O grupo militante Hezbollah confirmou, a 28 de setembro, a morte do seu
líder, horas após as Forças de Defesa Israelitas (FDI) garantirem que Sayyed
Hassan Nasrallah tinha morrido num ataque aéreo israelita em Beirute. Efetivamente,
numa publicação na rede social X, o
exército israelita escreveu que “Hassan Nasrallah deixará de aterrorizar o
Mundo”.
Segundo o exército israelita, também foram mortos, no referido ataque, Ali
Karki, o comandante da Frente Sul do Hezbollah, e outros comandantes do
Hezbollah.
Sayyed Hassan Nasrallah liderava o Hezbollah há mais de três décadas.
As forças armadas israelitas afirmaram ter efetuado um “ataque aéreo
preciso”, enquanto o comando do Hezbollah se reunia no seu quartel-general em
Dahiyeh, a Sul de Beirute, no dia 27.
O Ministério da Saúde libanês afirmou que seis pessoas morreram e 91
ficaram feridas nos ataques, que arrasaram seis edifícios de apartamentos. Horas
antes, alguns meios de comunicação social norte-americanos afirmavam que o
líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, tinha sido alvo de um ataque, mas as
autoridades israelitas ainda não tinham dado a confirmação.
A embaixada do Irão, em Beirute, disse que os ataques mudarão as “regras do
jogo” e o líder supremo do Irão, Khamenei, escreveu no X: “Por um lado, a matança de civis indefesos no Líbano revelou,
mais uma vez, a todos a natureza selvagem dos sionistas raivosos. Por outro
lado, provou como são míopes e insanas as políticas dos dirigentes do regime de
ocupação.”
Após o anúncio da morte de Nasrallah, Khamenei foi levado para uma zona
segura em parte incerta do Irão. Horas antes dos ataques, o primeiro-ministro,
Benjamin Netanyahu, dirigiu-se às Nações Unidas, prometendo que a campanha de
Israel contra o Hezbollah continuaria, diminuindo mais as esperanças de um
cessar-fogo apoiado internacionalmente. Netanyahu não se encontrou com António
Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), pois
interrompeu abruptamente a visita aos Estados Unidos da América (EUA), para
regressar a Israel.
Israel levou a cabo uma série de ataques aéreos contra o Hezbollah, no
dia 27 e na madrugada do dia 28, enquanto aquela formação político-militar
respondia com dezenas de rockets
contra Israel.
As forças armadas israelitas afirmaram que estavam a mobilizar soldados de
reserva adicionais à medida que as tensões aumentavam com o Líbano.
Efetivamente, o exército, na manhã do dia 28, disse estar a ativar três
batalhões de soldados de reserva, depois de ter enviado duas brigadas para o Norte
de Israel, no início da semana, para treinar para uma possível invasão
terrestre.
De acordo com o Ministério da Saúde libanês, de 23 de setembro a 28, mais de 720 pessoas foram mortas no
Líbano. Segundo a ONU, o número de pessoas deslocadas do Sul do Líbano, devido
ao conflito, mais do que duplicou, sendo atualmente mais de 211 mil. Pelo menos,
20 centros de cuidados de saúde primários foram encerrados em zonas duramente
atingidas do Líbano, segundo informou o Gabinete de Coordenação dos Assuntos
Humanitários das Nações Unidas. E, de acordo com a Organização Internacional
para as Migrações (OIM), mais de 200 mil pessoas foram deslocadas no Líbano,
desde que o Hezbollah começou a disparar rockets
contra o Norte de Israel, em apoio ao Hamas, desde o início da guerra em Gaza.
O Ministério da Saúde libanês informou que um total de 1540 pessoas foram mortas
dentro das suas fronteiras, durante esse período – quase metade das quais
durante a última semana, quando os ataques aéreos israelitas devastaram partes
do país.
Israel intensificou, drasticamente, os ataques contra alvos libaneses,
afirmando que tenciona eliminar as capacidades militares do Hezbollah e os seus
comandantes de topo. Portanto, a morte do líder do Hezbollah e dos comandantes
referidos não foi acidental. Altos responsáveis israelitas tinham ameaçado
repetir a destruição de Gaza, no Líbano, se os ataques aéreos do Hezbollah
continuassem. E os disparos do Líbano contra Israel prosseguiram no dia 27,
tendo um homem sofrido ferimentos provocados por estilhaços.
O exército israelita afirmou que quatro drones atravessaram a fronteira,
mas que todos foram intercetados. No início do dia 27, mais dez projéteis
chegaram a Israel vindos do Líbano, tendo alguns sido intercetados e outros
caído em campos abertos. Entretanto, durante a noite, um ataque aéreo israelita
na Síria matou cinco soldados do exército sírio e feriu outro, de acordo com a agência
noticiosa estatal síria SANA.
Os EUA, a França e outros aliados apelaram, conjuntamente, a um cessar-fogo
de 21 dias, tendo o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Líbano saudado a
proposta e condenado a “destruição sistemática de aldeias fronteiriças
libanesas”, por parte de Israel. Porém, Benjamin Netanyahu afirma que Israel
está a atacar o Hezbollah “com toda a força” e que não vai parar até atingir os
seus objetivos. Veículos militares israelitas foram vistos a transportar
tanques e veículos blindados rumo à fronteira Norte do país com o Líbano, e os
comandantes convocaram reservistas.
De facto, soube-se, a 26 de setembro, que os EUA e a França lideraram um grupo
de 12 países que se juntaram, no dia 25, para apelarem a um cessar-fogo de
21 dias, no Líbano, após a reunião de líderes mundiais, na Assembleia Geral da
ONU, em Nova Iorque. A pausa nos ataques permitira iniciar negociações para
aliviar as tensões crescentes no Médio Oriente, após os ataques israelitas
terem incendiado o Líbano.
Em resposta, o gabinete do primeiro-ministro israelita, que viajava para
Nova Iorque para participar na Assembleia Geral da ONU, garantia que não houve
qualquer acordo, pedindo aos militares que continuassem a lutar com “toda a
força” no Líbano. “As notícias sobre um
cessar-fogo não são verdadeiras. Trata-se de uma proposta americano-francesa,
à qual o primeiro-ministro nem sequer respondeu. As notícias sobre a suposta
diretiva para moderar os combates no norte também são o oposto da verdade”,
lia-se no comunicado, citado pelo jornal Haaretz,
que especificava: “O primeiro-ministro
deu instruções às FDI para prosseguirem os combates com toda a força e
de acordo com os planos que lhe foram apresentados. Além disso, os combates em
Gaza vão continuar até que todos os objetivos da guerra sejam alcançados.”
Numa conferência de imprensa, o ministro do Interior libanês, Bassam
Mawlawi, informou que cerca de 70100
pessoas deslocadas no Líbano estão alojadas em 533 abrigos e que cerca
de 27 mil pessoas deixaram o Líbano, nos últimos três dias. Metade dessas
pessoas são cidadãos sírios que regressaram ao país de origem, através dos
postos fronteiriços oficiais.
Na verdade, desde 8 de outubro de 2023, tem havido fogo transfronteiriço
quase diário entre Israel e o Hezbollah. E, nos últimos dias, os resultados
catastróficos da guerra resultam do propósito, anunciado no dia 25, de Israel
de proceder a uma eventual operação terrestre contra o Líbano, em retaliação
dos rockets dali mandados contra
objetivos israelitas.
***
Hassan Nasrallah, de 64
anos, liderou o grupo militante libanês nas últimas três décadas,
transformando-o num dos mais poderosos grupos paramilitares do Médio Oriente. Sob
a sua liderança, o Hezbollah tem travado guerras contra Israel e participado no
conflito na Síria, ajudando a fazer pender a balança do poder a favor do presidente
Bashar Assad.
Estratega astuto,
Nasrallah transformou o Hezbollah num arqui-inimigo de Israel, cimentando
alianças com os líderes religiosos xiitas do Irão e com grupos palestinianos
como o Hamas. Idolatrado pelos seus seguidores xiitas libaneses e respeitado por
milhões de pessoas em todo o Mundo árabe e islâmico, Nasrallah é “Sayyid”,
título honorífico que significa que a linhagem do clérigo xiita remonta ao profeta
Maomé, o fundador do Islão.
Orador inflamado, visto
como extremista nos EUA e o Ocidente, é tido como pragmático, em comparação com
os militantes que dominaram o Hezbollah após a sua fundação em 1982, na guerra
civil do Líbano. Apesar do seu poder vivia semiclandestino, por receio de
assassinato.
Nascido em 1960 numa
família xiita pobre do subúrbio de Sharshabouk, no Norte de Beirute, Nasrallah
foi, mais tarde, para o Sul do Líbano. Estudou Teologia e aderiu ao movimento
Amal, organização política e paramilitar xiita, antes de se tornar um dos
fundadores do Hezbollah.
O Hezbollah foi formado
por membros da Guarda Revolucionária Iraniana que chegaram ao Líbano, no verão
de 1982, para combater as forças invasoras israelitas. Foi o primeiro grupo que
o Irão apoiou e utilizou para exportar a sua marca de islamismo político.
Nasrallah construiu uma
base de poder, à medida que o Hezbollah se tornou parte dum grupo de fações e de
governos apoiados pelo Irão, conhecido como o Eixo da Resistência. Dois dias
depois de o líder, Sayyed Abbas Musawi, de 39 anos, ter sido morto no ataque de
um helicóptero israelita no Sul do Líbano, o Hezbollah escolheu Nasrallah como
secretário-geral, em fevereiro de 1992. Cinco anos mais tarde, os EUA
designaram o Hezbollah como organização terrorista.
Sob o comando de
Nasrallah, o Hezbollah foi responsável pela guerra de desgaste que levou à retirada
das tropas israelitas do Sul do Líbano, em 2000, após a ocupação de 18 anos. Hadi,
o seu filho mais velho, foi morto em 1997, em combate contra as forças
israelitas.
Após a retirada de
Israel do Sul do Líbano, em 2000, Nasrallah ganhou estatuto icónico no Líbano e
no mundo árabe. As suas mensagens eram transmitidas pela rádio e pela estação
de televisão por satélite do Hezbollah. Esse estatuto foi reforçado, quando, em
2006, o Hezbollah lutou contra Israel até um impasse, na guerra de 34 dias. E,
quando a guerra civil síria eclodiu, em 2011, os combatentes do Hezbollah foram
em apoio das forças de Assad, apesar de a popularidade do Hezbollah ter caído a
pique, quando os Árabes ostracizaram Assad.
Um dia depois do início
da guerra entre Israel e o Hamas, o Hezbollah passou a atacar os postos
militares israelitas fronteiriços, numa “frente de apoio” a Gaza. Em discursos,
Nasrallah aduziu que os ataques transfronteiriços do Hezbollah tinham afastado
as forças israelitas que, de outro modo, estariam concentradas no Hamas em Gaza
e insistiu que o Hezbollah não pararia os ataques a Israel, enquanto não fosse
alcançado um cessar-fogo em Gaza.
Nasrallah tem mantido
um tom desafiador, mesmo quando as tensões aumentaram, com Israel a anunciar
uma nova fase do conflito, destinada a afastar o Hezbollah da fronteira e a
permitir o regresso de milhares de deslocados do Norte de Israel.
***
Enquanto países da União Europeia (UE) instam
os seus cidadãos a abandonar, imediatamente, o Líbano e Portugal já retirou os
seus, o presidente dos EUA considerou “uma medida de justiça” o assassinato do
líder do Hezbollah. “Hassan Nasrallah e o grupo terrorista que liderou, o
Hezbollah, mataram centenas de americanos, num reino de terror que durou quatro
décadas. A sua morte num ataque aéreo israelita é uma medida de justiça para
muitas das suas vítimas, incluindo milhares de civis americanos, israelitas e
libaneses”, afirmou o chefe de Estado norte-americano, em mensagem divulgada
pela Casa Branca, reiterando que os EUA “apoiam totalmente o direito de Israel
se defender do Hezbollah, dos Houthis e de qualquer outro grupo terrorista
apoiado pelo Irão” e revelando ter ordenado, no dia 27, às forças
norte-americanas no Médio Oriente que adotem uma “postura defensiva reforçada”
destinada a “dissuadir agressões e reduzir o risco de uma guerra regional mais
alargada”.
“O nosso objetivo é desescalar os
conflitos que decorrem em Gaza e no Líbano pela via diplomática”, indicou Joe Biden
na mensagem divulgada no site da Casa
Branca.
Os EUA dizem querer, no Líbano, “um
acordo que permita o regresso a casa” das populações no Norte de Israel e no Sul
do Líbano, onde milhares de pessoas tiveram de abandonar as suas casas, devido
aos confrontos entre as FDI e o Hezbollah. “Está na altura de fechar estes
acordos, de retirar as ameaças a Israel e de trazer maior estabilidade ao Médio
Oriente”, frisou Biden.
O presidente Biden sustenta que a morte
de Nasrallah se insere num contexto mais lato iniciado com o massacre do Hamas,
a 7 de outubro de 2023. “No dia seguinte, Nasrallah tomou a decisão fatídica de
dar as mãos ao Hamas e abrir o que chamou uma ‘frente norte’ contra Israel”,
afirmou.
Segundo as autoridades libanesas, mais
de mil pessoas morreram, desde que Israel intensificou os ataques contra
alegados alvos do Hezbollah. E, na Faixa de Gaza, o Ministério da Saúde
controlado pelo Hamas acusa os militares israelitas de terem feito mais de 41500
mortos.
Por sua vez, o chefe da política
externa da UE, Josep Borrell, alertou para o facto de o Médio
Oriente estar a caminhar para uma “guerra total”, na mesma
noite em que Israel lançou ataques aéreos contra o quartel-general do Hezbollah
na capital do Líbano.
***
Enfim, é a guerra
com os ingredientes próprios do belicismo refinado do século XXI!
2024.09.28 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário