sábado, 28 de setembro de 2024

Guerra: uns matam, outros temem, mas outros aprovam

 

O grupo militante Hezbollah confirmou, a 28 de setembro, a morte do seu líder, horas após as Forças de Defesa Israelitas (FDI) garantirem que Sayyed Hassan Nasrallah tinha morrido num ataque aéreo israelita em Beirute. Efetivamente, numa publicação na rede social X, o exército israelita escreveu que “Hassan Nasrallah deixará de aterrorizar o Mundo”.

Segundo o exército israelita, também foram mortos, no referido ataque, Ali Karki, o comandante da Frente Sul do Hezbollah, e outros comandantes do Hezbollah. 

Sayyed Hassan Nasrallah liderava o Hezbollah há mais de três décadas.

As forças armadas israelitas afirmaram ter efetuado um “ataque aéreo preciso”, enquanto o comando do Hezbollah se reunia no seu quartel-general em Dahiyeh, a Sul de Beirute, no dia 27.

O Ministério da Saúde libanês afirmou que seis pessoas morreram e 91 ficaram feridas nos ataques, que arrasaram seis edifícios de apartamentos. Horas antes, alguns meios de comunicação social norte-americanos afirmavam que o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, tinha sido alvo de um ataque, mas as autoridades israelitas ainda não tinham dado a confirmação.

A embaixada do Irão, em Beirute, disse que os ataques mudarão as “regras do jogo” e o líder supremo do Irão, Khamenei, escreveu no X: “Por um lado, a matança de civis indefesos no Líbano revelou, mais uma vez, a todos a natureza selvagem dos sionistas raivosos. Por outro lado, provou como são míopes e insanas as políticas dos dirigentes do regime de ocupação.”

Após o anúncio da morte de Nasrallah, Khamenei foi levado para uma zona segura em parte incerta do Irão. Horas antes dos ataques, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, dirigiu-se às Nações Unidas, prometendo que a campanha de Israel contra o Hezbollah continuaria, diminuindo mais as esperanças de um cessar-fogo apoiado internacionalmente. Netanyahu não se encontrou com António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), pois interrompeu abruptamente a visita aos Estados Unidos da América (EUA), para regressar a Israel.

Israel levou a cabo uma série de ataques aéreos contra o Hezbollah, no dia 27 e na madrugada do dia 28, enquanto aquela formação político-militar respondia com dezenas de rockets contra Israel.

As forças armadas israelitas afirmaram que estavam a mobilizar soldados de reserva adicionais à medida que as tensões aumentavam com o Líbano. Efetivamente, o exército, na manhã do dia 28, disse estar a ativar três batalhões de soldados de reserva, depois de ter enviado duas brigadas para o Norte de Israel, no início da semana, para treinar para uma possível invasão terrestre.

De acordo com o Ministério da Saúde libanês, de 23 de setembro a 28, mais de 720 pessoas foram mortas no Líbano. Segundo a ONU, o número de pessoas deslocadas do Sul do Líbano, devido ao conflito, mais do que duplicou, sendo atualmente mais de 211 mil. Pelo menos, 20 centros de cuidados de saúde primários foram encerrados em zonas duramente atingidas do Líbano, segundo informou o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas. E, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 200 mil pessoas foram deslocadas no Líbano, desde que o Hezbollah começou a disparar rockets contra o Norte de Israel, em apoio ao Hamas, desde o início da guerra em Gaza.

O Ministério da Saúde libanês informou que um total de 1540 pessoas foram mortas dentro das suas fronteiras, durante esse período – quase metade das quais durante a última semana, quando os ataques aéreos israelitas devastaram partes do país.

Israel intensificou, drasticamente, os ataques contra alvos libaneses, afirmando que tenciona eliminar as capacidades militares do Hezbollah e os seus comandantes de topo. Portanto, a morte do líder do Hezbollah e dos comandantes referidos não foi acidental. Altos responsáveis israelitas tinham ameaçado repetir a destruição de Gaza, no Líbano, se os ataques aéreos do Hezbollah continuassem. E os disparos do Líbano contra Israel prosseguiram no dia 27, tendo um homem sofrido ferimentos provocados por estilhaços.

O exército israelita afirmou que quatro drones atravessaram a fronteira, mas que todos foram intercetados. No início do dia 27, mais dez projéteis chegaram a Israel vindos do Líbano, tendo alguns sido intercetados e outros caído em campos abertos. Entretanto, durante a noite, um ataque aéreo israelita na Síria matou cinco soldados do exército sírio e feriu outro, de acordo com a agência noticiosa estatal síria SANA.

Os EUA, a França e outros aliados apelaram, conjuntamente, a um cessar-fogo de 21 dias, tendo o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Líbano saudado a proposta e condenado a “destruição sistemática de aldeias fronteiriças libanesas”, por parte de Israel. Porém, Benjamin Netanyahu afirma que Israel está a atacar o Hezbollah “com toda a força” e que não vai parar até atingir os seus objetivos. Veículos militares israelitas foram vistos a transportar tanques e veículos blindados rumo à fronteira Norte do país com o Líbano, e os comandantes convocaram reservistas.

De facto, soube-se, a 26 de setembro, que os EUA e a França lideraram um grupo de 12 países que se juntaram, no dia 25, para apelarem a um cessar-fogo de 21 dias, no Líbano, após a reunião de líderes mundiais, na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A pausa nos ataques permitira iniciar negociações para aliviar as tensões crescentes no Médio Oriente, após os ataques israelitas terem incendiado o Líbano.

Em resposta, o gabinete do primeiro-ministro israelita, que viajava para Nova Iorque para participar na Assembleia Geral da ONU, garantia que não houve qualquer acordo, pedindo aos militares que continuassem a lutar com “toda a força” no Líbano. “As notícias sobre um cessar-fogo não são verdadeiras. Trata-se de uma proposta americano-francesa, à qual o primeiro-ministro nem sequer respondeu. As notícias sobre a suposta diretiva para moderar os combates no norte também são o oposto da verdade”, lia-se no comunicado, citado pelo jornal Haaretz, que especificava: “O primeiro-ministro deu instruções às FDI para prosseguirem os combates com toda a força e de acordo com os planos que lhe foram apresentados. Além disso, os combates em Gaza vão continuar até que todos os objetivos da guerra sejam alcançados.”

Numa conferência de imprensa, o ministro do Interior libanês, Bassam Mawlawi, informou que cerca de 70100 pessoas deslocadas no Líbano estão alojadas em 533 abrigos e que cerca de 27 mil pessoas deixaram o Líbano, nos últimos três dias. Metade dessas pessoas são cidadãos sírios que regressaram ao país de origem, através dos postos fronteiriços oficiais.

Na verdade, desde 8 de outubro de 2023, tem havido fogo transfronteiriço quase diário entre Israel e o Hezbollah. E, nos últimos dias, os resultados catastróficos da guerra resultam do propósito, anunciado no dia 25, de Israel de proceder a uma eventual operação terrestre contra o Líbano, em retaliação dos rockets dali mandados contra objetivos israelitas.

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Hassan Nasrallah, de 64 anos, liderou o grupo militante libanês nas últimas três décadas, transformando-o num dos mais poderosos grupos paramilitares do Médio Oriente. Sob a sua liderança, o Hezbollah tem travado guerras contra Israel e participado no conflito na Síria, ajudando a fazer pender a balança do poder a favor do presidente Bashar Assad.

Estratega astuto, Nasrallah transformou o Hezbollah num arqui-inimigo de Israel, cimentando alianças com os líderes religiosos xiitas do Irão e com grupos palestinianos como o Hamas. Idolatrado pelos seus seguidores xiitas libaneses e respeitado por milhões de pessoas em todo o Mundo árabe e islâmico, Nasrallah é “Sayyid”, título honorífico que significa que a linhagem do clérigo xiita remonta ao profeta Maomé, o fundador do Islão.

Orador inflamado, visto como extremista nos EUA e o Ocidente, é tido como pragmático, em comparação com os militantes que dominaram o Hezbollah após a sua fundação em 1982, na guerra civil do Líbano. Apesar do seu poder vivia semiclandestino, por receio de assassinato.

Nascido em 1960 numa família xiita pobre do subúrbio de Sharshabouk, no Norte de Beirute, Nasrallah foi, mais tarde, para o Sul do Líbano. Estudou Teologia e aderiu ao movimento Amal, organização política e paramilitar xiita, antes de se tornar um dos fundadores do Hezbollah.

O Hezbollah foi formado por membros da Guarda Revolucionária Iraniana que chegaram ao Líbano, no verão de 1982, para combater as forças invasoras israelitas. Foi o primeiro grupo que o Irão apoiou e utilizou para exportar a sua marca de islamismo político.

Nasrallah construiu uma base de poder, à medida que o Hezbollah se tornou parte dum grupo de fações e de governos apoiados pelo Irão, conhecido como o Eixo da Resistência. Dois dias depois de o líder, Sayyed Abbas Musawi, de 39 anos, ter sido morto no ataque de um helicóptero israelita no Sul do Líbano, o Hezbollah escolheu Nasrallah como secretário-geral, em fevereiro de 1992. Cinco anos mais tarde, os EUA designaram o Hezbollah como organização terrorista.

Sob o comando de Nasrallah, o Hezbollah foi responsável pela guerra de desgaste que levou à retirada das tropas israelitas do Sul do Líbano, em 2000, após a ocupação de 18 anos. Hadi, o seu filho mais velho, foi morto em 1997, em combate contra as forças israelitas.

Após a retirada de Israel do Sul do Líbano, em 2000, Nasrallah ganhou estatuto icónico no Líbano e no mundo árabe. As suas mensagens eram transmitidas pela rádio e pela estação de televisão por satélite do Hezbollah. Esse estatuto foi reforçado, quando, em 2006, o Hezbollah lutou contra Israel até um impasse, na guerra de 34 dias. E, quando a guerra civil síria eclodiu, em 2011, os combatentes do Hezbollah foram em apoio das forças de Assad, apesar de a popularidade do Hezbollah ter caído a pique, quando os Árabes ostracizaram Assad.

Um dia depois do início da guerra entre Israel e o Hamas, o Hezbollah passou a atacar os postos militares israelitas fronteiriços, numa “frente de apoio” a Gaza. Em discursos, Nasrallah aduziu que os ataques transfronteiriços do Hezbollah tinham afastado as forças israelitas que, de outro modo, estariam concentradas no Hamas em Gaza e insistiu que o Hezbollah não pararia os ataques a Israel, enquanto não fosse alcançado um cessar-fogo em Gaza.

Nasrallah tem mantido um tom desafiador, mesmo quando as tensões aumentaram, com Israel a anunciar uma nova fase do conflito, destinada a afastar o Hezbollah da fronteira e a permitir o regresso de milhares de deslocados do Norte de Israel.

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Enquanto países da União Europeia (UE) instam os seus cidadãos a abandonar, imediatamente, o Líbano e Portugal já retirou os seus, o presidente dos EUA considerou “uma medida de justiça” o assassinato do líder do Hezbollah. “Hassan Nasrallah e o grupo terrorista que liderou, o Hezbollah, mataram centenas de americanos, num reino de terror que durou quatro décadas. A sua morte num ataque aéreo israelita é uma medida de justiça para muitas das suas vítimas, incluindo milhares de civis americanos, israelitas e libaneses”, afirmou o chefe de Estado norte-americano, em mensagem divulgada pela Casa Branca, reiterando que os EUA “apoiam totalmente o direito de Israel se defender do Hezbollah, dos Houthis e de qualquer outro grupo terrorista apoiado pelo Irão” e revelando ter ordenado, no dia 27, às forças norte-americanas no Médio Oriente que adotem uma “postura defensiva reforçada” destinada a “dissuadir agressões e reduzir o risco de uma guerra regional mais alargada”.

“O nosso objetivo é desescalar os conflitos que decorrem em Gaza e no Líbano pela via diplomática”, indicou Joe Biden na mensagem divulgada no site da Casa Branca.

Os EUA dizem querer, no Líbano, “um acordo que permita o regresso a casa” das populações no Norte de Israel e no Sul do Líbano, onde milhares de pessoas tiveram de abandonar as suas casas, devido aos confrontos entre as FDI e o Hezbollah. “Está na altura de fechar estes acordos, de retirar as ameaças a Israel e de trazer maior estabilidade ao Médio Oriente”, frisou Biden.

O presidente Biden sustenta que a morte de Nasrallah se insere num contexto mais lato iniciado com o massacre do Hamas, a 7 de outubro de 2023. “No dia seguinte, Nasrallah tomou a decisão fatídica de dar as mãos ao Hamas e abrir o que chamou uma ‘frente norte’ contra Israel”, afirmou.

Segundo as autoridades libanesas, mais de mil pessoas morreram, desde que Israel intensificou os ataques contra alegados alvos do Hezbollah. E, na Faixa de Gaza, o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas acusa os militares israelitas de terem feito mais de 41500 mortos.

Por sua vez, o chefe da política externa da UE, Josep Borrell, alertou para o facto de o Médio Oriente estar a caminhar para uma “guerra total”, na mesma noite em que Israel lançou ataques aéreos contra o quartel-general do Hezbollah na capital do Líbano.

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Enfim, é a guerra com os ingredientes próprios do belicismo refinado do século XXI!

2024.09.28 – Louro de Carvalho

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