segunda-feira, 5 de maio de 2025

A instituição do Dia Mundial da Língua Portuguesa pela UNESCO

 

Não se trata já só de um dia da Língua Portuguesa, criado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e respeitante apenas aos seus estados-membros. O dia 5 de maio de cada ano é, oficialmente, o Dia Mundial da Língua Portuguesa.

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A 20 de julho de 2009, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, na sua XIV Reunião Ordinária, o Conselho de Ministros da CPLP deliberou instituir o dia 5 de maio, como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, bem como recomendar aos estados-membros, às instituições da CPLP, aos observadores associados e consultivos e às diásporas dos países da CPLP, a comemoração do Dia da Língua Portuguesa, com vista à sua afirmação crescente nos estados-membros e na comunidade internacional.

A deliberação sustentava-se na consciência de que a “Língua Portuguesa constitui um património cultural comum” e de que “a diversidade linguística e cultural dos estados membros constitui um dos pilares da CPLP”. Por outro lado, na Declaração Constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de 17 de Julho de 1996, os chefes de Estado e de Governo, reafirmaram que “a Língua Portuguesa constitui, entre os respetivos povos, um vínculo histórico e um património comum resultantes de uma convivência multissecular”, sendo “um meio privilegiado de difusão da criação cultural entre os povos que falam Português e de projeção internacional dos seus valores culturais, numa perspetiva aberta e universalista”, bem como, no plano mundial, o “fundamento de uma atuação conjunta cada vez mais significativa e influente”.

O Conselho de Ministros da CPLP recordava que o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), criado a 1 de novembro de 1989, “é a Instituição da CPLP que tem como objetivos a planificação e a execução de programas de promoção, de defesa, de enriquecimento e de difusão da Língua Portuguesa como veículo de cultura, de educação, de informação e de acesso ao conhecimento científico, tecnológico e de utilização em fóruns internacionais”.

Os ministros da Cultura da CPLP, na sua IV Reunião, em maio de 2005, “decidiram declarar o dia 5 de maio, data da I Reunião dos Ministros da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, como “Dia da Cultura da CPLP”.

Os chefes de Estado e de Governo da CPLP, em julho de 2008, adotaram a Declaração sobre “A Língua Portuguesa: um Património Comum, um Futuro Global”.

E a Declaração Final da Reunião Extraordinária de ministros da Educação e da Cultura da CPLP, de novembro de 2008, no âmbito da afirmação, promoção e valorização internacional da Língua Portuguesa, mandatou o Secretariado Executivo da CPLP para que apresentasse ao Conselho de Ministros da CPLP a proposta de instituição de um Dia da Língua Portuguesa.

Foi, pois, sob a designação de Dia da Língua Portuguesa que o 5 de maio foi celebrado, debatido e enriquecido durante uma década.

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Porém, a 12 de novembro de 2019, a 40.ª sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), na sequência da decisão do seu Conselho Executivo, na sua 207.ª sessão (207 EX/Decisão 43) decidiu proclamar o dia 5 de maio de cada ano como o Dia Mundial da Língua Portuguesa e convidou o diretor-geral a promover a sua celebração e a incentivar os estados-membros, especialmente, os da CPLP, e outras partes interessadas a participarem no evento da forma que cada um considerar mais adequada e sem quaisquer implicações financeiras para o orçamento regular da UNESCO.
A tão aguardada proclamação estribou-se nos fundamentos seguintes:
 1. A Língua Portuguesa é uma das línguas mais utilizadas da família indo-europeia, uma das mais difundidas no Mundo, com mais de 265 milhões de falantes, a mais falada no Hemisfério Sul e com os seus usuários espalhados por todos os continentes.
2. Foi a língua da primeira globalização da era moderna e de grande encontro cultural e civilizacional, tornando-se a língua da recém-criada economia global e do fluxo bidirecional de ideias, de filosofias e de produtos culturais, tendo deixado a sua marca, direta e indireta, em muitas outras línguas, no Mundo, tendo sido marcada por muitas delas, com a adoção de novas palavras, entretanto adotadas por outras línguas, nomeadamente, europeias.
3. É ensinada, oficial e extraoficialmente, em muitos países do Mundo, sendo a língua oficial de nove Estados – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste –, bem como uma língua oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), na China, uma das línguas oficiais das organizações continentais União Africana (UA), Organização dos Estados Americanos (OEA), União Europeia (UE) e de múltiplas organizações regionais e a língua oficial da Conferência Geral da UNESCO.
4. A língua não é só ferramenta de comunicação, mas também é veículo de todo um nexo de expressões culturais, que transmite identidade, valores e visões do Mundo, contendo diversidade cultural e diálogo entre civilizações; uma ponte que permite relações mais próximas entre sociedades, uma diversidade mais rica de formas de expressão e a interação e a troca de apoio e de empoderamento. Ora, o Português ocupa um lugar central nessa abordagem, tendo em vista a sua História, a sua Geografia, o seu acervo lexical de outras línguas e os seus próprios termos e expressões que enriqueceram outras línguas.
5. O multilinguismo, valor fundamental da Organização das Nações Unidas (ONU), é fator essencial para a comunicação harmoniosa entre os povos, que promove a unidade na diversidade e a compreensão internacional, a tolerância e o diálogo. Por isso, a Assembleia Geral da ONU, pela resolução 71/328, de 11 de setembro de 2017, sobre multilinguismo, saudou a implementação de um dia dedicado a cada uma das suas línguas oficiais, a fim de informar e de conscientizar sobre a sua História, a sua cultura e o seu uso, encorajando o secretário-geral e instituições como a UNESCO a estenderem essa iniciativa a outras línguas não oficiais faladas em todo o Mundo.
6. Também a UNESCO tem a diversidade linguística e o multilinguismo como domínios de importância estratégica que a Organização promove em todos os campos do seu mandato, através de uma abordagem interdisciplinar que envolve todos os setores programáticos. Há uma crescente consciência de que as línguas desempenham papel vital no desenvolvimento, não só para garantir a diversidade cultural e o diálogo intercultural, mas também para alcançar uma educação de qualidade para todos e reforçar a cooperação, na construção de sociedades do conhecimento inclusivas, na preservação do património cultural e na mobilização da vontade política para aplicar os benefícios da ciência e da tecnologia ao desenvolvimento sustentável.
7. A CPLP foi criada, em 1996, como um fórum multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da consulta político-diplomática e da cooperação entre os seus membros, cujos povos têm a Língua Portuguesa como um dos fundamentos das suas identidades específicas. A Declaração Constitutiva da CPLP reafirma que “a Língua Portuguesa é um meio privilegiado de difusão da criação cultural entre os povos que a falam e de projeção internacional dos seus valores culturais, numa perspetiva aberta e universalista”.
8. Em 2000, foi assinado um acordo de cooperação entre a CPLP e a UNESCO, com vista a promoção de objetivos comuns, de acordo com os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, na Constituição da UNESCO e na Declaração Constitutiva da CPLP.
9. Desde 2005, os estados-membros da CPLP celebram o dia 5 de maio como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura Lusófona e, já em 2006, teve lugar a primeira comemoração da Língua Portuguesa na sede da UNESCO, por iniciativa daqueles países. Em 20 de julho de 2009, o Conselho de Ministros da CPLP adotou uma resolução que institui, oficialmente, o dia 5 de maio como Dia da Língua e da Cultura Portuguesas na CPLP.
Assim, após a apresentação deste rico historial de relativamente poucas décadas, subsequentes a séculos de afirmação do Português, a UNESCO instituiu e recomenda a celebração o Dia Mundial da Língua Portuguesa, por meio de uma série de apresentações musicais, de leituras de livros, de concursos, de espetáculos culturais, de exposições de arte, de palestras, de peças de teatro e de outras apresentações e eventos culturais e populares, tornando mais conhecido o tesouro cultural e social da língua em questão, como “uma expressão da diversidade cultural dos países que a falam, bem como uma oportunidade para aumentar a conscientização sobre [esta] língua e [sobre] a sua contribuição para a civilização humana”.
Todavia, ficou estabelecido que a proclamação do Dia Mundial da Língua Portuguesa não terá impacto financeiro para a UNESCO, pois as atividades conexas com a celebração da efeméride, na UNESCO serão suportadas, financeiramente, pelo Grupo CPLP na UNESCO.
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Assim, a UNESCO reconhece o papel e a contribuição da Língua Portuguesa para a preservação e disseminação da civilização e da cultura humanas, tal como a reconhece como instrumento oficial de comunicação em diversos países e organizações internacionais. Além disso, sustenta que a Língua Portuguesa contribui como resposta à necessidade de implementar uma cooperação mais abrangente entre os povos, através do multilinguismo, da aproximação cultural e do diálogo entre civilizações, em consonância com o estabelecido na Constituição da UNESCO. Para tanto, conta com as garantias dos Estados que têm o Português como língua oficial, quanto à salvaguarda, à conservação e à celebração da língua, e com o seu empenho ativo na promoção e na participação do Dia Mundial da Língua Portuguesa – garantias que a UNESCO analisou.

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Em 2025, o Dia Mundial da Língua Portuguesa foi marcado por uma iniciativa especial da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), aliada ao V Centenário do Nascimento de Luís de Camões, ícone literário da Língua Portuguesa, integrando a atividade “Latitudes da Língua Portuguesa” na iniciativa “Camões, engenho e arte”, com o objetivo de “afirmar a Língua Portuguesa como uma plataforma global de entendimento e de partilha entre alunos e entre escolas de diversas regiões e culturas, bem como de fortalecer os laços culturais e educacionais entre diferentes comunidades lusófonas e o de promover a Língua Portuguesa como um elemento de união entre povos.​

Propôs-se estabelecer ligações entre alunos de escolas do território nacional e de países ou regiões onde se fala ou ensina a Língua Portuguesa. As interações ocorreram de forma virtual (por videoconferência ou e-mail) ou não virtual (via correspondência postal). E foram realizadas diversas atividades, como videoconferências entre escolas, preparação e troca de materiais, exposições, encontros com escritores lusófonos, conferências e palestras.
Entre as atividades desenvolvidas em torno da efeméride, destaca-se o concurso literário “Contos do Dia Mundial da Língua Portuguesa”, iniciativa conjunta da Porto Editora, do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. e do Plano Nacional de Leitura, com o objetivo maior de promover a Língua Portuguesa no Mundo, através do estímulo à criação literária.
Este concurso, cujo padrinho foi o escritor e editor Rui Couceiro, versou o tema “Inclusão” e dirigiu-se a alunos que frequentem cursos de Língua e Cultura Portuguesas na rede de Ensino Português no Estrangeiro, em leitorados do Camões, I.P. e em universidades com Centros de Língua Portuguesa (CLP) do Camões, I.P.
Porém, a sessão solene do 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa e Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, em 2025, decorreu em São Tomé, cidade capital de São Tomé e Príncipe, atual sede da presidência em exercício CPLP. A abertura esteve a cargo do diretor-geral da CPLP, embaixador Armindo Fernandes, e o discurso de encerramento foi proferido pelo Presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova. E a sessão teve a intervenção do músico brasileiro Vinícios Terra, momentos de danças tradicionais pelo Grupo Legi Tela e um desfile de moda pela estilista Antonieta Almeida.

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Este dia faz-me lembrar o português António Ferreira (Lisboa, 1528 - 1569), escritor e humanista, considerado um dos maiores poetas do nosso classicismo renascentista, conhecido como o Horácio português. Como discípulo mais destacado do poeta Francisco Sá de Miranda, destacou-se na elegia, na epístola, nas odes e no teatro. Todavia, a sua obra mais conhecida é “A Castro” ou “Tragédia de Inês de Castro” (a primeira tragédia escrita em Português: até então, as tragédias eram escritas em Latim), de inspiração clássica, escrita em verso polimétrico em cinco actos, na qual aparece um coro à boa maneira grega. Versa o tema dos amores do príncipe D. Pedro, futuro rei de Portugal pela nobre galega D. Inês de Castro e o assassinato desta em 1335, por razão de estado, por ordem do rei D. Afonso IV, pai do príncipe, e que foi, depois, um dos mais tratados pelos dramaturgos europeus.
Esta tragédia só foi impressa em 1587. E o seu filho, Miguel Leite Ferreira, procedeu à edição póstuma dos seus poemas, em Lisboa, em 1598, sob o título de “Poemas Lusitanos”, uma coletânea que inclui muita da sua obra, e as suas comédias apareceram em 1621, juntamente com as de Francisco de Sá de Miranda.
Aqui se deixa um poema seu em louvor da Língua Portuguesa:

 Língua Portuguesa


Floresça, fale, cante, oiça-se e viva

a portuguesa língua, e já onde for,

senhora vá de si, soberba e altiva!

Se até aqui esteve baixa e sem louvor,

culpa é dos que a mal exercitaram,

esquecimento nosso, e desamor! 

 

Mas tu farás que os que mal julgaram

e ainda as estranhas línguas mais desejam,

confessem cedo, ante ela, quanto erraram;

e os que depois de nós vierem, vejam

quanto se trabalhou por seu proveito,

porque eles para os outros assim sejam.

 

Se me enganei, se tive mau respeito,

Andrade, tu o julga. Mas espero

de te ser este meu desejo aceito.

E, enquanto mais não peço, isto só quero.

 

António Ferreira, In “Carta a Pêro Andrade Caminha”, retirado do livro “Ditosa Pátria Selecta Portuguesa”, de Júlio Martins e Manuel da Silva, publicado em 1951.

2025.05.05 – Louro de Carvalho


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