A 28 de maio, em Nova Iorque a União
Europeia (UE) e seis dos seus estados-membros ratificaram, formalmente, o
tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) para a proteção do alto mar,
comummente designado por Tratado do Alto Mar, compaginando a última vaga de
ratificações que antecede a importante Conferência das Nações Unidas sobre os
Oceanos, a realizar em Nice, França, no início de junho.
Este acordo internacional, que tem o
potencial de provocar significativa mudança nos esforços globais de conservação
dos oceanos, é visto como uma oportunidade crucial para salvaguardar partes do
oceano que se encontram além das fronteiras marítimas nacionais.
Para Costas Kadis, comissário europeu
responsável pelas Pescas e Oceanos, a iniciativa é um “passo histórico para a
proteção dos oceanos e para a preservação do delicado equilíbrio do ecossistema
do nosso planeta”.
A ratificação significa que a UE e os
seis estados-membros concordaram, formalmente, com o facto de o tratado se
tornar lei internacional vinculativa. Para tanto, é necessário
alinhar a legislação nacional com as disposições do Tratado. Em abril, a
Comissão Europeia apresentou a proposta de diretiva de transposição do Tratado
do Alto Mar para a legislação europeia. Na verdade, as zonas fora da jurisdição
nacional – incluindo o alto mar e os fundos marinhos – cobrem quase dois terços
dos oceanos do Mundo. Estas regiões enfrentam ameaças crescentes, devido à
poluição, à sobre-exploração, às alterações climáticas e à perda
de biodiversidade. E, atualmente, apenas cerca de 1% do alto mar está
protegido.
Após anos de negociações, foi
alcançado, em março de 2023, um consenso global sobre a necessidade de proteger
o alto mar. O texto do Tratado foi, formalmente, adotado em junho de 2023, na
sede da ONU, em Nova Iorque.
O acordo abre caminho à proteção da
vida marinha, em zonas fora das fronteiras marítimas nacionais, permite a
criação de áreas marinhas protegidas e apoia o objetivo global de salvaguardar,
pelo menos, 30% dos oceanos do Mundo, até 2030.
Para que o Tratado do Alto Mar se
torne direito internacional (é classificado como um “acordo misto”), tem de ser
ratificado separadamente pela UE e pelos seus estados-membros. Assim, a 28 de
maio, Chipre, a Finlândia, a Hungria, a Letónia, Portugal e a Eslovénia
juntaram-se à UE e apresentaram a sua ratificação. A França e a Espanha já o tinham
ratificado, no início deste ano.
Para entrar em vigor, o Tratado
requer a ratificação por 60 partes. Com estas últimas adesões, o número de
ratificações ascende a 29. Porém, um total de 115 países assinou-o, o que
indica o seu potencial empenhamento na ratificação. E a UE insta todas as
restantes partes a ratificá-lo, sem demora, na esperança de obter as 60 ratificações
necessárias para a sua entrada em vigor, até à Conferência das Nações Unidas
sobre os Oceanos, a realizar em Nice.
Nathalie Rey, Coordenadora Regional
Europeia da Aliança do Alto Mar, descreveu a ação da UE como “poderosa
aceleração” no sentido de atingir o limiar de ratificação, a poucos dias da referida
cimeira. “A liderança da UE é essencial para fazer face às crises da
biodiversidade e do clima. Esta medida corajosa envia uma mensagem clara de que
a proteção dos oceanos não é opcional, é uma prioridade global”, afirmou.
***
A este respeito, é de ter em conta o pensamento e as advertências do
irlandês Peter Hefferman, especialista em Ciência Marinha, que deixa críticas
aos avanços de Donald Trump, no atinente à mineração, em mar profundo, e apela aos
líderes europeus para assumirem a dianteira como “os maiores guardiões do
território oceânico”.
O ex-diretor
executivo do Marine Institute da Irlanda, que tem dado contributo ativo na
proteção dos oceanos, que integra a Missão da UE “Restaurar os nossos Oceanos e
Águas” e que é membro do Conselho de Administração da Fundação Oceano Azul, esteve
em Portugal, por ocasião da celebração dos 40 anos da Fundação
Luso-Americana para o Desenvolvimento para participar na Conferência “Breathing with the Ocean”, sobre
os desafios e as oportunidades dos recursos marinhos.
Em
entrevista à Euronews e ao
Nascer do SOL, no Museu
dos Coches, em Lisboa, falou do oceano,
como ligação entre Portugal e os Estados Unidos da América (EUA), e da
importância da sua conservação, deixando críticas aos avanços do presidente
norte-americano e apelos aos líderes europeus para se assumirem como os “guardiões
do território oceânico”.
Elege o oceano como
a “maior garantia para lidar com a crise climática”, por estar “intimamente
ligado ao clima” e por nos proteger, “absorvendo tanto calor, armazenando tanto
carbono” e por ser “uma grande parte das nossas soluções para lidar com o clima”.
Contudo, porque o temos perturbado o seu limite, “precisamos de reposicionar, [de]
respeitar e [de] cuidar desta nossa garantia de vida”, caso contrário, “o
futuro será negro”.
Sobre o que pode ser feito a esse nível, entende que os países, a UE e o Mundo, têm de “planear o oceano como parte do
nosso futuro” e de “governar de uma maneira muito mais responsável, de uma
forma muito mais unida”, cuidando da “nossa garantia de vida, o oceano”. Para
tanto, “é precisa dedicação séria, recursos sérios, foco sério e líderes sérios”.
E “é a hora de os líderes de toda a Europa se levantarem, para trazerem a
escuridão à luz”, sublinha.
Quanto ao papel de Portugal, como anfitrião da Conferência dos Oceanos
das Nações Unidas (UNOC2), considera que o nosso país “fez um trabalho maravilhoso, ao acolher a UNOC2”. E
explicitou: “Foi como um farol acendendo a luz, mostrando-nos o caminho a
seguir. Deu uma grande energia e autoridade aos líderes franceses, agora que
eles planeiam como a receber. E nós estamos muito confiantes em que a UNOC3, em
junho, marcará a declaração política mais significativa e um passo à frente, no
cuidado, na gestão e na proteção do oceano.”
Em termos do que está a ser feito na Europa, para restaurar os nossos
oceanos e águas, reporta-se ao relatório
do “Starfish” e ao Pacto Europeu para os Oceanos.
O relatório da explosão Starfish, teste nuclear realizado
pelos EUA, em 1962, publicado em 2006, descreve as medições da cavidade
diamagnética e o fluxo beta injetado no cinturão de radiação
artificial. Em 2020, foi publicado um relatório da Comissão Europeia,
sobre a Missão Starfish 2030, com o objetivo de restaurar os oceanos e as águas,
até 2030. E há um relatório da European Regions Research and Innovation Network
(ERRIN) sobre o diálogo com o Secretariado da Missão da Comissão Europeia sobre
a Missão Starfish, publicado em junho de 2021.
No dizer de Peter Hefferman, quando o relatório do
Starfish foi publicado, era um projeto ambicioso, “muito voltado para o futuro,
e tinha escala e impulso”, mas “é a hora, à medida que nos aproximamos do Pacto
Europeu para os Oceanos e dos anúncios a fazer pela presidente [da Comissão
Europeia,] Ursula von der Leyen, em Nice, de reencontrar aquela visão
visionária, ambiciosa, holística e uma abordagem integrada de todos os governos
para o oceano”. Já começámos, mas “temos um longo caminho a percorrer para
terminar”, vinca o cientista.
Há um objetivo a cumprir, que postula o aumento a ambição política, “o foco e as abordagens de toda a governação
em todos os países” da UE. E, porque “temos de ser os faróis para o Mundo,
porque somos os maiores guardiões do território oceânico”, cabe à UE “avançar
para este momento de liderança” e a cada um dos estados-membros “fazer parte
desse ímpeto, porque todos os países com água doce, água doce e oceano são um
só, estão todos ligados”. Ainda que estejamos “a mil milhas do oceano, o oceano
é parte da nossa vida”. Por isso, todos “precisamos de dar um passo em frente”.
Há “enormes
novas oportunidades associadas à economia do oceano”, de acordo com o
especialista em Ciência Marinha, para quem não há mudança na relação com o
oceano, “sem mudar o paradigma da nossa economia”, passando “de bases
destrutivas da indústria extrativa para outras que tenham respeito, sejam
circulares e renovem os potenciais de armazenamento de carbono do oceano”, pois
a energia oceânica é um “fator de mudança”, uma “alavanca” para a “segurança
energética”, para a “neutralidade de carbono” e para a “capacidade” de suprir
todas as “necessidades energéticas” e de exportar “energia limpa e neutra, em
termos de carbono”. Enfim, segundo Peter
Hefferman, “estes são os tipos de novas indústrias inovadoras que são
essenciais para um novo modelo económico diferente”, visto que “precisamos de
bioeconomias que se baseiem em técnicas não destrutivas de biotecnologia para a
produção de alimentos, para muitas indústrias diferentes, a partir de materiais
baseados na origem no oceano”.
Face ao aumento do nível do mar, a fenómenos climáticos extremos e à
subida das temperaturas dos oceanos, que também causam eventos meteorológicos
extremos, o cientista sustenta que, a menos que
sejamos sérios, sobre a redução do nosso impacto carbónico, “arriscamo-nos a
viver em condições cada vez piores”. E, advertindo que “a ciência não mente” e
que “é precisa”, frisa que “sabemos o suficiente para saber como mudá-la, o que
reverter e o que garantir para o nosso futuro”. Por isso, é “hora de começar”
de “ter a liderança política, a liderança do setor privado e o compromisso dos
cidadãos para fazerem isso, juntos”.
Em relação à conferência organizada pela FLAD e afirmando que participou,
recorda que esteve “envolvido
no estabelecimento da Declaração de Galway, a aliança para a investigação do
Oceano Atlântico, em 2013, entre a UE, o Canadá e os EUA, a qual teve grande
incremento, em 2017, através da Declaração de Belém, para se estender à África
do Sul e ao Brasil, e que, agora, é polo a polo, no Atlântico. Sustenta que, “em
momentos como este, precisamos de diplomacia como nunca” e que, agora, “precisamos
dessa compreensão transatlântica em parceria”. E considera que “a FLAD tem uma
grande História de união de parcerias” entre os EUA e a Europa e Portugal, em
particular. Todavia, a Irlanda, diz o cientista, com a maior diáspora da Europa
nos EUA, entende e fala o Inglês norte-americano tão bem como usa o linguajar
de Bruxelas.
***
Sobre a forma como vê a ordem executiva do presidente dos EUA para a
mineração no mar profundo, mostra-se convicto de que “os bens comuns do mar profundo pertencem à Humanidade”,
sendo “um presente geracional para todas as gerações futuras”, pelo que “precisamos
de respeitar a ciência, em torno de qualquer intrusão nos fundos comuns do
planeta”, e “precisamos de desenvolver a ciência que guardaria e salvaguardaria
quaisquer indústrias extrativas ou qualquer uso dos bens comuns”. Assim, opina
que “devemos ter uma abordagem conservadora para qualquer extração ou qualquer
mineração em alto mar”. Ou seja, não se deve fazer, “até que saibamos o
suficiente da ciência e do seu impacto potencial”, pois tal impacto não seria
circunscrito a um local. “O oceano é um só e isso afeta todos neste planeta”,
sublinha.
Ainda a respeito desta matéria, recorda que, entre a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar e a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, há “meios para governar
esta questão” e que “devem ser respeitados”.
Em termos das preocupações ambientais em relação à mineração no mar
profundo, diz que a mineração “perturba o
fundo do oceano que armazena carbono”. Ora, libertando carbono para a atmosfera,
“do qual a Natureza encontrou uma maneira de nos proteger”, na ótica do
cientista, introduzimos “plumas de sedimentos” e perturbamos “ecossistemas
intocados, sobre os quais não sabemos o suficiente, em primeira instância”. E,
porque “a biota, os micróbios, nesses fundos marinhos, desempenham uma escala
desconhecida de uma função em fazer todo o sistema funcionar”, há que entender
isso, “antes de permitir qualquer indústria extrativa ou prejudicial de
qualquer tipo, nessas áreas”, estabelece o especialista irlandês.
Interpelado sobre como vai a ordem executiva de Donald Trump abalar o jogo
de tabuleiro geopolítico, até porque os EUA abandonaram o Acordo de Paris, o
cientista é cuidadoso. Diz ter “trabalhado,
vivido e tido uma oportunidade única, na vida, nos anos 1980, para trabalhar
como cientista, nos EUA”, o que o leva a ter “enorme respeito pela escala da
ciência e pelas contribuições científicas” desse país, pois contribui “com 57%
de toda a capacidade de observação oceânica do planeta”. Porém, como foi
desligada a partilha dessa informação, “por uma ordem executiva” (era
impensável, há alguns meses), temos de lidar, na perspetiva do cientista, com
essa realidade. E, no dizer do próprio Peter
Hefferman, isso confere à Europa, “o maior estado oceânico do planeta”, a
oportunidade “de dar um passo à frente, [de] viver pelos nossos valores, [de] fornecer
liderança, [de] resgatar esses dados, em nome de toda a Humanidade, porque eles
servem a todos nós”.
E, porque isso também significará, para a Autoridade Internacional dos
Fundos Marinhos, avançar com a regulamentação da mineração no mar profundo”, o
entrevistado, considerando que a Autoridade
Internacional dos Fundos Marinhos “representa e age em nome e é composta pelos
estados-membros que fazem parte da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar”, tem “a capacidade de desenvolver protocolos e meios de governança
conscientes”. Por isso, ele pede à Autoridade dos Fundos Marinhos que dê “o passo
em frente” e que forneça aos estados-membros a informação necessária, a fim de contribuírem
para a prestação de garantias à proteção dos bens comuns do oceano.
Por fim, questionado sobre se países, como a China, podem tentar-se a
fazer o mesmo que os EUA, diz acreditar
que todos os países têm a capacidade e o potencial para cuidar das suas
gerações futuras, para fazer o certo por elas, o que implica “fazer o certo
pelo oceano, em todas as suas facetas”. E acredita “na Humanidade”, que pode
encontrar formas de fazer o certo, no tempo certo.
***
Em suma, a
preservação e a exploração equilibrada precisam de uma agenda ativa e
cautelosa, para que o oceano dê futuro às diversas gerações. E isso é
responsabilidade de todos: países (mesmo os não diretamente oceânicos),
organizações governamentais e não-governamentais, empresas, cientistas e
cidadãos.
2025.05.29 – Louro de Carvalho
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