quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Apresentadas as diretrizes de Mario Graghi para a competitividade na UE

 

Três meses após o prazo inicial, Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) e antigo primeiro-ministro italiano, apresentou a 4 de setembro, à porta fechada, as diretrizes do seu relatório sobre a competitividade da União Europeia (UE), “sujeita a uma série de barreiras estruturais”, face a concorrentes, como a China e os Estados Unidos da América (EUA), tendo ficado agendada para o dia 11 a sua divulgação oficial.

A informação foi avançada à agência Lusa por várias fontes conhecedoras do processo, no dia em que Mario Draghi se deslocou a Bruxelas, para informar os representantes permanentes dos estados-membros junto da UE e a Conferência de Presidentes (com os líderes da instituição e dos grupos partidários) do Parlamento Europeu (PE) sobre as diretrizes do relatório sobre a competitividade comunitária.

Uma das fontes especificou que o antigo governante e ex-líder do BCE observou que, nas últimas décadas, “a competitividade europeia ficou sujeita a uma série de barreiras estruturais”, entre as quais o atraso na capacidade de inovação, o aumento dos preços da energia, o défice de competências e a necessidade de acelerar a digitalização e de reforçar as capacidades de defesa comuns da Europa. Por conseguinte, o relatório, pedido a Mario Draghi pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, servirá para “reflexão sobre os desafios que a Europa enfrenta e sobre a forma como a UE, as suas instituições, os estados-membros e as partes interessadas podem, em conjunto, ultrapassá-los, para recuperar a vantagem competitiva da Europa”, nomeadamente, face aos principais concorrentes.

Em causa está o relatório que o ex-presidente do BCE tem estado a preparar, cuja apresentação esteve inicialmente prevista para junho, depois, para julho, e, agora, para setembro, após uma interrupção para férias nas instituições da UE.

Outra fonte indicou à Lusa que o relatório se centra em tópicos como produtividade, redução das dependências da UE, clima e inclusão social, abrangendo ainda recomendações específicas para os 10 principais setores da economia (como, por exemplo, energia, inovação, mercado de capitais, auxílios estatais, coesão, competências, defesa e investimento).

Numa altura em que Ursula von der Leyen está formar a sua equipa para o próximo mandato à frente da Comissão Europeia (de 2024 até 2029), o documento em causa guiará a responsável pelo executivo comunitário nas cartas de missão dos comissários europeus designados.

Este relatório surge depois de um outro divulgado, em abril passado, pelo antigo primeiro-ministro italiano Enrico Letta, esse, porém, mais focado no mercado interno da UE, centrando-se o de Mario Draghi mais na cena internacional.

O documento, depois de debatido pelo colégio de comissários do executivo comunitário, em Bruxelas, será, mais tarde, discutido pelos chefes de Estado e de governo e da UE no Conselho Europeu informal de novembro, a realizar, em Budapeste, pela presidência húngara da UE.

Há precisamente um ano, no seu discurso sobre o Estado da União, Ursula von der Leyen anunciou um relatório sobre a competitividade europeia e, falando dum contexto “desafiante” para a indústria na UE, elencou “três grandes desafios económicos para a indústria” em 2024, entre os quais a “escassez de mão-de-obra e de competências, a inflação” e a necessidade de “facilitar a atividade das empresas”, quando se regista um contido crescimento económico.

Por isso, Von der Leyen pediu ao ex-presidente do BCE, Mario Draghi, “uma das maiores mentes económicas da Europa, que preparasse um relatório sobre o futuro da competitividade europeia”.

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Mario Draghi parece ter impressionado os principais eurodeputados com os seus planos para estimular o lento crescimento económico da UE, mas nem todos estão convencidos. Contudo, os principais partidos parecem apoiar os planos do ex-presidente do BCE.

“A grande mensagem de que a competitividade é a questão número um. Como partido económico da Europa, congratulamo-nos muito com isso”, disse Manfred Weber, líder do Partido Popular Europeu (PPE), após a reunião, acrescentando: “Os últimos cinco anos foram os anos do Pacto Ecológico. Com base neste relatório, abrimos o próximo capítulo.”

Manfred Weber, que representa o maior grupo político do PE, referiu a necessidade de projetos emblemáticos europeus, ao estilo do Airbus, e a necessidade de garantir que as tecnologias ambientais, como as bombas de calor e os carros elétricos, sejam produzidas na Europa, e não nos EUA ou na China.

O relatório de Draghi, inicialmente previsto para junho, foi solicitado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também do PPE, em 2023 – e vem na sequência do relatório do também antigo primeiro-ministro italiano Enrico Letta, que afirmou, em abril, ter feito soar um “grande alarme vermelho” sobre o crescente fosso económico com os EUA, apelando a reformas nas regras de mercado da energia, das telecomunicações e dos serviços financeiros.

As conclusões de Draghi – que incluem recomendações específicas para dez setores económicos fundamentais, talvez na mesma linha de Letta – foram recebidas com mais cautela por outros deputados que não os do PPE.

“O que me agrada muito é o facto de ele defender claramente os valores europeus”, como os serviços públicos e as alterações climáticas, disse Bas Eickhout, colíder do Grupo dos Verdes no PE, vincando: “Ele está a fazer soar o alarme de forma muito clara.”

“O relatório não menciona os custos laborais, porque ele disse que esse não é o problema”, acrescentou Eickhout, tentando responder à crítica de que o relatório será utilizado para justificar a redução dos salários dos trabalhadores, pois, em vez disso, examinará a “complacência” da Europa, na sequência dos elevados custos da energia e da baixa produtividade em importantes setores de alta tecnologia.

A líder do grupo socialista, Iratxe García, afirmou que qualquer relançamento económico tem de ser “construído com base em empregos de qualidade e energia acessível”, incluindo uma “Lei Verde e Europeia”.

Outros, como Manon Aubry, do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, não ficaram impressionados nem com as conclusões de Draghi, nem com a sua franqueza. “Foi uma apresentação que não disse grande coisa”, disse Aubry aos jornalistas, após a reunião, sustentando que os eurodeputados foram “deixados na ignorância”.

“Gostaria que falássemos de competitividade, mas, nesse caso, teríamos de pôr em causa a política comercial europeia, que vendeu a nossa indústria. Há, no mínimo, uma hipocrisia, se não uma contradição fundamental”, disse, para questionar: “Qual é a legitimidade democrática de Mario Draghi para redigir um relatório deste tipo?”.

Esquece o eurodeputado que o relatório foi solicitado por quem tinha legitimidade para o solicitar e que, não passa de um documento de caráter técnico, que os decisores políticos da UE assumirão politicamente, no todo ou em parte, ou que rejeitarão.

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Já a 21 de abril, o segundo e último duma conferência de ministros das Finanças da UE, organizada pela presidência belga do Conselho da UE, cuja prioridade era a competitividade da União, Draghi alertou para a expansão chinesa e para o protecionismo dos EUA, políticas que, na melhor das hipóteses, se destinam “a redirecionar o investimento para as suas próprias economias, à custa das nossas; ou, na pior, […] a tornar-nos permanentemente dependentes delas”.

Apesar de haver “iniciativas positivas”, o economista considera que falta à UE uma estratégia para manter o ritmo na corrida pela liderança no domínio das novas tecnologias; proteger a indústria comunitária de condições de concorrência desiguais a nível mundial; e garantir recursos e os fatores de produção necessários às ambições europeias, sem aumentar a dependência externa.

Os principais concorrentes da UE tiram partido da sua dimensão continental para gerar escala, aumentar o investimento e conquistar quotas de mercado em setores económicos essenciais. E a fragmentação impede a UE de usar a vantagem natural de que dispõe em termos geográficos. Como exemplos da falta de escala da Europa, emergem as áreas da defesa e das telecomunicações: na primeira, os governos não efetuam muitas aquisições em conjunto e compram a países terceiros; na segunda, há demasiados operadores móveis e o investimento per capita é metade do dos EUA e a implantação do 5G e da fibra ótica está atrasada.

Por isso, “é preciso usar a escala para intensificar aquisições conjuntas e harmonizar regras”.

Para tanto, há que “intensificar as aquisições conjuntas”, “aumentar a coordenação das despesas e a interoperabilidade dos equipamentos” e “reduzir substancialmente a dependência externa”, em matéria de defesa e de segurança. Nas telecomunicações, gerar mais investimento passa por “racionalizar e harmonizar ainda mais a regulamentação” nos estados-membros. Adicionalmente, há que resolver a “barreira” de trazer e aumentar a inovação no mercado interno europeu, pela revisão da regulamentação prudencial dos empréstimos bancários e da criação de um novo regime regulamentar comum para as startups no domínio da tecnologia.

Depois, é necessário “aumentar interconexões no fornecimento de bens públicos”. Tornar a economia europeia mais competitiva precisa de ter em conta a melhoria da coordenação no atinente ao fornecimento de bens públicos. É o caso da energia, setor em que a existência de um mercado integrado e interconexões reduziria os custos energéticos para as empresas e tornaria a UE mais resistente a futuras crises. Outro exemplo é a infraestrutura de supercomputação da UE, em que, apesar de dispor de uma rede pública de computadores de alto desempenho (HPC) de nível mundial, as repercussões para o setor privado são atualmente “muito limitadas”.

Draghi sugere que esta rede seja utilizada pelo setor privado, por exemplo, em startups no domínio da inteligência artificial e pequenas e médias empresas (PME). Em contrapartida, os benefícios financeiros recebidos poderiam ser reinvestidos para modernizar os HPC e apoiar a expansão da nuvem na UE. E, identificados os bens públicos, é preciso dotar a UE dos meios para os financiar. A maioria do impulso financeiro virá do investimento privado, pelo é indispensável a União dos Mercados de Capitais (UMC) para a estratégia global de competitividade europeia.

Por fim, o economista sustenta que é preciso “garantir recursos e trabalhadores qualificados”.

A Comissão Europeia já deu início a este processo com a Lei das Matérias-Primas Críticas. Porém, Draghi considera que são necessárias medidas complementares, como a criação de uma Plataforma Europeia para os Minerais Críticos, que se dedicaria, especificamente, à aquisição conjunta, a assegurar aprovisionamento e financiamento diversificado e à constituição de reservas. Com efeito, é deveras importante garantir o fornecimento de recursos e os fatores de produção essenciais, sem aumentar a dependência de países terceiros, em particular para atingir as metas climáticas. Por outro lado, são necessários trabalhadores qualificados com as competências adequadas, pois, com o envelhecimento demográfico e com políticas desfavoráveis à imigração, estas competências têm de ser encontradas “internamente”, pelo que o economista apela a que os parceiros sociais ajudem a “adaptar o mercado de trabalho à era digital” e a “capacitar os trabalhadores”.

Em suma, Draghi avisa que UE tem de investir “uma enorme quantidade de dinheiro público e privado”, a curto prazo, para competir face aos EUA e à China.

Naquela conferência, os responsáveis discutiram como melhorar a competitividade económica da UE, em particular como concretizar a união do mercado de capitais para canalizar a poupança das famílias e para financiar prioridades comunitárias de transições ecológica e digital e de segurança e defesa. E o ministro das Finanças de Portugal defendeu que o relatório que Mario Draghi estava a preparar alterará “os próximos anos na política económica” comunitária.

2024.09.05 – Louro de Carvalho

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