quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Michel Barnier sucede como primeiro ministro de França a Gabriel Attal

A 5 de setembro, o Presidente da República de França, Emmanuel Macron, nomeou como primeiro-ministro (PM) do governo francês Michel Barnier, de 73 anos, membro do partido de centro-direita, Les Republicains (LR), e antigo negociador da União Europeia (UE) para o Brexit.
A transferência de poder do primeiro-ministro demissionário, Gabriel Attal, para Barnier ocorreu ainda no mesmo dia, pelas 18h00, em Matignon, segundo o jornal francês Le Figaro.
A nomeação surge na sequência de um prévio ciclo de consultas sem precedentes durante o qual, de acordo com o comunicado do Eliseu, “o presidente assegurou que o primeiro-ministro e o futuro governo reuniriam as condições necessárias para serem tão estáveis quanto possível e para terem a possibilidade de reunir o maior número possível de pessoas”.
Michel Barnier possui vasta experiência política, um dos critérios procurados pelo chefe de Estado na sua busca de um nome para Matignon. Foi eleito deputado, em 1978, e ocupou a sua primeira pasta ministerial, em 1993, no Ministério do Ambiente, tendo permanecido no cargo que até 1995. Em seguida, foi nomeado, mais três vezes, sob as presidências de Jacques Chirac e de Nicolas Sarkozy, para os Assuntos Europeus (entre 1995 e 1997), para os Negócios Estrangeiros (entre 2004 e 2005) e, depois, para a Agricultura e Pescas (entre 2007 e 2009). Foi também duas vezes Comissário Europeu (entre 2009 e 2010) e, entre 2016 e 2021, foi negociador da saída do Reino Unido da UE, o Brexit.
A nomeação de Michel Barnier não foi bem recebida por todos. Foi o caso do La France Insoumise (LFI), partido de extrema-esquerda, isolado e classificado por Emmanuel Macron e por outros partidos como extremista,  que anunciou que o seu movimento vai censurar a escolha.
“Esta negação da democracia é insuportável”, reagiu o braço direito de Jean-Luc Mélenchon, numa publicação da rede social X.
“A nomeação de Michel Barnier é uma dupla negação dos resultados eleitorais. Enquanto a Nova Frente Popular [NFP] saiu vencedora das eleições, o partido de Michel Barnier obteve 6,5% nas eleições legislativas e tem 40 deputados na Assembleia Nacional”, lê-se na publicação onde anuncia que 72 deputados farão parte desta ação, pois está em causa a eleição “roubada” ao povo.
O partido de extrema-direita, Rassemblement National (RN), não falou em censura, como já o tinha feito, caso a escolha recaísse num governo da NFP, dizendo que vão basear o seu julgamento no “discurso de política geral”. Assim, Jordan Bardella escreveu na sua rede social X: “Julgaremos o seu discurso de política geral, as suas decisões orçamentais e as suas ações com base nas provas. Exigiremos que as principais questões urgentes que os Franceses enfrentam – poder de compra, segurança e imigração – sejam abordadas, e reservamo-nos todos os meios políticos de ação se tal não acontecer nas próximas semanas.”
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Após sete semanas, a escolha do PM de França recaiu num veterano do tradicional partido de direita (LR). E a questão é se ele terá capacidade para resolver o impasse político.
Michel Barnier enfrenta, agora, a complicada tarefa de formar um governo e de sobreviver a um voto de confiança no Parlamento (constituído pela câmara alta, o Senado, e pela câmara baixa, a Assembleia Nacional), atualmente dividido em três blocos desde que Macron convocou eleições legislativas antecipadas em julho.
Apesar de terem circulado, nos últimos dias, outros nomes de potenciais candidatos, ao escolher esta figura conservadora, Macron quis garantir que o RN não iria votar, imediatamente, contra um governo liderado por Barnier. O RN tem 126 deputados (sem contar com os 16 deputados da fação rebelde de direita de Eric Ciotti, que se aliou, recentemente, a Le Pen), o que faz dele a terceira força política no Parlamento. Assim, o campo presidencial tem 166 deputados e a coligação de esquerda NFP tem 193. A maioria absoluta é de 289 lugares.
Como a NFP já afirmou que votaria contra qualquer PM que não pertencesse às suas fileiras, Macron teve de encontrar uma pessoa que pudesse apaziguar a extrema-direita.
“A escolha de Barnier é o resultado de um cálculo político que tem em conta a escolha do RN. Barnier é um candidato de compromisso”, explicou Philippe Moreau-Chevrolet, professor de Comunicação Política na Universidade Sciences-Po, considerando: “É alguém que convém à extrema-direita e que pode ser capaz de chegar a compromissos com a esquerda, porque é um negociador experiente.”
Quando o nome de Barnier foi anunciado, a líder do RN, Marine Le Pen, disse que o seu partido iria esperar para analisar, primeiro, o seu programa. “Michel Barnier parece satisfazer, pelo menos, o primeiro critério que pedimos, ou seja, alguém que respeita as diferentes forças políticas e é capaz de abordar a RN”, afirmou, numa entrevista publicada no X, antigo Twitter.
Porém, isto faz com que alguns especialistas e deputados do campo presidencial se perguntem porque é que o partido de Macron insistiu em bloquear a ascensão da extrema-direita, unindo-se a outros partidos (a frente republicana) durante as eleições legislativas, para acabar por abrir a porta ao partido que vilipendiou durante meses. “Durante semanas, apelaram à frente republicana e, depois, acabaram por fazer compromissos com o RN. É um pouco a negação da democracia”, ironizou Virginie Martin, politóloga e professora na KEDGE Business School.
Para lá da possibilidade de sobreviver a um voto de confiança no Parlamento, o perfil de Barnier não é considerado uma ameaça no campo presidencial, pois é improvável que revogue as principais reformas de Macron, como o controverso plano de pensões ou a lei de asilo e imigração, como a coligação de esquerda afirmou que faria, se o seu candidato fosse nomeado.
“Barnier permite a continuidade das políticas de direita de Macron. Obviamente, também dá a Macron o poder de impor as suas escolhas para os futuros ministros”, disse Moreau-Chevrolet.
“A escolha dá muito poder ao campo presidencial e ao partido conservador de direita LR. São eles os principais vencedores deste caso”, afirmou Virginie Martin.
Barnier, de 73 anos, é o PM mais velho da História política moderna de França. A sua idade significa que não terá rival no campo de Macron, que se está a preparar para as eleições presidenciais de 2027. Duas vezes comissário europeu e arquiteto dos acordos do Brexit, conhece a máquina de Bruxelas como ninguém. “O seu forte sentido de compromisso e a sua experiência, especialmente no domínio financeiro, fazem dele um primeiro-ministro tranquilizador aos olhos das instituições da UE e dos estados-membros”, afirma Thierry Chopin, conselheiro especial do Instituto Jacques Delors e professor convidado do Colégio da Europa.
Se o governo de Barnier sobreviver ao voto de confiança, terá de por mãos à obra. Em primeiro lugar, a França deve apresentar as suas propostas de redução da despesa pública à UE, até 20 de setembro, embora o prazo possa ser prorrogado até outubro. Para cumprir as regras da UE, a França terá de efetuar cortes de, pelo menos, 30 mil milhões de euros, em 2025.
O projeto de orçamento nacional para 2025 deverá ser apresentado ao Parlamento, no dia 1 de outubro, numa altura em que as finanças públicas do país estão em dificuldades.
“Barnier pertence à direita conservadora, que insiste na necessidade de reduzir as despesas públicas e de reequilibrar o orçamento do país. O seu perfil poderá tranquilizar os parceiros alemães e holandeses, que tendem a acompanhar de perto as questões orçamentais no seio do bloco europeu”, observou Chopin.
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A nomeação do ex-negociador do Brexit segue-se a semanas de disputas políticas, com os partidos de ambos os lados do corredor a lutarem para trazer o seu candidato preferido para a ribalta, após as eleições parlamentares antecipadas de julho.
Aos 73 anos, é o PM mais velho da Quinta República na altura da sua nomeação. A sua ascensão a este cargo é a mais recente adição a uma longa e estimada carreira política que tem oscilado entre Paris e Bruxelas. Terá, agora, de sobreviver a um voto de desconfiança na AN, a câmara baixa do Parlamento e atravessar uma crise política.
Barnier nasceu na região alpina de Savoie, em 1951, no seio de uma família de artesãos de couro e de católicos praticantes de esquerda, que levavam vida modesta, mas confortável.
Iniciou o seu ativismo político aos 14 anos, juntando-se ao movimento de Charles de Gaulle, e encontrou, rapidamente, um emprego como conselheiro ministerial depois de se licenciar na prestigiada École de Commerce Supérieur de Paris – uma escola de gestão – em 1972.
Assessorou ministros, durante vários anos, antes de decidir pôr as mãos na massa a sério. Em 1978, foi eleito deputado à Assembleia Nacional, sendo o deputado mais jovem do país.
Após 15 anos, depois de ter passado algum tempo na Saboia, para ajudar a organizar os Jogos Olímpicos de inverno de 1992, em Albertville, voltou a trabalhar para o governo, desta vez como ministro de pleno direito. Passou dois anos na pasta do Ambiente e outros dois anos como Ministro dos Assuntos Europeus, cargo que mais tarde o ajudaria a chegar a Bruxelas.
Questões como o Tratado de Maastricht, a criação do euro e a livre circulação no bloco colocaram Barnier na ribalta europeia: apesar de se ter tornado senador francês, em 1997, acabou por regressar a Bruxelas quando foi nomeado comissário europeu para a política regional, em 1999.
Sendo um dos principais responsáveis pela elaboração do projeto europeu, conseguiu aumentar a sua visibilidade em França. Em 2004, foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e, em 2007, ministro da Agricultura e das Pescas, dois cargos-chave no governo francês.
Em 2009, regressou a Bruxelas, primeiro, como deputado europeu e, depois, como comissário para o Mercado Interno e Serviços, um dos cargos mais importantes do executivo da UE.
A partir desta posição elevada, tentou, sem sucesso, tornar-se presidente da Comissão Europeia em 2014, mas perdeu para o luxemburguês Jean-Claude Juncker. Contudo, estava mesmo ao virar da esquina um papel de destaque de tipo diferente. Em 2016, o Reino Unido votou a favor da saída da UE, o que originou uma série de negociações sobre os termos do divórcio.
Barnier foi o homem encarregado de liderar a equipa de negociação da UE, papel que lhe deu muita visibilidade, tanto no Reino Unido como na bolha de Bruxelas. A forma como geriu cerca de cinco anos de conversações sobre o Brexit, abrangendo a saída do Reino Unido da UE e a futura relação entre os dois países, valeu-lhe grandes elogios e admiração nos círculos da UE.
Porém, os seus olhos voltaram-se, rapidamente, para o seu país natal. Em 2021, anunciou que se candidataria às eleições presidenciais francesas do ano seguinte, mas não conseguiu o apoio suficiente do partido liberal-conservador Republicanos, que optou por Valérie Pécresse.
Agora, Barnier parece estar preparado para ocupar o segundo cargo mais alto do país, para grande desilusão dos deputados e dos cidadãos. As eleições de julho dividiram a AN em três blocos quase iguais: a coligação de esquerda NFP, o grupo centrista de Macron e o RN, de extrema-direita. Com os três a prometerem não trabalhar uns com os outros, Macron teria dificuldade em encontrar um PM que reunisse um número suficiente de votos de deputados para passar na AN.
Jean-Luc Melenchon, líder do maior partido da esquerda francesa, LFI, afirmou que a nomeação de Barnier “roubou” as eleições ao povo, pois a NFP acabou por ser o maior grupo político.
Jordan Bardella, do RN, reagiu à notícia, dizendo que o partido “reconheceu” a nomeação de Barnier, depois de uma espera “indigna de uma grande democracia”.
Embora o novo PM pareça ter o seu trabalho facilitado, caso entre em funções, a sua primeira grande tarefa é conseguir apoio suficiente no Parlamento, para garantir que sobrevive ao voto de desconfiança e que chega, efetivamente, ao cargo.
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Enfim, Macron tem o que merece, por ter marcado, precipitadamente eleições: uma AN fragmentada e um governo que, na realidade, não agrada a gregos nem a troianos. Veremos como será o desempenho dos decisores políticos nesta nova fase política da França.

2024.09.05 – Louro de Carvalho 

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