Os mais recentes incêndios em Portugal devastaram mais de 122 mil
hectares. Cerca de 83% desta área ardida situa-se no Norte e Centro do país. E,
juntamente com a área ardida, estes incêndios que lavraram em Portugal causaram,
pelo menos sete mortos e 182
feridos, pelo que o governo decretou um dia de luto nacional, para 20 de
setembro, em homenagem às vítimas.
A par das
vítimas humanas, registaram-se mortes de animais nas unidades de produção familiares
e nas agroindustriais, bem como destruição de culturas e de algumas estruturas
de lazer e deterioração de infraestruturas habitacionais, oficinais e viárias.
Segundo o Instituto
da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), estima-se que a área ardida
em espaços rurais seja de 122 380 hectares. Desta estimativa, 60% são
povoamentos florestais, 29% matos e 11% agricultura.
Portugal é
um dos países europeus mais afetados pelos incêndios florestais extremos,
nos últimos anos, devido às alterações climáticas.
Os
especialistas sustentam que a recente catástrofe foi causada pela combinação de
ventos fortes, alterações climáticas que trouxeram temperaturas mais elevadas
do que o habitual para o final do verão – superiores a 30º Celsius (30ºC) – e
humidade muito baixa. Todavia, advertem que a falta de biodiversidade na
floresta e o crescente despovoamento destas áreas são os maiores fatores dos
incêndios florestais extremos. “Nós estamos a caminhar para uma situação muito
preocupante, em termos de alterações climáticas, em que estas condições muito
críticas que temos tido vão acontecer cada vez mais”, afirma Maria Conceição
Caldeira, investigadora e coordenadora do ForEco, vincando: “Precisamos,
efetivamente, de ter uma paisagem muito adaptada.”
Francisco
Guerreiro, antigo eurodeputado português dos Verdes, é um dos políticos que
mais tem apelado a maior biodiversidade nas florestas do país: “O que falta,
nas florestas portuguesas, é biodiversidade e gestão responsável de longo
prazo. Precisamos de mais e de melhor floresta.”
A área
florestal portuguesa é composta por 26% de eucalipto, 23% de pinheiro bravo e
23% de sobreiro e 11% de azinheira, segundo o ICNF. E os investigadores não
consideram que estas quatro espécies de árvores sejam suficientemente variadas
para evitar a rápida propagação dos incêndios. “Não há espécies bombeiras”, diz
Conceição Caldeira, “não há uma espécie que permita que haja um fogo mais de
intenso ou não”.
Não obstante,
uma combinação de espécies ao longo da paisagem ajudará o país a evitar
incêndios intensos, porque algumas crescem mais do que outras e podem responder
de forma diferente aos incêndios.
Com as
consequências dos incêndios mortais de Pedrógão Grande, em junho de 2017,
e das regiões de Viseu e de Coimbra, em outro do mesmo ano, ainda presentes na
memória coletiva , o reordenamento da floresta e a gestão florestal
voltaram a ser alvo de escrutínio. Muitos habitantes locais têm apontado o dedo
ao uso abusivo do eucalipto nas florestas portuguesas. Os grupos climáticos
Climáximo e Emergência Florestal organizam manifestações, em Portugal, para 22
de setembro em protesto contra a aparente inação na prevenção dos incêndios florestais.
Dizem eles na rede social Instagram:
“O fogo que mata bombeiros e trabalhadores nos campos, que
destrói casas e infraestrutura
essencial para as comunidades é acompanhado pelo
fumo que intoxica e não nos deixa respirar
em nenhuma parte do país. Sofremos sob o peso da
destruição do mundo rural, do abandono, da eucaliptização, das espécies invasoras, dos cortes dos serviços de
proteção e vigilância.
“Estes fogos são consequência direta de uma floresta
abandonada, eucaliptizada e saqueada por indústrias destruidoras. Em cima
disso, o clima cada vez mais quente e errático promove a
aceleração do deserto. As celuloses e os governos
não têm qualquer plano alternativo a isto e, por isso, sete anos depois de
2017, o país volta a ser devastado por incêndios catastróficos.
“Hoje estamos pior do que estávamos em 2017 e há
culpados por essa situação: muito além dos
criminosos incendiários, as celuloses e os
governos que se recusaram a mudar o que quer que seja. Isto não pode acontecer
de novo.
“Mais do que nunca, temos de acordar e agir enquanto é tempo,
para construir uma verdadeira
floresta do futuro. Essa floresta tem ser
arrancada às mãos da indústria do eucalipto e da
biomassa. Temos de transformar a mistura explosiva
de eucaliptal, pinhal e invasoras em
verdadeira floresta e bosques resilientes, que
aguentem o futuro mais quente, que travem o
deserto e promovam uma reabitação digna do
interior do país.”
Apesar de o
eucalipto ser originário do sudeste da Austrália, esta espécie arbórea cobre
1,3 milhões de hectares de área florestal na Europa, de acordo com o Atlas
Europeu das Espécies de Árvores Florestais. Mais de 80% desta área situa-se na
Península Ibérica, seguindo-se a Itália e a França. E, à medida que os
incêndios florestais se tornam mais comuns, em todos os verões, os
investigadores dizem compreender a raiva contra os eucaliptos. “A associação
com os incêndios florestais é natural”, sustenta Domingos Xavier Viegas,
diretor do Centro de Investigação de Incêndios Florestais (CEIF), frisando: “O
eucalipto está a ser cada vez mais a espécie dominante da nossa floresta.”
O eucalipto
é a espécie de árvore mais alta registada na Europa, podendo atingir 70 metros
de altura, pelo que os incêndios em plantações de eucalipto tendem a ser muito
perigosos. “Libertam muita energia e partículas que podem causar projeções que
estão na origem de novos incêndios e que são de muito difícil controlo”,
explica Xavier Viegas.
No entanto,
os especialistas destacam que a árvore é fonte de rendimento para os habitantes
do Norte e do Centro de Portugal, uma vez que é muito utilizada para fins
industriais, principalmente como pasta de papel, lenha e madeira. “O eucalipto
é uma espécie de crescimento rápido. Portanto, em 12 anos tem-se uma árvore adulta”,
explica Conceição Caldeira, contrapondo: “Não é o caso da maioria das árvores
que temos. Por isso, tem um retorno económico importante para as pessoas e tem
de ser visto como tal.”
***
As
alterações climáticas aumentam a frequência e a intensidade dos incêndios
florestais mais extremos do Mundo, segundo um estudo publicado na revista Nature Ecology & Evolution.
Analisando
21 anos de dados de satélite da NASA, os investigadores descobriram que
as queimadas graves mais do que
duplicaram em frequência, entre 2003 e 2023. A intensidade dos
incêndios aumentou 2,3 vezes, tendo os seis anos mais extremos ocorrido a
partir de 2017.
Na
Europa, Portugal está, como se
disse, entre os países mais afetados nos últimos anos. A par da
Amazónia, da Austrália, do Canadá, do Chile, da Indonésia, da Sibéria e do Oeste
dos Estados Unidos da América (EUA).
Estes
incêndios florestais “energeticamente extremos” – medidos pela energia
libertada num dia – destroem, frequentemente, os ecossistemas, têm impacto na
saúde e nos meios de subsistência das populações locais e causam prejuízos de
milhares de milhões de euros. Além disso, emitem grandes quantidades de
fumo e de gases com efeito de estufa, que, por sua vez, agravam o
aquecimento global – um dos principais fatores dos incêndios florestais.
Os
investigadores descobriram que os incêndios florestais extremos se concentravam
desproporcionadamente em habitats fundamentais em todo o Mundo. Em particular,
a frequência de fenómenos extremos aumentou mais de 11 vezes nas florestas de coníferas temperadas, como
as que se encontram no Oeste dos EUA, nas últimas duas décadas. Nas florestas
boreais e na taiga – que se encontram nos EUA e na Rússia – aumentaram mais de
sete vezes.
A baixa
humidade dos galhos, das folhas, das ervas e de outros detritos florestais que
alimentam os incêndios florestais provocou o aumento exponencial da área ardida,
nas últimas décadas. Este fenómeno resulta das alterações climáticas provocadas
pelo homem e foi responsável por mais de metade do aumento da extensão dos
incêndios florestais no Oeste dos EUA, entre 1979 e 2015.
A Grécia
preparou-se para longa época de incêndios florestais, depois de o calor sem
precedentes ter provocado um início precoce de incêndios. Em meados de junho,
um incêndio fechou o trânsito ao longo de uma das principais autoestradas de
Atenas, tendo sido necessários 70 bombeiros e 13 aviões e helicópteros para o
manter sob controlo, sob ventos fortes.
O país
duplicou o número de bombeiros em maio, antecipando uma época recorde. E a
União Europeia (UE) também intensificou os esforços para reduzir os danos
causados pelos incêndios florestais, na sequência de um verão devastador em
2023. Uma equipa de 556 bombeiros de 12 países colocou-se estrategicamente em
locais-chave, incluindo em zonas de alto risco, como a França, a Grécia,
Portugal e a Espanha.
Para lá da
ameaça imediata à vida, os incêndios florestais libertam partículas finas
(PM2,5) que podem causar e agravar problemas de saúde duradouros,
como doenças pulmonares e cardíacas. Isto pode levar à morte prematura, por
vezes, meses após o incêndio. As autoridades do Havai anunciaram a morte de uma
mulher de 68 anos, devido a ferimentos e problemas de saúde, quase um ano
depois de ter sido apanhada pelo incêndio florestal mais mortífero dos EUA, em
mais de um século, em agosto de 2023.
Com as
alterações climáticas a fazer subir as temperaturas e a criar condições mais
secas, as épocas de incêndios começam mais cedo e a terminam mais tarde. Por
sua vez, os incêndios libertam para a atmosfera gases que aquecem o planeta,
criando perigoso ciclo de retroação.
***
Por fim, um pequeno excursus
sobre o eucalipto, graças ao seu papel na propagação dos fogos.
Quase todos os eucaliptos têm folhagem persistente. Como noutras
mirtáceas, as folhas estão cobertas de glândulas que segregam óleo. E muitas
espécies apresentam dimorfismo foliar. Quando jovens, as folhas são opostas, de
ovais a arredondadas e, não raro, sem pecíolo. Depois de um a dois anos de
crescimento, a maior parte das espécies apresenta folhas alternadas,
lanceoladas a falciformes, estreitas e pendidas a partir de longos pecíolos.
Contudo, há espécies que mantêm a forma juvenil. As folhas adultas da maioria
das espécies, bem como, nalguns casos, as folhas juvenis, têm iguais as duas
páginas do limbo. A maior parte das espécies não floresce enquanto a folhagem
adulta não aparece. Algumas espécies
foram exportadas da Oceânia para outros continentes onde ganharam importância
económica, devido ao facto de crescerem rapidamente e serem utilizadas para
produzir pasta de celulose, usada no fabrico de papel, de carvão vegetal
e de madeira. Alguns defendem que a plantação do eucalipto evita o corte e
o abate de espécies nativas, para tais fins, pelo que seria opção adequada a
terras degradadas, promovendo-se a economia onde são cultivadas. Contudo, o
assunto é polémico.
Uma das espécies mais comuns, na Península
Ibérica, é o Eucalyptus globulus,
que foi introduzido na Califórnia, em meados do século XIX,
estando presente em muitos parques citadinos de San Francisco e
noutras cidades do litoral daquele estado. Pelo uso ornamental, naturalizou-se,
sendo considerada espécie invasora, devido à capacidade de implantação rápida
nos habitats de clima de tipo mediterrânico da região,
substituindo a vegetação nativa. Por isso, tem-se vindo a proceder, na
Califórnia, à sua completa erradicação.
Também em Portugal esta árvore é invasora, embora
nenhuma medida de erradicação tenha sido levada a cabo, devido ao seu valor
económico. Contudo, porque absorve grandes quantidades de água, no verão,
apresenta vantagem competitiva sobre as demais espécies, com consequências
nefastas para a biodiversidade. Por outro lado, os eucaliptos são das espécies
que mais iniciam e propagam fogos florestais e fazem parte das espécies mais
resistentes ao fogo. É possível que, em Portugal, muitos fogos florestais
suspeitos de serem originados por queimadas ou por incêndios criminosos resultem
da autocombustão dos óleos voláteis libertados pelo eucalipto, sobretudo, em dias
de calor mais intenso e em locais de maior concentração de eucaliptos.
O valor
económico de uma espécie não vale sucessivas catástrofes humanas e
paisagísticas.
2024.09.20 – Louro de Carvalho
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