sexta-feira, 20 de setembro de 2024

A floresta portuguesa é altamente inflamável

 

Os mais recentes incêndios em Portugal devastaram mais de 122 mil hectares. Cerca de 83% desta área ardida situa-se no Norte e Centro do país. E, juntamente com a área ardida, estes incêndios que lavraram em Portugal causaram, pelo menos sete mortos e 182 feridos, pelo que o governo decretou um dia de luto nacional, para 20 de setembro, em homenagem às vítimas.

A par das vítimas humanas, registaram-se mortes de animais nas unidades de produção familiares e nas agroindustriais, bem como destruição de culturas e de algumas estruturas de lazer e deterioração de infraestruturas habitacionais, oficinais e viárias.

Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), estima-se que a área ardida em espaços rurais seja de 122 380 hectares. Desta estimativa, 60% são povoamentos florestais, 29% matos e 11% agricultura.

Portugal é um dos países europeus mais afetados pelos incêndios florestais extremos, nos últimos anos, devido às alterações climáticas.

Os especialistas sustentam que a recente catástrofe foi causada pela combinação de ventos fortes, alterações climáticas que trouxeram temperaturas mais elevadas do que o habitual para o final do verão – superiores a 30º Celsius (30ºC) – e humidade muito baixa. Todavia, advertem que a falta de biodiversidade na floresta e o crescente despovoamento destas áreas são os maiores fatores dos incêndios florestais extremos. “Nós estamos a caminhar para uma situação muito preocupante, em termos de alterações climáticas, em que estas condições muito críticas que temos tido vão acontecer cada vez mais”, afirma Maria Conceição Caldeira, investigadora e coordenadora do ForEco, vincando: “Precisamos, efetivamente, de ter uma paisagem muito adaptada.”

Francisco Guerreiro, antigo eurodeputado português dos Verdes, é um dos políticos que mais tem apelado a maior biodiversidade nas florestas do país: “O que falta, nas florestas portuguesas, é biodiversidade e gestão responsável de longo prazo. Precisamos de mais e de melhor floresta.”

A área florestal portuguesa é composta por 26% de eucalipto, 23% de pinheiro bravo e 23% de sobreiro e 11% de azinheira, segundo o ICNF. E os investigadores não consideram que estas quatro espécies de árvores sejam suficientemente variadas para evitar a rápida propagação dos incêndios. “Não há espécies bombeiras”, diz Conceição Caldeira, “não há uma espécie que permita que haja um fogo mais de intenso ou não”.

Não obstante, uma combinação de espécies ao longo da paisagem ajudará o país a evitar incêndios intensos, porque algumas crescem mais do que outras e podem responder de forma diferente aos incêndios.

Com as consequências dos incêndios mortais de Pedrógão Grande, em junho de 2017, e das regiões de Viseu e de Coimbra, em outro do mesmo ano, ainda presentes na memória coletiva , o reordenamento da floresta e a gestão florestal voltaram a ser alvo de escrutínio. Muitos habitantes locais têm apontado o dedo ao uso abusivo do eucalipto nas florestas portuguesas. Os grupos climáticos Climáximo e Emergência Florestal organizam manifestações, em Portugal, para 22 de setembro em protesto contra a aparente inação na prevenção dos incêndios florestais. Dizem eles na rede social Instagram:

“O fogo que mata bombeiros e trabalhadores nos campos, que destrói casas e infraestrutura
essencial para as comunidades é acompanhado pelo fumo que intoxica e não nos deixa respirar
em nenhuma parte do país. Sofremos sob o peso da destruição do mundo rural, do abandono, da eucaliptização, das espécies invasoras, dos cortes dos serviços de proteção e vigilância.

Estes fogos são consequência direta de uma floresta abandonada, eucaliptizada e saqueada por indústrias destruidoras. Em cima disso, o clima cada vez mais quente e errático promove a
aceleração do deserto. As celuloses e os governos não têm qualquer plano alternativo a isto e, por isso, sete anos depois de 2017, o país volta a ser devastado por incêndios catastróficos.

Hoje estamos pior do que estávamos em 2017 e há culpados por essa situação: muito além dos
criminosos incendiários, as celuloses e os governos que se recusaram a mudar o que quer que seja. Isto não pode acontecer de novo.

“Mais do que nunca, temos de acordar e agir enquanto é tempo, para construir uma verdadeira
floresta do futuro. Essa floresta tem ser arrancada às mãos da indústria do eucalipto e da
biomassa. Temos de transformar a mistura explosiva de eucaliptal, pinhal e invasoras em
verdadeira floresta e bosques resilientes, que aguentem o futuro mais quente, que travem o
deserto e promovam uma reabitação digna do interior do país.

Apesar de o eucalipto ser originário do sudeste da Austrália, esta espécie arbórea cobre 1,3 milhões de hectares de área florestal na Europa, de acordo com o Atlas Europeu das Espécies de Árvores Florestais. Mais de 80% desta área situa-se na Península Ibérica, seguindo-se a Itália e a França. E, à medida que os incêndios florestais se tornam mais comuns, em todos os verões, os investigadores dizem compreender a raiva contra os eucaliptos. “A associação com os incêndios florestais é natural”, sustenta Domingos Xavier Viegas, diretor do Centro de Investigação de Incêndios Florestais (CEIF), frisando: “O eucalipto está a ser cada vez mais a espécie dominante da nossa floresta.”

O eucalipto é a espécie de árvore mais alta registada na Europa, podendo atingir 70 metros de altura, pelo que os incêndios em plantações de eucalipto tendem a ser muito perigosos. “Libertam muita energia e partículas que podem causar projeções que estão na origem de novos incêndios e que são de muito difícil controlo”, explica Xavier Viegas.

No entanto, os especialistas destacam que a árvore é fonte de rendimento para os habitantes do Norte e do Centro de Portugal, uma vez que é muito utilizada para fins industriais, principalmente como pasta de papel, lenha e madeira. “O eucalipto é uma espécie de crescimento rápido. Portanto, em 12 anos tem-se uma árvore adulta”, explica Conceição Caldeira, contrapondo: “Não é o caso da maioria das árvores que temos. Por isso, tem um retorno económico importante para as pessoas e tem de ser visto como tal.”

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As alterações climáticas aumentam a frequência e a intensidade dos incêndios florestais mais extremos do Mundo, segundo um estudo publicado na revista Nature Ecology & Evolution.

Analisando 21 anos de dados de satélite da NASA, os investigadores descobriram que as queimadas graves mais do que duplicaram em frequência, entre 2003 e 2023. A intensidade dos incêndios aumentou 2,3 vezes, tendo os seis anos mais extremos ocorrido a partir de 2017.

Na Europa, Portugal está, como se disse, entre os países mais afetados nos últimos anos. A par da Amazónia, da Austrália, do Canadá, do Chile, da Indonésia, da Sibéria e do Oeste dos Estados Unidos da América (EUA).

Estes incêndios florestais “energeticamente extremos” – medidos pela energia libertada num dia – destroem, frequentemente, os ecossistemas, têm impacto na saúde e nos meios de subsistência das populações locais e causam prejuízos de milhares de milhões de euros. Além disso, emitem grandes quantidades de fumo e de gases com efeito de estufa, que, por sua vez, agravam o aquecimento global – um dos principais fatores dos incêndios florestais.

Os investigadores descobriram que os incêndios florestais extremos se concentravam desproporcionadamente em habitats fundamentais em todo o Mundo. Em particular, a frequência de fenómenos extremos aumentou mais de 11 vezes nas florestas de coníferas temperadas, como as que se encontram no Oeste dos EUA, nas últimas duas décadas. Nas florestas boreais e na taiga – que se encontram nos EUA e na Rússia – aumentaram mais de sete vezes.

A baixa humidade dos galhos, das folhas, das ervas e de outros detritos florestais que alimentam os incêndios florestais provocou o aumento exponencial da área ardida, nas últimas décadas. Este fenómeno resulta das alterações climáticas provocadas pelo homem e foi responsável por mais de metade do aumento da extensão dos incêndios florestais no Oeste dos EUA, entre 1979 e 2015.

A Grécia preparou-se para longa época de incêndios florestais, depois de o calor sem precedentes ter provocado um início precoce de incêndios. Em meados de junho, um incêndio fechou o trânsito ao longo de uma das principais autoestradas de Atenas, tendo sido necessários 70 bombeiros e 13 aviões e helicópteros para o manter sob controlo, sob ventos fortes.

O país duplicou o número de bombeiros em maio, antecipando uma época recorde. E a União Europeia (UE) também intensificou os esforços para reduzir os danos causados pelos incêndios florestais, na sequência de um verão devastador em 2023. Uma equipa de 556 bombeiros de 12 países colocou-se estrategicamente em locais-chave, incluindo em zonas de alto risco, como a França, a Grécia, Portugal e a Espanha.

Para lá da ameaça imediata à vida, os incêndios florestais libertam partículas finas (PM2,5) que podem causar e agravar problemas de saúde duradouros, como doenças pulmonares e cardíacas. Isto pode levar à morte prematura, por vezes, meses após o incêndio. As autoridades do Havai anunciaram a morte de uma mulher de 68 anos, devido a ferimentos e problemas de saúde, quase um ano depois de ter sido apanhada pelo incêndio florestal mais mortífero dos EUA, em mais de um século, em agosto de 2023.

Com as alterações climáticas a fazer subir as temperaturas e a criar condições mais secas, as épocas de incêndios começam mais cedo e a terminam mais tarde. Por sua vez, os incêndios libertam para a atmosfera gases que aquecem o planeta, criando perigoso ciclo de retroação.

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Por fim, um pequeno excursus sobre o eucalipto, graças ao seu papel na propagação dos fogos.  

Quase todos os eucaliptos têm folhagem persistente. Como noutras mirtáceas, as folhas estão cobertas de glândulas que segregam óleo. E muitas espécies apresentam dimorfismo foliar. Quando jovens, as folhas são opostas, de ovais a arredondadas e, não raro, sem pecíolo. Depois de um a dois anos de crescimento, a maior parte das espécies apresenta folhas alternadas, lanceoladas a falciformes, estreitas e pendidas a partir de longos pecíolos. Contudo, há espécies que mantêm a forma juvenil. As folhas adultas da maioria das espécies, bem como, nalguns casos, as folhas juvenis, têm iguais as duas páginas do limbo. A maior parte das espécies não floresce enquanto a folhagem adulta não aparece. Algumas espécies foram exportadas da Oceânia para outros continentes onde ganharam importância económica, devido ao facto de crescerem rapidamente e serem utilizadas para produzir pasta de celulose, usada no fabrico de papel, de carvão vegetal e de madeira. Alguns defendem que a plantação do eucalipto evita o corte e o abate de espécies nativas, para tais fins, pelo que seria opção adequada a terras degradadas, promovendo-se a economia onde são cultivadas. Contudo, o assunto é polémico.

Uma das espécies mais comuns, na Península Ibérica, é o Eucalyptus globulus, que foi introduzido na Califórnia, em meados do século XIX, estando presente em muitos parques citadinos de San Francisco e noutras cidades do litoral daquele estado. Pelo uso ornamental, naturalizou-se, sendo considerada espécie invasora, devido à capacidade de implantação rápida nos habitats de clima de tipo mediterrânico da região, substituindo a vegetação nativa. Por isso, tem-se vindo a proceder, na Califórnia, à sua completa erradicação.

Também em Portugal esta árvore é invasora, embora nenhuma medida de erradicação tenha sido levada a cabo, devido ao seu valor económico. Contudo, porque absorve grandes quantidades de água, no verão, apresenta vantagem competitiva sobre as demais espécies, com consequências nefastas para a biodiversidade. Por outro lado, os eucaliptos são das espécies que mais iniciam e propagam fogos florestais e fazem parte das espécies mais resistentes ao fogo. É possível que, em Portugal, muitos fogos florestais suspeitos de serem originados por queimadas ou por incêndios criminosos resultem da autocombustão dos óleos voláteis libertados pelo eucalipto, sobretudo, em dias de calor mais intenso e em locais de maior concentração de eucaliptos.

O valor económico de uma espécie não vale sucessivas catástrofes humanas e paisagísticas.

2024.09.20 – Louro de Carvalho

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