No dia 7 de
setembro, pelas 9h56, teve início a fuga de
cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus, em Alcoentre (no
município de Azambuja, do distrito de Lisboa), um dos estabelecimentos
prisionais mais seguros de Portugal. Os reclusos evadiram-se com uma escada e com
uma corda. Fugiram em plena luz do dia, durante o horário de visitas.
Segundo as autoridades, a fuga foi planeada “ao mais
ínfimo detalhe”, durante meses, e contou com ajuda de elementos no exterior. As
primeiras informações dão conta de que os cinco homens, cuja fuga foi captada
por câmaras de vigilância que foram divulgadas pela imprensa, terão tido ajuda
de três homens e que terão fugido num automóvel que estava nas imediações da
prisão.
Como explicou Rui Abrunhosa Gonçalves, diretor-geral
de Reinserção e Serviços Prisionais, em conferência de imprensa do Sistema de
Segurança Interna (SSI), no dia 8, a fuga foi oficialmente comunicada aos
órgãos de polícia criminal cerca
de 40 minutos depois do acontecimento, por ter sido então que os
serviços prisionais se inteiraram da ocorrência.
Porém, há discrepância, face às primeiras informações,
em que era dito que a fuga só tinha sido detetada três horas depois, pelo meio-dia, durante a chamada dos reclusos
para o almoço. Os serviços prisionais deram conta da falta dos
reclusos, que deveriam ter regressado às celas, neste caso celas individuais. “Saíram das celas para o pátio e, depois,
com uma escada que estaria escondida no exterior, escalaram o muro de seis
metros de altura e escaparam”, contou um elemento do Corpo da Guarda
Prisional.
Há dois tipos de conhecimento a apurar: a fuga (e os
reclusos) e a operação de caça aos homens.
No atinente à fuga, as autoridades de segurança
sustentam que foi muito bem planeada, durante meses, que os reclusos tiveram
ajuda no exterior e que há alguns detalhes que podem ter criado a situação
perfeita: a fuga aconteceu durante a hora das visitas, quando os guardas
prisionais estão mais dispersos noutras tarefas; e sucedeu no dia 7, quando há
menos efetivos de serviço. De acordo com os serviços, estariam 33 guardas
prisionais a trabalhar, número dentro do indicado, garantiu o diretor-geral de
Reinserção e Serviços prisionais, o que é contestável.
Sobre os reclusos, foi, quase de imediato, revelada a
identidade dos cinco homens, considerados perigosos e violentos. Entretanto,
na conferência de imprensa do SSI, Manuel Vieira, secretário-geral adjunto do
SSI, recusou dar dados novos. Já Luís Neves, diretor nacional da Polícia
Judiciária (PJ), considerou que esta é uma “investigação
muito complexa” e que as autoridades estão a tentar perceber como e
quem está por detrás desta fuga, não querendo dar mais detalhes sobre a
operação, para não comprometer a investigação e a captura dos reclusos. Não
obstante, a PJ supõe que os homens devem andar separados e que tudo farão para
se manterem em liberdade.
Para lá das buscas com vista à captura dos fugitivos, cuja
perigosidade é enfatizada, estão em curso investigações
internas para apurar os acontecimentos dentro da prisão, com
buscas em celas, com investigação sobre visitas e com interrogatórios para
obterem alguma pista que leve a seguir o rasto dos foragidos. Além disso,
admitindo que houve falhas na prisão, o diretor-geral de Reinserção e Serviços
Prisionais explicou que está em curso uma investigação
interna, através do serviço de auditoria e inspeção, às
circunstâncias, dentro do estabelecimento prisional, que levaram a este
desfecho. “Algo falhou, pois, senão as pessoas não
tinham fugido como fugiram”, afirmou Rui Abrunhosa Gonçalves.
Por sua vez, a PJ quer perceber de que forma e quem é
que está por trás desta fuga, que foi organizada a partir de fora. Luís Neves
sustenta que se trata de uma “operação complexa, crime organizado com
capacidade financeira” e que, nas 20 horas de investigação, “detetamos que
todos os pormenores foram pensados ao mais ínfimo detalhe”. São “gente muito
bem preparada”, disse.
Também o tenente-coronel João Fonseca refere que
Guarda Nacional Republicana (GNR) foi contactada, através da subunidade local,
para se dirigir ao local, quando o alerta foi reportado. Foram deslocadas para
lá equipas de patrulhamento e equipas de investigação criminal, “desenvolvendo,
desde logo, ainda sem saber a informação na sua totalidade, [a] batida ao
espaço mais próximo do estabelecimento e o patrulhamento à área intermédia com
eventuais itinerários de fuga que pudessem ser utilizados”.
Na referida conferência de imprensa, Manuel Vieira
explicou que o SSI, que agrega as forças e serviços de segurança nacionais, como
a GNR e a Polícia de Segurança Pública (PSP), está em pleno funcionamento. “Estamos
bastante confortáveis com aquilo que é a circulação
da informação, quer a nível nacional, quer a nível internacional”,
declarou.
Além das autoridades prisionais e da PJ, também a PSP
e a GNR foram ativadas. “Do lado da PSP [tentaremos] garantir que tudo foi
feito e que tudo está a ser feito. Fizemos várias comunicações ao longo da tarde
para o alerta da perigosidade”, garantiu o representante da PSP.
A GNR destacou a prontidão das unidades mobilizadas. “Temos
todo o dispositivo em alerta para esta realidade. [...] Desde a estrutura
territorial, como a unidade de controlo costeira e de fronteiras”, assegurou
João Fonseca. “A palavra-chave é a colaboração e a cooperação”, vincou.
As autoridades referiram a
ativação do Sistema de
informação Schengen, da Interpol e da Europol.
Durante a ronda de perguntas dos jornalistas, o
secretário-geral adjunto do SSI descartou o encerramento de fronteiras. “O encerramento de fronteiras para uma
situação confinada não é proporcional nem adequado”, justificou. Se não
estão fechadas, há, no entanto, postos de controlo. O tenente-coronel da GNR
disse que foram colocados diversos controlos na zona da fronteira e, “de
imediato”, foi informada a Guardia Civil, para o caso de os fugitivos tomarem a
via terrestre.
Já Luís Neves da PJ saudou a “coesão total e de
partilha” na reunião entre as autoridades, mesmo em sede de cooperação
internacional.
Sobre a atitude a tomar pelas populações, as
autoridades de segurança são perentórias e afirmam que se trata de “gente muito perigosa” e
extremamente “violenta”, que “tudo”
fará para se manter em liberdade, disse Luís Neves. E o diretor nacional
da PJ alertou para o facto de estes homens terem cadastros com crimes com
violência e o referido “tudo” pode mesmo ser uma ameaça “à vida humana”.
Assim, as autoridades pedem
à população para contactar as autoridades, caso se aviste algum dos
reclusos e para não interagir com os reclusos.
Luís Neves explica que apenas ao cidadão georgiano
Shergili Farjiani não é reconhecido um elevado grau de violência. “Todos os
outros, designadamente o cidadão britânico, Mark Cameron Roscaleer, [...] preso
por nós no Algarve, pelos crimes de rapto e de roubo com arma de fogo” são considerados altamente perigosos,
explicou o diretor nacional da PJ.
Assim, qualquer avistamento ou informação deve ser
comunicada às autoridades através do 112.
Analisando os cartões dos reclusos, é possível
verificar que aquele recluso foi transferido de Monsanto, em 2020, condenado
pelos crimes de roubo e sequestro. Também Rudolf Lohrman, argentino, foi
transferido de Monsanto para Vale de Judeus, mas este ano. Nos crimes, este
homem tem associação criminosa e furto. Condenado a 18 anos e 10 meses de
cadeia, era um dos reclusos com escolta dentro de Alcoentre. Também o recluso
Fábio “cigano” passou por Monsanto, onde fez uma greve de fome, a protestar
contra as condições da prisão. Nessa greve de fome esteve também o argentino,
conhecido no meio como “El Ruso”.
Este tem sido um dos temas que tem sido falado, uma
vez que estes homens foram colocados em Vale de Judeus no mesmo bloco e depois
de um deles já ter tentado fugir de Monsanto (El Ruso). Na conferência de
imprensa, o diretor-geral de Reinserção Social e Serviços prisionais referiu
que a transferência de um dos reclusos de Monsanto para Vale de Judeus tinha
sido por decisão do tribunal de execução de penas (TEP) e contra a indicação
técnica dos serviços: “Se estivesse em Monsanto não teria fugido”.
As autoridades de segurança não garantem resultados
rápidos na captura dos reclusos. “A
ideia de resultados rápidos é falaciosa”, considerou o secretário-geral
adjunto do SSI. Aliás, as autoridades irão reduzir ao máximo as informações
prestadas sobre o assunto, com o argumento de que qualquer informação poderia
comprometer as operações.
Entretanto, dos cinco foragidos, já foi capturado um
em Portimão.
A questão óbvia que se levanta nestas ocasiões é a da
famigerada falta de meios.
“É muito fácil, quando acontece uma coisa destas,
atirar com o pano ao chão e dizer que a pessoa se vai embora. Eu não sou desses”,
afirmou o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, questionado sobre
as falhas de segurança registadas, aquando da evasão dos cinco reclusos, e
sobre a continuidade no cargo. “A
segurança funciona bem e os senhores guardas prisionais fazem bem o seu trabalho”,
elogiou Rui Abrunhosa Gonçalves, ao ser interpelado acerca do possível efeito
de contágio para outros estabelecimentos prisionais, e informou que serão
necessários 225 novos guardas prisionais, cujo processo de seleção demora de um
ano a um ano e meio.
No
dia da fuga, estavam 33 guardas naquela na prisão o que, segundo alguns (nomeadamente
o diretor-geral de Reinserção e
Serviços Prisionais), é suficiente. Porém, o sindicato dos guardas
prisionais diz que não e avisa que faltam 1500 guardas prisionais, em Portugal,
para se lidar razoavelmente com cerca de 13 mil reclusos.
***
A fuga de reclusos das nossas cadeias está longe de
ser inédita, mas esta, pela escala e pelo nível de perigosidade, é excecional.
Quatro reclusos, considerados perigosos, dois deles com escolta prisional e
condenados à pena de prisão máxima em Portugal, 25 anos, continuam a monte.
O Presidente da República, ao invés do SSI, pretende
que não se crie alarme social e que se deixe as autoridades prosseguirem as
buscas. Ora o alarme está criado, importando que a população seja ajudada a
geri-lo da melhor forma. E é óbvio que a população não está interessada em contactar
com os foragidos e, muito menos, em protegê-los.
Não obstante, há várias críticas a fazer: é impensável
que, numa prisão, para mais de alta segurança, haja câmaras de vigilância
desligadas; é abusivo que o TEP (os tribunais podem tudo) tenha ordenado a transferência
de reclusos de Monsanto para Alcoentre, contra o parecer técnico dos serviços;
não á admissível que número de funcionários das prisões seja exíguo e que o seu
provimento demore entre um ano a um ano e meio; é de questionar as anteriores ministras
da Justiça sobre a atenção (ou a falta dela) à situação das prisões; e, por
fim, é de estranhar que o governo, em vez de se socorrer a voz da ministra da
Justiça ou, mesmo, do primeiro-ministro, haja feito voto de silêncio, quanto ao
sucedido, pois a questão de segurança é, além de técnica, eminentemente
política e cabe ao poder político dotar as prisões de meios suficientes para
conseguir eficiência e segurança da cadeia e das populações.
É estranho que as autoridades saibam o pormenor das circunstâncias
da evasão, nomeadamente, a duração, o recurso a uma escada, a uma corda e a
lençóis, a colaboração do exterior, e não se interroguem donde veio a escada,
como chegou à prisão, se alguém a viu, se houve colaboração do interior ou se
houve outras motivações, além da busca de liberdade.
Depois, há que dissipar as discrepâncias de informação
sobre quando ocorreu a evasão e sobre o momento do alerta
Uma situação excecional merece todo o tipo de reflexão
adequada e as convenientes explicações à população, que precisa de confiar nos governantes
e nos serviços.
2024.09.09 –
Louro de Carvalho
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