O conceito agrovoltaico, também conhecido como agrofotovoltaico, refere-se à combinação da produção de energia solar com a agricultura, utilizando o mesmo espaço, a fim de gerar eletricidade e de produzir alimentos, para o que os painéis solares são instalados sobre áreas agrícolas, de modo a permitir a produção simultânea de energia e de alimentos e a enriquecer a diversidade da paisagem.
O setor agrícola europeu está no meio de uma significativa mudança, onde apenas 12% das explorações são geridas por agricultores com menos de 40 anos. Face ao envelhecimento da população agrícola, a nova Política Agrícola Comum (PAC) fez da renovação da geração, nas explorações agrícolas, um dos seus dez principais objetivos prioritários. Para tal, será necessário um amplo apoio à educação e à formação, bem como a facilitação da entrada de novos agricultores na indústria. Neste sentido, o uso de energia agrovoltaica, para apoiar a renovação geracional, desempenha papel crucial na facilitação do estabelecimento de jovens agricultores, na otimização e na transferência de produções agrícolas, oferecendo soluções de arrendamento de terras de longo prazo. Estas soluções são financiadas através da instalação de uma central agrovoltaica em parte do terreno.
Ana Batalha Oliveira, em artigo intitulado “Abelhas, vinha e gado. Os painéis solares estão mais ‘verdes’”, publicado a 24 de maio no ECO online e integrando a 14.ª edição do ECO magazine, considera os painéis solares “um novo elemento na paisagem” e sublinha a tentativa de melhor integração, rodeando-os “de espécies, que vão desde abelhas até às ovelhas e cavalos, passando pela viticultura”.
A este respeito, Susana Serôdio, coordenadora de Políticas e Inteligência de Mercado da APREN-Associação Portuguesa de Energias Renováveis, afirma que a maioria dos projetos centralizados de grande escala implementa medidas específicas para coexistir com a biodiversidade e com as atividades locais, para trazerem impactos positivos à região onde se inserem”.
Por exemplo, em Alcoutim, no Algarve, a Galp (grupo de empresas portuguesas no setor de energia) instalou o seu único parque solar de grande escala no país, com uma potência de 144 megawatts-pico (MWp). Porém, além da produção de energia, criou “um plano com o objetivo de, no final do projeto, o lugar onde jazem os painéis se encontrar em melhores condições, no que toca à biodiversidade, do que no momento da implementação do projeto, explica a empresa”.
A articulista explica o processo de execução do plano: instalação, em redor do parque, de abrigos para pássaros e para morcegos, “para que estes se possam reproduzir e repousar”, o que “atrai diferentes espécies para a área”; instalação de “hotéis para insetos”, que servem de refúgio a insetos polinizadores; tomada de “várias iniciativas para melhorar a qualidade do solo e para evitar a erosão, assim como promover a recuperação dos habitats naturais” (por exemplo, plantação e sementeira de plantas aromáticas e de prados); e monitorização, “através de análises ao solo ou da captura de dados acústicos”.
A mesma Galp tem vindo a desenvolver, numa vinha da Tapada da Ajuda, em parceria com o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa (ISA), um teste-piloto. Como explana Batalha Oliveira, “cobre-se a vinha com os painéis solares, reduzindo a radiação que chega às plantas, o que contribui para a qualidade da uva e do vinho”.
Por seu turno, a EDP, que está a testar, em parceria com a Universidade de Évora, as soluções agrícolas que melhor casem “com a produção de energia solar”, diz que “a conclusão e a divulgação deste estudo [estão previstas] para este ano, sendo o Alentejo o território pré-selecionado para testar um primeiro piloto”.
Já a Finerge tem, em Portugal, 12 centrais fotovoltaicas, distribuídas por sete concelhos, com uma capacidade instalada de 66,5 MWn. E, como observa a articulista, “estes parques, encontram-se a pastar ovelhas, cavalos, burros, póneis e vacas”. E a Finerge explicita que “todos os projetos com pastorícia são desenvolvidos com proprietários de terrenos arrendados ou com as comunidades locais”, a quem a empresa “cede as instalações para a prática de pastorícia, sem contrapartidas financeiras”.
Também Sara Hoya White, responsável de Meio Ambiente da Iberdrola, em Portugal, revela que “a Iberdrola conta com seis projetos fotovoltaicos em operação no país, e as iniciativas de biodiversidade acontecem em todos eles”. Assim, de acordo com a responsável, “nas Centrais Fotovoltaicas de Conde e de Algeruz, pastoreiam mais de 250 ovelhas, mas não estão sozinhas”, pois, “nos mesmos parques, foram colocados apiários, com 15 colmeias cada um, para a produção de mel e [para a] manutenção dos polinizadores, as abelhas, naquela área”, tendo, em 2024, a primeira colheita rendido “cerca de 300 quilogramas de mel”.
Ana Batalha Oliveira observa que “no futuro, a intenção é de expansão”. Com efeito, “a Finerge, além de estar a aplicar soluções em todas as centrais solares em operação, cria, desde logo, um plano de biodiversidade também para as centrais em fase de projeto”, embora reconheça que, “por vezes, é difícil encontrar pessoas locais com interesse ou com disponibilidade para atividades de pastorícia, [de] apicultura ou [de] agricultura nos solos das centrais solares”; a Galp, que aplica “os mesmos princípios em duas regiões espanholas”, garante qua a sua ambição “é expandir esta abordagem a outras regiões onde operamos”, apesar de realçar “a inevitabilidade de os resultados não serem imediatos”; e a APREN está no mesmo caminho, ainda que Susana Serôdio aponte a incerteza, “quanto à produtividade das colheitas, pois depende muito das necessidades de cada espécie e da forma como os painéis fotovoltaicos se posicionam”.
A responsável da APREN sustenta que “é necessário escolher culturas que prosperem em condições de luz reduzida ou difusa, combinações que precisam ainda de ser estudadas”. Por outro lado, chama a atenção para a não existência de “uma definição legal para o agrovoltaico, em Portugal, pelo que a prática não é reconhecida, formalmente”, não podendo, por isso, estes projetos “ser desenvolvidos em Reserva Agrícola Nacional [RAN], mesmo que possam trazer valor acrescentado à atividade agrícola”. E considera: “Estes projetos poderão ser impulsionados por enquadramento legal específico que promova sinergias entre as duas atividades económicas, fomentando os benefícios que a sua coexistência pode trazer.”
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A energia
agrovoltaica ou agrofotovoltaica é uma simbiose entre a agricultura e a produção
de energia renovável solar, cujo objetivo é perpetuar uma produção agrícola sustentável,
ao mesmo tempo que enfrenta os desafios das mudanças climáticas e da produção de
energia, devendo, para cada projeto agrofotovoltaico, ser analisados todos os
desafios e todas as oportunidades para criar um sistema bem-sucedido, operável
e resiliente. A energia agrovoltaica oferece a vantagem única de combinar a produção agrícola e de energia, num único terreno. Ao instalar painéis fotovoltaicos sobre terras agrícolas ou de pastagem, a eletricidade renovável pode ser gerada, enquanto sustenta e apoia a produção agrícola.
Não só é um grande facilitador para aumentar a produção de energias renováveis, sem criar conflitos de uso da terra, mas também aborda uma variedade de desafios enfrentados pelos agricultores, incluindo: a ajuda os agricultores a adaptarem-se às alterações climáticas e a reduzirem os seus impactos na produção agrícola; a melhoria do bem-estar animal e da proteção das culturas e dos frutos de perigos, como a seca, o granizo, e a geada, no final da primavera, entre outros; a garantia de rendimentos, a longo prazo, para os agricultores; e, ainda, a ajuda ao financiamento da instalação de jovens agricultores.
A energia agrovoltaica pode desempenhar um papel importante no cumprimento das metas de transição energética. A este respeito, o Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia afirma que “só a agrovoltaica pode ultrapassar os objetivos da UE [União Europeia] para 2030 fotovoltaicos”: “cobrir apenas 1% da área agrícola utilizada (UAA) com sistemas agrovoltaicos pode resultar em 944 GW de corrente contínua de capacidade instalada”.
Recentemente, vários países europeus, como a França e a Itália, emitiram regulamentos e diretrizes claras, fornecendo um quadro claro para o desenvolvimento em larga escala da energia agrovoltaica.
A variedade e adaptabilidade das soluções agrovoltaicas permitem e postulam que estas sejam personalizadas, para atender às necessidades e às restrições únicas de diferentes modelos de cultivo, sejam lavouras, frutas ou pecuária. Não existe uma solução única para todos.
Isto postula o desenvolvimento de uma abordagem sistémica que analise e especifique todos os aspetos agrícolas importantes de cada projeto. Essa abordagem tem de garantir: uma análise abrangente e personalizada do modelo de agricultura; a utilização de uma ampla gama de soluções flexíveis adaptadas às necessidades específicas de cada terreno; e a colaboração de e com agricultores, em escolhas de design e implementação.
Há, neste âmbito, quatro vertentes a considerar: a do lado animal, que implica a priorização do bem-estar e do comportamento animal residente ou visitante; a do lado agronómico, que requer a otimização das práticas de semeadura para o solo, para o clima e para a nutrição animal; a do lado técnico, que exige a adaptação da planta agrovoltaica para a integração perfeita nas operações agrícolas; e a do lado social, que propõe uma solução integradora projetada para enfrentar desafios agrícolas, como os riscos climáticos e a instabilidade do mercado.
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Em suma, o conceito agrovoltaico destaca as sinergias entre a agricultura
e a produção de energia, que formam uma colaboração benéfica para um futuro sustentável.A sua aplicação permite que o mesmo espaço seja utilizado para a produção de energia renovável, através dos painéis solares, e para o cultivo de alimentos.
Este sistema promove a sustentabilidade, aproveitando recursos, de forma eficiente, e reduzindo a necessidade de ocupar novas áreas para agricultura ou para a geração de energia.
Os painéis solares, ao fornecerem sombra parcial, podem ajudar a reduzir a evaporação da água, a proteger as plantas de condições climáticas extremas e, em alguns casos, até a aumentar a produtividade agrícola.
O sistema agrovoltaico pode ser implementado em diversos tipos de cultivos, desde vegetais e grãos até pastagens para o gado.
Embora promissor, o sistema agrovoltaico apresenta alguns desafios, como a necessidade de adaptação dos painéis solares às necessidades específicas de cada tipo de cultivo e a otimização da altura e do espaçamento dos painéis, para garantir que as plantas recebem a quantidade de luz solar adequada, bem como uma inteligente arquitetura de integração paisagística.
O clima e a transição energética agradecem!
2025.05.24 – Louro de Carvalho
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