas, neste caso celas individuais. “Saíram das celas para o pátio e, depois, com uma escada que estaria escondida no exterior, escalaram o muro de seis metros de altura e escaparam”, contou um elemento do Corpo da Guarda Prisional.

Há dois tipos de conhecimento a apurar: a fuga (e os reclusos) e a operação de caça aos homens.

No atinente à fuga, as autoridades de segurança sustentam que foi muito bem planeada, durante meses, que os reclusos tiveram ajuda no exterior e que há alguns detalhes que podem ter criado a situação perfeita: a fuga aconteceu durante a hora das visitas, quando os guardas prisionais estão mais dispersos noutras tarefas; e sucedeu no dia 7, quando há menos efetivos de serviço. De acordo com os serviços, estariam 33 guardas prisionais a trabalhar, número dentro do indicado, garantiu o diretor-geral de Reinserção e Serviços prisionais, o que é contestável.

Sobre os reclusos, foi, quase de imediato, revelada a identidade dos cinco homens, considerados perigosos e violentos. Entretanto, na conferência de imprensa do SSI, Manuel Vieira, secretário-geral adjunto do SSI, recusou dar dados novos. Já Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), considerou que esta é uma “investigação muito complexa” e que as autoridades estão a tentar perceber como e quem está por detrás desta fuga, não querendo dar mais detalhes sobre a operação, para não comprometer a investigação e a captura dos reclusos. Não obstante, a PJ supõe que os homens devem andar separados e que tudo farão para se manterem em liberdade.

Para lá das buscas com vista à captura dos fugitivos, cuja perigosidade é enfatizada, estão em curso investigações internas para apurar os acontecimentos dentro da prisão, com buscas em celas, com investigação sobre visitas e com interrogatórios para obterem alguma pista que leve a seguir o rasto dos foragidos. Além disso, admitindo que houve falhas na prisão, o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais explicou que está em curso uma investigação interna, através do serviço de auditoria e inspeção, às circunstâncias, dentro do estabelecimento prisional, que levaram a este desfecho. “Algo falhou, pois, senão as pessoas não tinham fugido como fugiram”, afirmou Rui Abrunhosa Gonçalves.

Por sua vez, a PJ quer perceber de que forma e quem é que está por trás desta fuga, que foi organizada a partir de fora. Luís Neves sustenta que se trata de uma “operação complexa, crime organizado com capacidade financeira” e que, nas 20 horas de investigação, “detetamos que todos os pormenores foram pensados ao mais ínfimo detalhe”. São “gente muito bem preparada”, disse.

Também o tenente-coronel João Fonseca refere que Guarda Nacional Republicana (GNR) foi contactada, através da subunidade local, para se dirigir ao local, quando o alerta foi reportado. Foram deslocadas para lá equipas de patrulhamento e equipas de investigação criminal, “desenvolvendo, desde logo, ainda sem saber a informação na sua totalidade, [a] batida ao espaço mais próximo do estabelecimento e o patrulhamento à área intermédia com eventuais itinerários de fuga que pudessem ser utilizados”.

Na referida conferência de imprensa, Manuel Vieira explicou que o SSI, que agrega as forças e serviços de segurança nacionais, como a GNR e a Polícia de Segurança Pública (PSP), está em pleno funcionamento. “Estamos bastante confortáveis com aquilo que é a circulação da informação, quer a nível nacional, quer a nível internacional”, declarou.

Além das autoridades prisionais e da PJ, também a PSP e a GNR foram ativadas. “Do lado da PSP [tentaremos] garantir que tudo foi feito e que tudo está a ser feito. Fizemos várias comunicações ao longo da tarde para o alerta da perigosidade”, garantiu o representante da PSP.

A GNR destacou a prontidão das unidades mobilizadas. “Temos todo o dispositivo em alerta para esta realidade. [...] Desde a estrutura territorial, como a unidade de controlo costeira e de fronteiras”, assegurou João Fonseca. “A palavra-chave é a colaboração e a cooperação”, vincou.

As autoridades referiram a ativação do Sistema de informação Schengen, da Interpol e da Europol.

Durante a ronda de perguntas dos jornalistas, o secretário-geral adjunto do SSI descartou o encerramento de fronteiras. “O encerramento de fronteiras para uma situação confinada não é proporcional nem adequado”, justificou. Se não estão fechadas, há, no entanto, postos de controlo. O tenente-coronel da GNR disse que foram colocados diversos controlos na zona da fronteira e, “de imediato”, foi informada a Guardia Civil, para o caso de os fugitivos tomarem a via terrestre.

Já Luís Neves da PJ saudou a “coesão total e de partilha” na reunião entre as autoridades, mesmo em sede de cooperação internacional.

Sobre a atitude a tomar pelas populações, as autoridades de segurança são perentórias e afirmam que se trata de “gente muito perigosa” e extremamente “violenta”, que “tudo” fará para se manter em liberdade, disse Luís Neves. E o diretor nacional da PJ alertou para o facto de estes homens terem cadastros com crimes com violência e o referido “tudo” pode mesmo ser uma ameaça “à vida humana”. Assim, as autoridades pedem à população para contactar as autoridades, caso se aviste algum dos reclusos e para não interagir com os reclusos.

Luís Neves explica que apenas ao cidadão georgiano Shergili Farjiani não é reconhecido um elevado grau de violência. “Todos os outros, designadamente o cidadão britânico, Mark Cameron Roscaleer, [...] preso por nós no Algarve, pelos crimes de rapto e de roubo com arma de fogo” são considerados altamente perigosos, explicou o diretor nacional da PJ.

Assim, qualquer avistamento ou informação deve ser comunicada às autoridades através do 112.

Analisando os cartões dos reclusos, é possível verificar que aquele recluso foi transferido de Monsanto, em 2020, condenado pelos crimes de roubo e sequestro. Também Rudolf Lohrman, argentino, foi transferido de Monsanto para Vale de Judeus, mas este ano. Nos crimes, este homem tem associação criminosa e furto. Condenado a 18 anos e 10 meses de cadeia, era um dos reclusos com escolta dentro de Alcoentre. Também o recluso Fábio “cigano” passou por Monsanto, onde fez uma greve de fome, a protestar contra as condições da prisão. Nessa greve de fome esteve também o argentino, conhecido no meio como “El Ruso”.

Este tem sido um dos temas que tem sido falado, uma vez que estes homens foram colocados em Vale de Judeus no mesmo bloco e depois de um deles já ter tentado fugir de Monsanto (El Ruso). Na conferência de imprensa, o diretor-geral de Reinserção Social e Serviços prisionais referiu que a transferência de um dos reclusos de Monsanto para Vale de Judeus tinha sido por decisão do tribunal de execução de penas (TEP) e contra a indicação técnica dos serviços: “Se estivesse em Monsanto não teria fugido”.

As autoridades de segurança não garantem resultados rápidos na captura dos reclusos. “A ideia de resultados rápidos é falaciosa”, considerou o secretário-geral adjunto do SSI. Aliás, as autoridades irão reduzir ao máximo as informações prestadas sobre o assunto, com o argumento de que qualquer informação poderia comprometer as operações.

Entretanto, dos cinco foragidos, já foi capturado um em Portimão.

A questão óbvia que se levanta nestas ocasiões é a da famigerada falta de meios.

“É muito fácil, quando acontece uma coisa destas, atirar com o pano ao chão e dizer que a pessoa se vai embora. Eu não sou desses”, afirmou o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, questionado sobre as falhas de segurança registadas, aquando da evasão dos cinco reclusos, e sobre a continuidade no cargo. “A segurança funciona bem e os senhores guardas prisionais fazem bem o seu trabalho”, elogiou Rui Abrunhosa Gonçalves, ao ser interpelado acerca do possível efeito de contágio para outros estabelecimentos prisionais, e informou que serão necessários 225 novos guardas prisionais, cujo processo de seleção demora de um ano a um ano e meio.

No dia da fuga, estavam 33 guardas naquela na prisão o que, segundo alguns (nomeadamente o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais), é suficiente. Porém, o sindicato dos guardas prisionais diz que não e avisa que faltam 1500 guardas prisionais, em Portugal, para se lidar razoavelmente com cerca de 13 mil reclusos.

***

A fuga de reclusos das nossas cadeias está longe de ser inédita, mas esta, pela escala e pelo nível de perigosidade, é excecional. Quatro reclusos, considerados perigosos, dois deles com escolta prisional e condenados à pena de prisão máxima em Portugal, 25 anos, continuam a monte.

O Presidente da República, ao invés do SSI, pretende que não se crie alarme social e que se deixe as autoridades prosseguirem as buscas. Ora o alarme está criado, importando que a população seja ajudada a geri-lo da melhor forma. E é óbvio que a população não está interessada em contactar com os foragidos e, muito menos, em protegê-los.

Não obstante, há várias críticas a fazer: é impensável que, numa prisão, para mais de alta segurança, haja câmaras de vigilância desligadas; é abusivo que o TEP (os tribunais podem tudo) tenha ordenado a transferência de reclusos de Monsanto para Alcoentre, contra o parecer técnico dos serviços; não á admissível que número de funcionários das prisões seja exíguo e que o seu provimento demore entre um ano a um ano e meio; é de questionar as anteriores ministras da Justiça sobre a atenção (ou a falta dela) à situação das prisões; e, por fim, é de estranhar que o governo, em vez de se socorrer a voz da ministra da Justiça ou, mesmo, do primeiro-ministro, haja feito voto de silêncio, quanto ao sucedido, pois a questão de segurança é, além de técnica, eminentemente política e cabe ao poder político dotar as prisões de meios suficientes para conseguir eficiência e segurança da cadeia e das populações.

É estranho que as autoridades saibam o pormenor das circunstâncias da evasão, nomeadamente, a duração, o recurso a uma escada, a uma corda e a lençóis, a colaboração do exterior, e não se interroguem donde veio a escada, como chegou à prisão, se alguém a viu, se houve colaboração do interior ou se houve outras motivações, além da busca de liberdade.

Depois, há que dissipar as discrepâncias de informação sobre quando ocorreu a evasão e sobre o momento do alerta

Uma situação excecional merece todo o tipo de reflexão adequada e as convenientes explicações à população, que precisa de confiar nos governantes e nos serviços.  

2024.09.09 – Louro de Carvalho

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