Três meses após o prazo inicial, Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central
Europeu (BCE) e antigo primeiro-ministro italiano, apresentou
a 4 de setembro, à porta fechada, as diretrizes do seu relatório sobre a
competitividade da União Europeia (UE), “sujeita a uma série de barreiras
estruturais”, face a concorrentes, como a China e os Estados Unidos da América (EUA), tendo ficado
agendada para o dia 11 a sua divulgação oficial.
A informação foi avançada à agência Lusa por várias fontes conhecedoras do
processo, no dia em que Mario Draghi se deslocou a
Bruxelas, para informar os representantes permanentes dos estados-membros junto
da UE e a Conferência de Presidentes (com os líderes da instituição e
dos grupos partidários) do Parlamento Europeu (PE) sobre as diretrizes do
relatório sobre a competitividade comunitária.
Uma das fontes especificou que o antigo governante e ex-líder do BCE observou que, nas últimas
décadas, “a competitividade europeia ficou sujeita a uma série de barreiras
estruturais”, entre as quais o atraso na capacidade de inovação, o aumento dos
preços da energia, o défice de competências e a necessidade de
acelerar a digitalização e de reforçar as capacidades de defesa comuns da
Europa. Por conseguinte, o relatório, pedido a Mario Draghi pela presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, servirá para “reflexão
sobre os desafios que a Europa enfrenta e sobre a forma como a UE, as suas
instituições, os estados-membros e as partes interessadas podem, em conjunto,
ultrapassá-los, para recuperar a vantagem competitiva da Europa”,
nomeadamente, face aos principais concorrentes.
Em causa está o relatório que o ex-presidente
do BCE tem estado a preparar, cuja apresentação esteve inicialmente prevista
para junho, depois, para julho, e, agora, para setembro, após uma interrupção
para férias nas instituições da UE.
Outra fonte indicou à Lusa que o relatório se centra em
tópicos como produtividade, redução das dependências da UE, clima e inclusão
social, abrangendo ainda recomendações específicas para os 10 principais
setores da economia (como, por exemplo, energia, inovação, mercado de
capitais, auxílios estatais, coesão, competências, defesa e investimento).
Numa altura em que Ursula von der Leyen está
formar a sua equipa para o próximo mandato à frente da Comissão Europeia (de
2024 até 2029), o documento em causa guiará a responsável pelo executivo
comunitário nas cartas de missão dos comissários europeus designados.
Este relatório surge depois de um outro
divulgado, em abril passado, pelo antigo primeiro-ministro italiano Enrico
Letta, esse, porém, mais focado no mercado interno da UE, centrando-se o de
Mario Draghi mais na cena internacional.
O documento, depois de debatido pelo
colégio de comissários do executivo comunitário, em Bruxelas, será, mais tarde,
discutido pelos chefes de Estado e de governo e da UE no Conselho Europeu
informal de novembro, a realizar, em Budapeste, pela presidência húngara da UE.
Há precisamente um ano, no seu discurso
sobre o Estado da União, Ursula von der Leyen anunciou um relatório
sobre a competitividade europeia e, falando dum contexto “desafiante” para a
indústria na UE, elencou “três grandes desafios económicos para a indústria” em
2024, entre os quais a “escassez de mão-de-obra e de competências,
a inflação” e a necessidade de “facilitar a atividade das empresas”, quando se
regista um contido crescimento económico.
Por isso, Von der Leyen pediu ao
ex-presidente do BCE, Mario Draghi, “uma das maiores mentes económicas da
Europa, que preparasse um relatório sobre o futuro da competitividade
europeia”.
***
Mario Draghi parece ter impressionado os principais eurodeputados com os
seus planos para estimular o lento crescimento económico da UE, mas nem todos
estão convencidos. Contudo, os
principais partidos parecem apoiar os planos do ex-presidente do BCE.
“A grande mensagem de que a competitividade é a questão número um. Como
partido económico da Europa, congratulamo-nos muito com isso”, disse Manfred
Weber, líder do Partido Popular Europeu (PPE), após a reunião, acrescentando: “Os
últimos cinco anos foram os anos do Pacto Ecológico. Com base neste relatório,
abrimos o próximo capítulo.”
Manfred Weber, que representa o maior grupo político do PE, referiu a
necessidade de projetos emblemáticos europeus, ao estilo do Airbus, e a
necessidade de garantir que as tecnologias ambientais, como as bombas de calor
e os carros elétricos, sejam produzidas na Europa, e não nos EUA ou na China.
O relatório de Draghi, inicialmente previsto para junho, foi solicitado pela
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também do PPE, em 2023 –
e vem na sequência do relatório do também antigo primeiro-ministro italiano
Enrico Letta, que afirmou, em abril, ter feito soar um “grande alarme vermelho”
sobre o crescente fosso económico com os EUA, apelando a reformas nas regras de
mercado da energia, das telecomunicações e dos serviços financeiros.
As conclusões de Draghi – que incluem recomendações específicas para dez
setores económicos fundamentais, talvez na mesma linha de Letta – foram
recebidas com mais cautela por outros deputados que não os do PPE.
“O que me agrada muito é o facto de ele defender claramente os valores
europeus”, como os serviços públicos e as alterações climáticas, disse Bas
Eickhout, colíder do Grupo dos Verdes no PE, vincando: “Ele está a fazer soar o
alarme de forma muito clara.”
“O relatório não menciona os custos laborais, porque ele disse que esse não
é o problema”, acrescentou Eickhout, tentando responder à crítica de que o
relatório será utilizado para justificar a redução dos salários dos
trabalhadores, pois, em vez disso, examinará a “complacência” da Europa, na
sequência dos elevados custos da energia e da baixa produtividade em
importantes setores de alta tecnologia.
A líder do grupo socialista, Iratxe García, afirmou que qualquer relançamento
económico tem de ser “construído com base em empregos de qualidade e energia
acessível”, incluindo uma “Lei Verde e Europeia”.
Outros, como Manon Aubry, do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda
Nórdica Verde, não ficaram impressionados nem com as conclusões de Draghi, nem
com a sua franqueza. “Foi uma apresentação que não disse grande coisa”, disse
Aubry aos jornalistas, após a reunião, sustentando que os eurodeputados foram “deixados
na ignorância”.
“Gostaria que falássemos de competitividade, mas, nesse caso, teríamos de
pôr em causa a política comercial europeia, que vendeu a nossa indústria. Há,
no mínimo, uma hipocrisia, se não uma contradição fundamental”, disse, para
questionar: “Qual é a legitimidade democrática de Mario Draghi para redigir um
relatório deste tipo?”.
Esquece o eurodeputado que o relatório foi solicitado por quem tinha
legitimidade para o solicitar e que, não passa de um documento de caráter técnico,
que os decisores políticos da UE assumirão politicamente, no todo ou em parte, ou
que rejeitarão.
***
Já a 21 de abril, o segundo e último duma conferência de ministros
das Finanças da UE, organizada pela presidência belga do Conselho da UE, cuja
prioridade era a competitividade da União, Draghi alertou para a expansão
chinesa e para o protecionismo dos EUA, políticas que, na melhor das hipóteses,
se destinam “a redirecionar o investimento para as suas próprias economias, à
custa das nossas; ou, na pior, […] a tornar-nos permanentemente dependentes
delas”.
Apesar
de haver “iniciativas positivas”, o economista considera que falta à UE uma estratégia para manter o ritmo
na corrida pela liderança no domínio das novas tecnologias; proteger a
indústria comunitária de condições de concorrência desiguais a nível mundial; e
garantir recursos e os fatores de produção necessários às ambições europeias,
sem aumentar a dependência externa.
Os principais concorrentes da UE tiram partido da sua dimensão
continental para gerar escala, aumentar o investimento e conquistar quotas de
mercado em setores económicos essenciais. E a fragmentação
impede a UE de usar a vantagem natural de que dispõe em termos geográficos.
Como exemplos da falta de escala da Europa, emergem as áreas da defesa e das
telecomunicações: na primeira, os governos não efetuam muitas aquisições em
conjunto e compram a países terceiros; na segunda, há demasiados operadores
móveis e o investimento per capita é
metade do dos EUA e a implantação do 5G e da fibra ótica está atrasada.
Por isso, “é
preciso usar a escala para intensificar aquisições conjuntas e harmonizar
regras”.
Para
tanto, há que “intensificar
as aquisições conjuntas”, “aumentar a coordenação das despesas e a
interoperabilidade dos equipamentos” e “reduzir substancialmente a dependência
externa”, em matéria de defesa e de segurança. Nas telecomunicações, gerar mais investimento passa por
“racionalizar e harmonizar ainda mais a regulamentação” nos estados-membros.
Adicionalmente, há que resolver a “barreira” de trazer e aumentar a inovação no
mercado interno europeu, pela revisão da regulamentação prudencial dos
empréstimos bancários e da criação de um novo regime regulamentar comum para as startups no domínio da tecnologia.
Depois,
é necessário “aumentar interconexões no fornecimento de bens públicos”. Tornar a economia europeia mais competitiva precisa de
ter em conta a melhoria da coordenação no atinente ao fornecimento de bens
públicos. É o caso da
energia, setor em que a existência de um mercado integrado e interconexões
reduziria os custos energéticos para as empresas e tornaria a UE mais
resistente a futuras crises. Outro exemplo é a infraestrutura
de supercomputação da UE, em que, apesar de dispor de uma rede pública de
computadores de alto desempenho (HPC) de nível mundial, as repercussões para o
setor privado são atualmente “muito limitadas”.
Draghi sugere que esta rede seja utilizada pelo setor privado,
por exemplo, em startups no
domínio da inteligência artificial e pequenas e médias empresas (PME). Em
contrapartida, os benefícios
financeiros recebidos poderiam ser reinvestidos para modernizar os HPC e apoiar
a expansão da nuvem na UE. E, identificados os bens públicos, é
preciso dotar a UE dos meios para os financiar. A maioria do impulso financeiro virá do investimento
privado, pelo é indispensável a União dos Mercados de Capitais (UMC) para a
estratégia global de competitividade europeia.
Por fim, o economista sustenta que é preciso “garantir recursos e trabalhadores qualificados”.
A Comissão Europeia já deu início a este processo com a Lei das
Matérias-Primas Críticas. Porém, Draghi considera que são necessárias medidas
complementares, como a criação de
uma Plataforma Europeia para os Minerais Críticos, que se dedicaria,
especificamente, à aquisição conjunta, a assegurar aprovisionamento e
financiamento diversificado e à constituição de reservas. Com
efeito, é deveras importante garantir o
fornecimento de recursos e os fatores de produção essenciais, sem aumentar a
dependência de países terceiros, em particular para atingir as metas climáticas.
Por outro lado, são necessários trabalhadores qualificados com as competências
adequadas, pois, com o envelhecimento
demográfico e com políticas desfavoráveis à imigração, estas competências têm
de ser encontradas “internamente”, pelo que o economista apela a
que os parceiros sociais ajudem a “adaptar o mercado de trabalho à era digital”
e a “capacitar os trabalhadores”.
Em suma, Draghi avisa que UE tem de investir “uma
enorme quantidade de dinheiro público e privado”, a curto prazo, para competir
face aos EUA e à China.
Naquela
conferência, os responsáveis discutiram como melhorar a competitividade
económica da UE, em particular como concretizar a união do mercado de capitais
para canalizar a poupança das famílias e para financiar prioridades
comunitárias de transições ecológica e digital e de segurança e defesa. E o ministro
das Finanças de Portugal defendeu que o relatório que Mario Draghi estava a
preparar alterará “os próximos anos na política económica” comunitária.
2024.09.05 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário