A Inspeção-Geral
de Finanças (IGF) concluiu a auditoria às contas da TAP (entre 2005 e 2023),
solicitada pelo anterior ministro das Finanças, Fernando Medina, com suspeitas de crime no processo de privatização,
em 2015, e na gestão da dupla David Neelman e Humberto Pedrosa.
Os auditores dizem que TAP foi comprada com garantia da empresa
transportadora, a qual fez um contrato simulado que serviu, na prática, para
pagar 4,3 milhões a três administradores.
De acordo
com o relatório, conhecido a 2 de setembro, o negócio de compra da TAP por
David Neelman foi financiado com um empréstimo de 226,75 milhões de dólares (MUSD)
da Airbus, em troca da compra de 53 aviões à fabricante de aeronaves europeia;
e, como a companhia aérea dava a
garantia ao crédito, obrigava-se a pagar os 226 milhões de dólares
emprestados a Neelman, se o empresário não comprasse os aviões.
O esquema
permitiu contornar o Código das Sociedades Comerciais (CSC), que impede a
cedência de empréstimos ou fundos a um terceiro para que este adquira ações
próprias.
A IGF refere
que a Atlantic Gateway, consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa, adquiriu
61% do capital da TAP, SGPS, “comprometendo-se a proceder à sua capitalização,
através de prestações suplementares de capital, das quais 226,75 milhões de
dólares americanos foram efetuadas através da sócia DGN Corporation (DGN) com
fundos obtidos da Airbus”.
O montante de
capitalização “coincide com o valor da penalização (226,75 MUSD) assumida pela
TAP, SA, em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves
(A320 e A330), o que evidencia possível relação de causalidade entre a
aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS e os contratos celebrados
entre a TAP, SA e a Airbus”.
A auditoria
dá nota de que a operação era do
conhecimento da Parpública, que junta as participações empresariais do
Estado e dos titulares das Finanças e das Infraestruturas do governo então liderado
por Pedro Passos Coelho, sendo ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque – acabada de
escolher por Luís Montenegro para comissária europeia – e secretário de Estado
das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, primeiro, Sérgio Monteiro e,
depois, Miguel Pinto Luz, atual
ministro das Infraestruturas e Habitação.
A IGF propõe
o envio do relatório ao Ministério Público (MP) para investigação, sobretudo
tendo em conta as conclusões conexas com o processo de privatização. O governo confirmou o envio do relatório ao MP e
à Assembleia da República (AR) após tê-lo recebido na semana anterior, como
revelou, a 3 de setembro, o ministro das Infraestruturas e Habitação.
A oposição
reagiu às conclusões do relatório, exigindo explicações a Miguel Pinto Luz e a
Maria Luís Albuquerque na AR e defendendo que não têm condições para exercer
funções públicas.
A líder
parlamentar do Partido Socialista (PS), Alexandra Leitão, desafiou o
primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, a esclarecer se mantém a confiança política
no ministro Miguel Pinto Luz, para dirigir a futura privatização da TAP, aduzindo
que já participou num processo semelhante, “envolto em suspeitas”, em 2015,
como secretário de Estado. “A pessoa que hoje está a conduzir, novamente, a
privatização da TAP é a pessoa que, em 2015, conduziu a privatização da TAP com
esta falta de transparência, com este negócio que, agora, tudo aponta que
tem graves suspeitas de falta de
transparência de utilização de dinheiro da própria TAP para comprar
a empresa”, criticou a deputada, anunciando que o PS vai pedir a audição parlamentar
do ministro das Infraestruturas e Habitação, bem como a da ex-ministra das
Finanças, Maria Luís Albuquerque – agora indicada pelo governo para comissária
europeia – e a de Sérgio
Monteiro, além de pretender que o tema seja debatido na próxima reunião da
comissão permanente.
O líder
parlamentar do Chega, Pedro Pinto, classificou como “uma trapalhada” o negócio da
privatização da TAP e acusou o PM de ser cúmplice, porque, ao chamar Miguel
Pinto Luz para o governo, “sabia quem estava a nomear”. Assim, a posição do
ministro Pinto Luz “fica muito débil”, pelo que deve ser afastado do processo
de reprivatização da companhia aérea, pois “não tem condições políticas” para continuar a acompanhar
esse dossiê. Além de Pinto Luz, o Chega quer chamar à AR a antiga ministra das
Finanças Maria Luís Albuquerque, e os auditores da IGF que elaboraram o
relatório. E, pela Iniciativa Liberal (IL), Rodrigo Saraiva sustenta que o
relatório “não traz grandes novidades”, vincando que o documento resulta do
trabalho da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão da TAP, cabendo ao
MP “avaliar a licitude ou não” dos procedimentos em causa. O deputado liberal remeteu
para o PM a necessidade de eventuais consequências políticas, após a divulgação
do relatório da IGF.
Já a
coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) considerou que Pinto Luz é um “ativo tóxico” no governo,
que “não tem idoneidade” para
gerir o dossiê da TAP, cabendo, segundo Mariana Mortágua, ao PM “decidir” o
futuro do governante, que “esteve envolvido, no passado, com um negócio ruinoso
para a TAP e não pode ter qualquer coisa a ver com a gestão da TAP no presente”.
Tal como o PS e o Chega, os bloquistas pediram a audição parlamentar de Miguel
Pinto Luz e de Maria Luís Albuquerque.
Na mesma
senda, a líder parlamentar do Livre considerou que a TAP ter sido comprada com
o dinheiro da empresa foi “uma
chico-espertice”. Isabel Mendes Lopes sustenta que os responsáveis públicos, à altura da privatização,
“sabiam e foram cúmplices deste esquema” e que “é muito importante que a
investigação do Ministério Público seja feita o mais rápido possível”.
Por seu
lado, a porta-voz do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) defendeu que Pinto Luz deve ser afastado da gestão do
dossiê da reprivatização da TAP, frisando que o ministro “não tem
idoneidade política” para continuar a acompanhá-lo. E Inês de Sousa Real,
reiterando que “é fundamental que todos os esclarecimentos sejam prestados”, anunciou
que o partido vai chamar à AR também o antigo presidente da Parpública, bem
como o atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, para que
esclareça “o que é que o Ministério das Finanças vai fazer para garantir o
interesse público” e para evitar “áreas cinzentas” na “legislação aplicável a
este tipo de contratos e de reprivatizações”.
A líder
parlamentar do Partido Comunista Português (PCP), Paula Santos, defendeu que “é
preciso tirar consequências e, desde logo, consequências políticas”, desta
auditoria, pois “não deixa de ser significativo que uma das principais
responsáveis e que deu cobertura a
este crime [Maria Luís Albuquerque] seja agora indicada para comissária
europeia”.
Para lá da
suspeita de que a TAP terá sido comprada com garantias da própria empresa, o
relatório da IGF aponta para que as remunerações dos gestores da TAP, no
período em que foi parcialmente privatizada, foram pagas recorrendo a contrato de prestação de serviços “simulado” com
uma empresa de David Neelman, procedimento que se afigura “irregular no
pagamento/recebimento das remunerações aos membros do Conselho de
Administração, que, assim, eximiram-se às responsabilidades quanto à tributação
em sede de IRS [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] e [de] contribuições
para a Segurança Social”. Assim, foi possível pagar 4,3 milhões em prémios e em remunerações a
três administradores (Neelman, Humberto Pedrosa e David Pedrosa), não registados
como tal e não pagando os impostos a que estavam obrigados.
Também Fernando Pinto, antigo CEO da TAP, é visado na
auditoria, pelo recebimento de 326,7 mil euros correspondentes a férias não
gozadas, considerando a IGF não “existir base legal ou contratual que sustente
este pagamento”.
A IGF questiona “a racionalidade económica” da TAP em
participar no negócio da TAP Manutenção e Engenharia Brasil e em não partilhar
os riscos e encargos daquela participação com a Geocapital. E admite “perdas
muito significativas com aquele negócio pela não recuperabilidade dos valores
envolvidos, que, até 2023, ascendiam a 906 milhões de euros”. Por outro lado,
questiona a contratação de serviços de consultoria, entre 2005 e 2022, no valor
total de 400,6 milhões de euros, envolvendo cerca de 1308 entidades, adiantando
que, nos contratos celebrados com a Seabury Aviation Consulting, com a LLC e com
a KPMG & Associados, no montante global de 11,7 milhões, “não foi possível
identificar claramente o beneficiário desses serviços”.
***
Alexandra
Leitão lembra a auditoria da TAP, do governo do PS, cujas conclusões são
semelhantes às da IGF e que, em final de 2022, foi remetida para o MP (na
altura, o titular da pasta era Pedro Nuno Santos) e que o PS insistiu nesta
matéria na CPI à TAP, refutando as críticas feitas por outros partidos sobre a
responsabilidade do PS. Agora, como refere a deputada, “a IGF vem confirmar a
gravidade da situação e confirmar todas estas suspeitas” e, “a ser verdade o
que vem noticiado na comunicação social, a TAP é comprada pela Atlantic Gateway
com dinheiro da própria TAP. na sequência do negócio feito com a Airbus”.
A IL quer
saber quando e como é que a TAP será privatizada pelo governo PSD/CDS-PP [Partido
Social Democrata e Partido do Centro Democráticos Social / Partido Popular] e remete
para o PM a necessidade de eventuais consequências políticas após a divulgação
do relatório da IGF. Além de transparência no processo de reprivatização do
atual governo, quer saber “quando é que os 3,2 mil milhões de euros poderiam
ser devolvidos aos contribuintes portugueses” e crítica o anterior executivo
socialista liderado por António Costa.
A
coordenadora do BE quer estabilidade à TAP, com o fim dos “negócios ruinosos
para o Estado e para a TAP, que geram instabilidade e perda de milhares de
milhões de fundos públicos”.
A porta-voz
do PAN considera que o ministro das Infraestruturas “não tem idoneidade
política para pôr acima de tudo o interesse dos Portugueses, porque ficou mais
do que claro que, na altura, este negócio não teve em consideração aquilo que
era o interesse de Portugal, o interesse da evolução da economia do nosso país
e a manutenção desta empresa”.
Portanto,
defende que o PM “deve indicar outro governante que fique responsável por todo
este processo ou chamá-lo a si, para que, efetivamente, não haja qualquer
dúvida [de] que é o interesse público que vai prevalecer” e garantir que o
dinheiro público injetado na companhia aérea é “devolvido aos Portugueses,
porque faz muita falta em muitas áreas do país”. Por outro lado, sublinha que “é
fundamental que todos os esclarecimentos sejam prestados, que ninguém fique
acima daquilo que é a legislação, que não haja intocáveis”, e que “este
relatório vem demonstrar que os Portugueses pagaram um dos bilhetes mais caros
da História Portuguesa sem reembolso e só de ida, sem volta”. E, lembrando que,
nas negociações do Orçamento do Estado, tem ouvido, por parte dos sucessivos
governos, “que não há dinheiro”, assinala que, “pelos vistos, há dinheiro para
as negociatas, como foi o caso da TAP”, insistindo que o executivo tem de
garantir que “todo e qualquer cêntimo que foi injetado é devolvido aos
Portugueses”.
O PCP, ao
invés da IL (que pensa que os privados gerem melhor), considera estar, hoje, “mais
do que comprovado que a privatização da TAP não é solução”, mas é “insistir num
processo que é prejudicial para o país e para o interesse nacional não pode ser”.
Adverte que esta auditoria surge num momento em que também é noticiado que
estão no país “elementos da Lufthansa para discutirem com o governo a
privatização da TAP que o governo PSD e CDS quer, agora, também [fazer] avançar”.
E anunciou que vai propor que o âmbito da audição de Maria Luís Albuquerque
sobre a privatização da ANA, agendada para dia 11 de setembro, seja alargado,
para ouvir, na AR, também Miguel Pinto Luz, que, em 2015, era secretário de
Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, no segundo governo de Passos
Coelho, que caiu, após ter sido rejeitado o seu programa na AR, mas que
concluiu, na mesma, o processo de privatização da TAP.
Além disto, o
PCP quer confrontar o PS, o PSD, a IL e o Chega com uma iniciativa legislativa
para travar a privatização da TAP e para garantir a gestão pública da TAP e o
desenvolvimento da própria companhia. “O que se exige, por parte do governo, é
que adote as medidas necessárias de valorização da companhia, que vá ao
encontro dos interesses do país, que garanta uma gestão transparente e eficaz
e, naturalmente, subordinada ao interesse nacional”, defende.
A auditoria
não traz novidades, mas enquadra, devidamente, numa só peça o que já constava (2005-2023).
Todavia, é de questionar como, tendo as auditorias sido remetidas para o MP,
não há (não parece haver) processos em marcha e, como havendo tanta “bagunça” na
TAP, só caiu o Carmo e a Trindade com a tentativa de indemnização de meio
milhão à ex-gestora dispensada.
2024.09.03 – Louro de Carvalho
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