Milhares de
pessoas juntaram-se na Alameda Dom Afonso Henriques, em Lisboa, a exigir “casa
para viver” e o cumprimento do direito à habitação, constitucionalmente
consagrado, criticando a intervenção do atual governo, protesto que se estendeu
a 22 cidades portuguesas.
A
manifestação foi organizada pela plataforma Casa Para Viver, pelo movimento
Porta a Porta, pelo Referendo pela Habitação, pelo Projeto Ruído, pela Vida
Justa e pelo 1.º Esquerdo, face ao agravamento da crise na habitação e por não
acreditarem nas medidas propostas pelo governo da Aliança Democrática (AD) para
resolver o problema.
“Pôr fim aos
despejos, desocupações e demolições que não tenham alternativa de habitação
digna e, que não preservem a unidade da família na sua área de residência”, é
outra das propostas, a que se junta a redução do valor das prestações
bancárias, “pondo os lucros da banca a pagar”.
O combate à
especulação imobiliária é uma das prioridades, reforçando a necessidade de
colocar a uso já, “com preços sociais”, os imóveis devolutos do Estado, dos
grandes proprietários, dos fundos e das empresas, assim como o aumento de
habitação pública.
André
Escoval, do movimento Porta a Porta, disse que “está pior ter casa para viver”
e que se pretende dizer ao governo que é preciso baixar os preços da habitação,
através de regulação e de “pôr em causa” os interesses dos proprietários e da
banca. “Isto vai ser uma grande ação de luta”, afirmou André Escoval, acusando
o governo de estar “refém” dos interesses dos proprietários e da banca e
esperando que haja disponibilidade para serem ouvidos pelo executivo.
Filipa
Roseta, vereadora socialdemocrata da Habitação na Câmara Municipal de Lisboa,
marcou presença na manifestação, onde destacou o trabalho do atual executivo,
afirmando que tem sido feito “muito mais do que fez na última década”, para
responder à crise habitacional na cidade, com cerca de duas mil entregas de
casas e de mil subsídios ao arrendamento. Além disso, defendeu a intervenção do
atual governo e destacou o concurso de cooperativa “1. Habitação”.
Perante a
presença e as declarações de Filipa Roseta, o representante do movimento Porta
a Porta acusou-a de “puro oportunismo político”, indicando que “não é
bem-vinda” nesta iniciativa de protesto pelo direito à habitação. E a vereadora
abandonou a manifestação, não sem antes declarar à SIC Notícias: “Estou aqui pelo direito à habitação, como toda a
gente. Queremos é que as pessoas vivam melhor. É uma manifestação sobre a
habitação, como todos os anos em que este dia tem sido marcado, eu tenho falado
todos os anos. Se desta vez é complicado… logo este ano que tenho tantos
resultados para apresentar.”
Depois de
concentrados todos os manifestantes na Alameda Dom Afonso Henriques, a partir
das 15h00, a ação de protesto pelo direito à habitação fez um percurso a pé de
cerca de 3,5 quilómetros até ao Arco da Rua Augusta, descendo pela Avenida
Almirante Reis e terminando com a atuação do músico Filipe Sambado, do grupo
BatukadeiraX e do artista Jhon Douglas, “porque a luta também se faz em festa”.
Pelo menos
22 cidades portuguesas aderiram à manifestação convocada pela plataforma Casa
Para Viver, em defesa do direito à habitação, com protestos a acontecer em simultâneo
do Norte a Sul de Portugal continental e nos arquipélagos dos Açores e da
Madeira.
Para a
plataforma – que junta mais de cem organizações e mobilizou milhares de pessoas
nas ruas de várias cidades em três manifestações (junho e setembro de 2023 e
janeiro deste ano) –, o novo governo, liderado pelo social-democrata Luís
Montenegro, “está bastante comprometido com aquilo que é o negócio
imobiliário”.
Recorde-se
que a manifestação pelo direito à habitação, a de 27 de janeiro, mobilizou 19
cidades.
“Os preços e
as rendas das casas continuam a subir, a sobrelotação aumenta, assim como as
barracas, as pessoas em situação de sem-abrigo e os despejos. A maior parte do
nosso salário, senão todo (e, muitas vezes, este já não chega!), é gasta a
pagar a casa. Desta forma, é inevitável que a pobreza aumente”, referiram os
organizadores à Lusa.
No Porto, o
protesto concentrou centenas de pessoas na Praça da Batalha. O movimento Porta
a Porta entregava panfletos com as palavras de ordem para a manifestação, bem como
cartazes, autocolantes e t-shirts
onde se lê: “Porta a Porta”. A manifestação seguiu da Batalha para a rua de
Santa Catarina, passou pela Rua Fernandes Tomás e terminou na Avenida dos
Aliados.
Em
declarações à Lusa, Raquel Ferreira,
porta-voz do núcleo do Porto do movimento Porta a Porta, previu que a
manifestação sofreria o atraso de uma hora. A hora prevista era às 15h00, mas a
pedido da PSP, por causa da “mudança de turnos”, saiu da Batalha pelas 16h00.
O movimento
Porta a Porta mobilizou em Faro cerca de três dezenas de pessoas. “Hoje estamos
aqui numa luta específica para a habitação […]. O problema da habitação não é
só os preços das casas, tem a ver também com […] a especulação, tem a ver
também com os baixos salários”, disse à
Lusa a porta-voz do movimento Porta a Porta, Ana Tarrafal.
Os
manifestantes em Faro empunhavam cartazes onde se liam palavras de ordem a
exigir “mais habitação pública”, “regular e rever as licenças de alojamento”,
“combater a informalidade do arrendamento” ou “pôr o lucro dos bancos a pagar
as prestações” da casa.
“A verdade é
que PS [Partido Socialista] efetivamente esteve lá [no governo] o tempo
suficiente para, pelo menos, tentar resolver este problema e não resolveu e
acabou por camuflar um bocado o problema, porque não resolveu o cerne da
questão, a própria especulação”, disse Ana Tarrafal.
Por outro
lado, a porta-voz frisou que o atual “governo de direita não só não vai
resolver o problema como o está a agravar”, exemplificando com “as medidas
apresentadas, que têm apenas aumentado a especulação”. De acordo com Ana
Tarrafal, no Algarve a falta de habitações está conexa com o facto de o peso do
turismo ser grande e de a maioria dos trabalhadores ganhar o ordenado mínimo. Para
o movimento Porta a Porta, o Estado não se pode demitir das suas responsabilidades
e remeter para a mão invisível do mercado a decisão sobre “direito inalienável
a uma habitação, mas deve definir políticas públicas que garantam o aumento do
parque público habitacional, a baixa das taxas de juros nos empréstimos ou a
travagem no aumento das rendas.
“Continua a
luta para que alguma coisa seja feita pelas políticas de habitação”, disse à Lusa um dos manifestantes na capital
algarvia, que sublinhou a necessidade de as pessoas continuarem a lutar e a exigir
alterações à atual política. Segundo ele, “o PS fez pouco” pela habitação e
“ainda é cedo para perceber o que irá fazer o atual governo”.
***
A crise da habitação tem raízes na crónica escassez de habitação social e
a preços acessíveis, situação agravada pela vinda de estrangeiros ricos para
Portugal com a promessa de benefícios fiscais. O boom do
turismo levou ao aumento do número de alugueres de Alojamentos locais para
férias de curta duração, o que pôs mais pressão no mercado imobiliário para os
residentes. Por isso, milhares de
pessoas protestaram em cidades de todo o país contra os preços incomportáveis
das casas e contra os custos de arrendamento, com muitos a dizerem que foram excluídos do mercado da habitação. Os manifestantes desfilaram com cartazes com palavras de ordem como: “Os
nossos bairros não são da vossa conta” e “Tenho de escolher entre pagar uma
casa ou comer”.
“O problema
da habitação é um problema que se arrasta, há muitos anos, no nosso país e que
agora está a chegar a uma situação que é para lá de insuportável”, disse um
manifestante no Porto.
O governo de
coligação de centro-direita de Portugal, liderado por Luís Montenegro, anunciou
um pacote de dois mil milhões de euros para construir 33 mil casas até 2030,
mas muitos manifestantes duvidam
que consiga cumprir o prometido. Segundo André Escoval, é preciso dizer ao governo que é necessário
tomar medidas para baixar o preço da habitação e colocar em primeiro lugar a
vida de quem vive e trabalha no nosso país e precisa de um teto para que isso
aconteça com qualidade”.
Na sua declaração de missão publicada
online, o movimento Porta a Porta
afirma que a crise de habitação em Portugal não é temporária, mas “crónica
e estrutural”. Entre 2020 e
2021, os preços das casas em Portugal registaram um aumento de
157%. De 2015 a 2021, as
rendas aumentaram 112%, segundo o Eurostat, a agência de estatísticas da União
Europeia.
Portugal é um dos países mais pobres
da Europa Ocidental e tem procurado investimentos com base numa economia de
baixos salários. Pouco mais de metade dos trabalhadores ganha
menos de mil euros por mês, de acordo com as estatísticas do
Ministério do Trabalho relativas a 2022.
Também a maioria dos jovens espanhóis
não tem dinheiro para comprar casa, sobretudo em cidades como Madrid. Por isso,
cerca de 30 coletivos espanhóis convocaram uma grande manifestação para 13 de
outubro, em Madrid, sob o lema “A habitação é um direito, não um negócio”.
Segundo a plataforma, citada pelo jornal El Confidencial, as rendas na capital espanhola aumentaram mais de
60% e deixaram os inquilinos à beira do colapso financeiro. “A maioria de nós
não aguenta mais, estamos a afogar-nos”, afirma o Sindicato de Inquilinas e
Inquilinos de Madrid, em comunicado, criticando a falta de medidas
efetivas da parte dos vários governos.
***
No “apelo público” à participação no protesto, por parte da plataforma Casa Para
Viver, refere-se que o “Programa + Habitação” do anterior governo não resolveu a crise, e que os
poucos avanços que a legislação trouxe se devem à luta na rua, impondo o fim
dos Vistos Gold, o fim dos Residentes Não Habituais e a regulação de preços das
rendas (muito insuficiente) ou a construção (ainda tão limitada) de habitação
pública. Porém, o atual
governo tem propagandeado que vai resolver a crise de habitação com a ajuda dos
promotores privados, que têm lucrado com a crise de habitação. Quer dar-lhes
mais privilégios fiscais e subsídios, liberalizando a construção e promovendo
parcerias público-privadas. Voltará a retirar barreiras ao Alojamento
Local, defenderá a manutenção do regime dos Residentes Não Habituais,
recuperará os vistos gold (com a denominação de Investimentos Solidários) e revogará
o tímido controlo das rendas existente, passar as rendas anteriores a 1990 para
o novo regime de arrendamento.
Não é só o aumento da construção privada que baixa os preços
– sobretudo se a maioria da nova construção é para os setores do luxo ou do
turismo. Sem a devida regulação, o preço da habitação continuará a aumentar.
Também não é aceitável a culpabilização mentirosa das pessoas migrantes,
narrativa que procura bodes expiatórios para desviar a atenção dos verdadeiros
responsáveis pela crise – os que especulam com a habitação e os governantes que
defendem e incentivam a tal. Muitos vivem em sobrelotação, por não poderem
pagar uma casa. A política do governo não serve à grande maioria dos jovens e
aos estudantes, ao invés do que a propaganda do governo diz.
Assim, a plataforma exige que o governo: baixe e regule as
rendas para valores compatíveis com o rendimento do trabalho, dando
estabilidade aos contratos de arrendamento; ponha fim a despejos, desocupações
e demolições que não tenham alternativa de habitação e que não preservem a
unidade da família na área de residência; baixe as prestações bancárias, pondo
os lucros da banca a pagar; reveja todas as formas de licenças para a
especulação turística; acabe com o Estatuto dos Residentes Não Habituais, com os
incentivos para nómadas digitais, com as isenções fiscais para o imobiliário de
luxo e fundos imobiliários, assim como não tenha nenhum regime similar de
Vistos Gold; coloque a uso, com preços sociais, os imóveis devolutos do Estado,
dos grandes proprietários, dos fundos e das empresas que têm como fim a
especulação; aumente o parque de habitação pública, com qualidade, do Estado e a
promova com a reabilitação dos bairros sociais; e crie formas de habitação
cooperativa e outras que não entregues ao mercado.
***
Protesto atípico: na contestação à política de habitação em perspetiva,
houve pessoas a acreditar no governo e uma vereadora alfacinha propagandeou o
milagre municipal da oferta de habitações surgido quase de súbito, ignorando o
passado. É, pois, acertado o aviso: “Não se deixem enganar!”
2024.09.30
– Louro de Carvalho
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