quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Pouco aprendemos com a experiência incendiária de 2017

 

A 18 de setembro, as chamas tomavam conta de, praticamente, toda a região Centro e de toda a região Norte do país, com bombeiros, militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e populações afetadas em situação de exaustão.

O espetáculo replicava o do dia anterior: dezenas de pessoas desalojadas, aldeias isoladas, casas de habitação destruídas, um campo de futebol queimado, culturas arrasadas, matas perdidas, animais mortos, várias frentes de fogo, extensões enormes contiguas ardidas, habitações evacuadas e pessoas a regressar a casa, escolas fechadas, gente a acorrer aos hospitais por inalação de fumo, várias autoestradas cortadas (além muitas outras estradas) e condutores encurralados sem poderem seguir em frente ou votar para trás. A preocupação era salvar vidas humanas.

Pelas 17 horas, um dispositivo de 4285 operacionais, 1689 meios terrestres e 36 meios aéreos – nacionais e da União Europeia (UE), principalmente, de Espanha – combatiam 44 incêndios ativos e monitorizavam situações em rescaldo. E o comandante nacional de Emergência e Proteção Civil alertava para situação complexa no terreno, nas subsequentes horas.

A área ardida em Portugal continental, entre 15 e 18 de setembro, ultrapassava os 106 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostrava a área ardida de 75645 hectares nas regiões Norte e Centro, atingidas pelos incêndios, desde o fim de semana.

As zonas mais afetadas localizam-se nas regiões de Aveiro, do Tâmega e Sousa e de Viseu / Dão Lafões, que totalizam 75645 hectares de área ardida, 71% da área ardida em todo o território nacional, contradizendo o que se dizia que o ano de 2024 era o de menor área ardida na última década. A este respeito, é de recordar o que dizia o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses: “As contas fazem-se no fim.”

De acordo com o sistema Copernicus, que recorre a imagens de satélite com resolução espacial a 20 metros e 250 metros, a contabilização do total de área ardida desde o dia 15 chegava aos 106222 hectares, perto do dobro em relação ao dia 17, quando a área ardida ascendia aos 62646 hectares.

De acordo com o último balanço da Proteção Civil, ao início da tarde, estariam em curso 44 incêndios, englobando um total de 3151 operacionais no terreno.

O comandante nacional de emergência e Proteção Civil, André Fernandes, explicou que a atuação dos meios aéreos estava a ser dificultada pela nuvem de fumo intensa, pelo que estes se mantêm em zonas estratégicas para auxiliar os bombeiros.

As regiões Norte e Centro eram as mais afetadas, nomeadamente 58 municípios do Norte e 17 no Centro.governo, em reunião do Conselho de Ministros, do dia 17, presidida por Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, a pedido do primeiro-ministro, Luís Montenegro, nos termos constitucionais, declarou situação de calamidade em todos os municípios afetados pelos incêndios, nos últimos dias.

Naquele momento, os incêndios que lavravam na região de Aveiro, bem como em Gondomar, Amarante e Baião,  região de Viseu Dão Lafões (Castro Daire) e Vila Pouca de Aguiar e Vila Real eram aqueles que mobilizavam mais meios operacionais no terreno, originando mais preocupações entre as autoridades.

A situação em Castro Daire estava “muito complicada”, segundo o comandante nacional da Proteção Civil. O fogo começou a entrar em Arouca e, segundo André Fernandes, apresentava “uma frente que tem um grande potencial de abertura para um incêndio com uma vasta área ardida”.

Durante o balanço, a Proteção Civil voltou a reforçar a situação de emergência em que o país se encontrava, salientando a “tolerância zero ao uso de fogo”. A situação meteorológica também não iria melhorar nas subsequentes 48 horas, com André Fernandes a reforçar que “as próximas 24 serão particularmente difíceis”. “A situação meteorológica é ainda muito desfavorável – para as próximas 48 horas, mantemos o risco, especialmente as próximas 24 horas, serão muito difíceis, para os operacionais no terreno e para as populações afetadas”, afirmou para enfatizar: “Apelamos à consciência e à adequação de comportamento, face ao risco elevado e extremo que se mantém e se vai manter nas próximas 48 horas.”

Quanto a vítimas, de 16 a 18 de setembro, foram registadas 123 (no fim da tarde, passaram a 150): cinco vítimas mortais, 10 feridos graves, 49 feridos ligeiros e 59 vítimas assistidas no teatro de operações. O número de mortes foi revisto para baixo, uma vez que o último balanço apontava para sete vítimas  mortais.

Quando questionado, o comandante André Fernandes afirmou que estes são os números oficiais, não tendo sido contabilizadas duas vítimas inicialmente consideradas. “Esses dois cidadãos que infelizmente faleceram, um foi na sua habitação e outro na via pública, e não foram contabilizados por ação direta do incêndio”, explicou.

Segundo a Proteção Civil, naquele momento, havia 59 pessoas (11 em Águeda, 15 em Carregal do Sal e 33 em Castro Daire) temporariamente desalojadas, devido aos incêndios, tendo as restantes regressado já às suas casas.

Os meios aéreos fornecidos pelos países europeus ao abrigo do mecanismo de proteção civil da UE já estavam a operar em território luso. Ao todo, operavam-se oito aviões, quatro oriundos de França, dois de Itália e outros dois de Espanha. Também a operar em território nacional estavam já os 220 operacionais espanhóis que chegaram durante a madrugada.

Era esperado que os dois aviões Canadair que chegaram de Marrocos, ao abrigo dos acordos bilaterais, começassem a operar ainda durante a tarde do dia 18.

À Semelhança do que sucedera em Albergaria-a-Velha e em Oliveira de Azeméis (ambas do distrito de Aveiro), algumas habitações na zona de Branzelo, em Melres, concelho de Gondomar, foram evacuadas e a população retirada, devido aos incêndios que lavravam naquele concelho do distrito do Porto, como avançou à Lusa o comando-geral da GNR. E o presidente da Câmara de Gondomar, Marco Martins, afirmando, na madrugada do dia 18, que o combate aos incêndios que lavravam no concelho estava a ser difícil, uma vez que o fogo tinha várias frentes ativas, queixava-se de que o governo não fez chegar meios ao local, porque ficaram pelo caminho no combate a outros incêndios.

Em resposta, o comandante André Fernandes diz que a região “tem meios ao seu dispor”. “A situação é complicada e há meios dispersos em várias áreas da região Norte e da região Centro e, obviamente, nós, às vezes, achamos que não temos os meios corretos para fazer face a essas solicitação, mas Gondomar acionou também o seu plano municipal de emergência e tem ao seu dispor os meios e aquilo que é a coordenação existente no plano”, afirmou André Fernandes.

Também o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dava conta de que mais de 50 concelhos de nove distritos do continente (Faro, Portalegre, Santarém, Castelo Branco, Leiria, Coimbra, Guarda, Braga e Bragança) estavam, no dia 18, em perigo máximo de incêndio, devido ao tempo quente.

As previsões do IPMA apontavam para tempo seco com céu pouco nublado e vento moderado a forte até ao fim da manhã. Nas regiões Norte e Centro do país era esperada uma pequena descida da temperatura mínima. A temperatura máxima mais elevada prevista para aquele seria alcançada em Santarém, devendo chegar aos 32 graus Celsius.

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Nos últimos anos, deixou de fazer sentido haver um período de fogos florestais. As chuvas e as temperaturas relativamente elevadas (ou até muito elevadas) podem surgir em qualquer época do ano. As chuvas de agosto fizeram crescer a erva nas bermas das estradas e no meio das matas, levando à acumulação do combustível fácil. Assim, os combustíveis naturais ficaram mais secos, nos últimos dias, na ordem dos 4% a 5%, um valor muito baixo e de perigo extremo. Este facto, juntamente com o vento, dá origem a ignições muito rápidas, logo que haja faísca.

Em 2017, face aos incêndios de junho e aos incêndios de outubro, que ceifaram muitas vidas humanas, fizeram-se relatórios, procedeu-se a diagnósticos e apresentaram-se propostas. Não obstante, como não tem havido grande número de vítimas mortais, voltou-se a certa normalidade. Vai-se apostando em alguma prevenção, montam-se mecanismos de combate (desde o acionamento dos planos municipais de emergência e das equipas de primeira intervenção até ao combate organizado e sistemático).

Não obstante, a floresta continua desordenada e sem largas zonas de corte de fogo; não se multiplicaram os pontos de água (antes, pelo contrário); não se torna simpático estabelecer como forma de combate o sistema de contrafogo (fogo amigo da floresta, que a protege); continuam as zonas de monocultura de resinosas (pinho, eucalipto, etc.) e das acácias e quejandas, em detrimento das folhosas autóctones; os incêndios ainda constituem um grande negócio para as empresas fornecedoras de meios de combate; esquece-se o poder absoluto e caprichoso do vento; um regime demasiado formal de justiça não pune severamente os incendiários criminosos, por mais que os governantes digam que isto não vai ficar assim; e o sistema de saúde não é atempadamente chamado a tratar os pirómanos.

Acresce que alguns atos de descuido são tolerados socialmente. Continua-se a foguetear em festas populares e familiares; ainda se atiram priscas de cigarro para a via pública; ainda se fazem queimas e queimadas, sem autorização e sem as devidas precauções; e ainda se atira lixo para as bermas de estrada e para o interior das matas. É claro que a tolerância evocada acontece, por vezes, com o receio de que venha, em resposta, o insulto e até a briga.

Várias são as causas dos incêndios: a incidência dos raios solares sobre material vítreo, plástico ou acrílico, faíscas elétricas (de trovoada, de catenárias ou de cabos de alta ou de média tensão) e fogo posto (voluntária ou involuntariamente). Uma coisa é certa: de noite (em que surgem inúmeros focos de incêndios), os raios solares não atuam e os fogos-fátuos que alguns terrenos possam fazer eclodir não geram incêndios rurais. O dado criminoso ou maníaco impera. E continuamos com as condições necessárias e suficientes para haver fogo: comburente, combustível (mais do que abundante) e calor. E junta-se o vento a multiplicar os danos.

Enfim, a maior parte das vezes, a causa de incêndio florestal é humana, o que é contraditório, pois o ser humano depende dos recursos naturais (nomeadamente, água, oxigénio, solo, sais minerais, biodiversidade, etc.).

É claro, continuamos a sofrer as consequências dos incêndios florestais. Entre elas, encontramos a destruição de habitats de muitas espécies, o desmatamento (com as consequências que este problema tem, por sua vez), a perda da biodiversidade, a destruição e degradação dos recursos naturais, a poluição das águas, o aumento das emissões de dióxido para a atmosfera, com a contribuição para o aumento do efeito estufa, o aumento do risco de erosão e perda de solo, a desertificação, a perda de bens materiais e até de vidas humanas.

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Assim, continuamos entre a transgressão / mania e o desastre. É necessário exercício da cidadania ativa por parte de todos, bem como a intervenção dos poderes públicos, na medida do necessário, sem excesso, mas sem hesitação.

2024.09.18 – Louro de Carvalho

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