Portugal, como país democrático perspetivado numa ótica humanista, tem obrigação de acolher quem chega em situação de penúria, por causa da fome, da intempérie e da guerra, bem como aqueles e aquelas que, de forma justa, procuram o nosso país, com vista à aquisição de melhores condições de vida. Além disso, os imigrantes são forte mais-valia no suprimento das necessidades de mão-de-obra, no estímulo ao consumo e no reforço das contas da Segurança Social.
Contudo, alinhado com a tendência crescente, na União Europeia (UE) da obstaculização à permanência de imigrantes nos territórios dos seus estados-membros, Portugal tem discutido a permanência de imigrantes no país, sem otimizar as condições para fixar trabalhadores no nosso território e, muito menos, incentivar o regresso dos muitos portuguese que emigraram. Ora, se é justa a emigração dos nossos compatriotas, também o será o acolhimento, a inclusão e a integração no território português de pessoas que o procuram. É óbvio que têm de cumprir as nossas leis e regulamentos, mas devem poder viver, quanto possível, segundo a sua cultura, sem entrar em conflito com os nossos costumes e usos.
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Entretanto, o governo de Portugal
anunciou, a 3 de maio, planos para expulsar cerca de 18 mil estrangeiros que
vivem no país sem licença ou sem autorização legal. Melhor, eufemisticamente, o
ministro da Presidência, António Leitão Amaro, disse que o governo irá emitir
cerca de 18 mil notificações aos imigrantes ilegais, pedindo-lhes que abandonem
o país.De acordo com o governante, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) recebeu indicações para começar, na semana seguinte, a pedir aos primeiros 4500 imigrantes sem documentos que partam, voluntariamente, no prazo de 20 dias. Trata-se, sobretudo, de cidadãos que foram impossibilitados de permanecer no Espaço Schengen por outros países europeus, o que os impossibilita de obter autorização de residência em território português.
Na semana anterior, Leitão Amaro foi citado, na imprensa local, a referir que “Portugal precisa de rever o sistema de deportação, que não funciona”. “É importante perceber que Portugal é um dos três países da Europa que menos deportações executa de pessoas que são obrigadas a sair por violarem as regras Esta determinação do governo foi conhecida antes do começo da campanha eleitoral (iniciada, oficialmente, a 4 de maio) para as eleições de 18 de maio, convocadas, em março, pelo Presidente da República, após o governo minoritário da Aliança Democrática (AD), de centro-direita liderado pelo primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, presidente do Partido Social Democrata (PSD), e secundado pelo partido do Centro Democrático Social (CDS), ter visto uma moção de confiança rejeitada na Assembleia da República (AR).
Luís Montenegro, que assumira o poder executivo, a 2 de abril de 2024, viu ser-lhe apontado potencial conflito de interesses, relativamente à Spinumviva, empresa familiar, que teria recebido pagamentos de uma empresa com importante concessão de jogos concedida pelo governo. E, para “dissipar a incerteza” sobre a legitimidade da sua governação, o PM não se contentou com o facto de duas moções de censura, em pouco espaço de tempo, terem sido rejeitadas na AR. Resolveu, dramaticamente, apresentar à AR uma moção de confiança, que foi rejeitada por uma maioria parlamentar, liderada pelo Partido Socialista, a que se associou o partido Chega.
O próximo escrutínio lança o país de 10,6 milhões de habitantes em incerteza, enquanto investe mais de 22 mil milhões de euros em fundos de desenvolvimento da UE, para reequipar a economia. E a AD – PSD-CDS quer aumentar o score na AR: 80 deputados são muito pouco.
Os analistas políticos têm registado, com preocupação, a crescente onda de populismo europeu, no país, com a subida do Chega, de extrema-direita, para o terceiro lugar, nas eleições de 2024. E, desde a transição para a democracia, na sequência da Revolução dos Cravos de 1974, que pôs fim à ditadura de quatro décadas, Portugal não viveu uma turbulência política como a que está a viver. A queda do governo marca o pior período de instabilidade política em democracia.
No debate televisivo entre os oito líderes dos partidos com assento parlamentar, a imigração foi tema quente, após o governo ter anunciado planos para imigrantes.
O líder da AD foi o alvo de crítica da esquerda à direita, sob a acusação de eleitoralismo e de propaganda, numa disputa pelos eleitores do Chega, que nem elogiou a medida. Porém, no contra-ataque, Luís Montenegro responsabilizou o PS e os governos de António Costa pela situação a que o país chegou, alegando que o PS deixou o país numa situação de “balbúrdia”, com 400 mil processos de imigrantes por regularizar e com as portas escancaradas. Por isso, na sua ótica, só está a correr “o processo de regularização e de normalização dos imigrantes” e a lei é para cumprir. Ao mesmo tempo, acusou o líder do PS, Pedro Nuno Santos, de ziguezaguear, nesta matéria, depois de ter admitido que o governo do PS não fez tudo bem e que a manifestação de interesse já não era um mecanismo útil, neste momento.
O governo confirmou, entretanto, que 4574 pessoas foram notificadas para abandonar o país pela AIMA. Cerca de 3800 foram indeferidos, por se terem encontrado em situação de ilegalidade noutro estado-membro da UE. Segundo o ministro da Presidência, trata-se de um primeiro grupo de imigrantes que já viram os seus pedidos de permanência no país recusados, grupo que fará parte da lista de 18 mil pessoas “com recusas já decididas”. Os restantes deverão ser notificados muito em breve. As pessoas notificadas têm 20 dias para abandonarem, voluntariamente, o país. Se não o fizerem, seguir-se-á o processo de deportação.
Para o executivo, com isto, mostra-se que “a política passou a ser de imigração regulada”. São pessoas com ordens de saída da Europa emitidas por outros países europeus, tinham proibições de entrada ou foram identificadas situações criminais nos seus registos, que lhes inviabilizam a autorização de residência, devendo ser notificadas para abandonar o território.
Destes 18 mil indeferimentos de manifestações de interesse que geram as notificações de abandono do território nacional, 75% (13393) são imigrantes oriundos do subcontinente indiano (na maioria, da Índia e do Bangladesh, sendo o restante do Paquistão, do Nepal e do Sri Lanka). Menos de 2,5% (449) são dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), quase sem expressão estão Moçambique e Cabo Verde. Já 7%, 1209, são de outros países africanos (não Lusófonos, especialmente, do Magrebe). Os restantes são da América Latina e da Ásia.
Em 2024, o número de estrangeiros, em Portugal, era de cerca de 1,6 milhões, como revelou o relatório intercalar da AIMA. Desde 2016, o número de notificações tem vindo a decrescer, ano após ano (com a exceção de 2019), apesar de o número de estrangeiros ter vindo a crescer.
A criação do regime da Manifestação de Interesse, em 2017, e a sua alteração, em 2019, passou a dar uma via de regularização para os cidadãos estrangeiros em situação ilegal, pelo que o número de estrangeiros a residir em Portugal cresceu, exponencialmente, de pouco mais de 400 mil para os atuais quase 1,6 milhões. E as notificações de retorno foram-se reduzindo: de 2019 para 2024, passaram 10%, com o número de estrangeiros a quase triplicar. Em 2024, houve apenas 447 notificações. Porém, os números podem não ficar por aqui, pois estão em processo cerca de 110 mil processos e mais de 171 mil imigrantes (43% dos cerca de 440 mil requerentes que aguardavam legalização) que tencionavam residir legalmente em Portugal viram os seus processos de regularização extintos por não terem pago as taxas obrigatórias exigidas pela AIMA, o que os põe em risco de deportação, se forem localizados pelas autoridades.
As taxas em causa variam conforme a nacionalidade do requerente. Para cidadãos oriundos do Brasil e dos PALOP, o valor não ultrapassa os 57 euros. Já para requerentes de outras origens, a taxa pode ascender aos 397 euros.
Segundo o Jornal de Notícias (JN), entre os milhares que falharam o pagamento estarão imigrantes em situação de vulnerabilidade financeira e muitos que não receberam notificação para o efeito, por já não viverem na morada indicada no processo ou que, entretanto, terão deixado Portugal, para se estabelecerem noutros países europeus.
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As notificações de retorno de estrangeiros passaram para 10%, quando o
número de imigrantes quase triplicou. O governo alega ter pretendido pôr ordem
na casa.Portugal tem 1546521 de imigrantes, com a entrada anual de mais de 100 mil. Estão a suprir necessidades de mão-de-obra, a estimular o consumo e a reforçar as contas da Segurança Social e do fisco. Por exemplo, em 2024, os imigrantes deram um saldo positivo de 3600 milhões de euros à Segurança Social, representando 12,4% das contribuições totais.
As estatísticas divulgadas, em abril, no relatório “População Estrangeira em Portugal”, da AIMA, davam conta de que poderão ser mais de 1,6 milhões, em breve, o que se deve aos cerca de 50 mil imigrantes, abrangidos pelo “regime transitório” criado pela AR, que estavam em Portugal, antes de 3 de junho de 2024, e que apresentaram pedido de regularização. Se se confirmarem as previsões, a população estrangeira chegará a representar cerca de 15% dos 10,6 milhões de residentes registados em Portugal, um aumento que quadruplica os valores de 2017.
Quando o governo da AD iniciou funções, havia mais de 400 mil processos pendentes relativos a imigrantes em território nacional, herdados do executivo anterior. Porém, em junho de 2024, o ministro da Presidência criou uma estrutura de missão para dar andamento mais rápido aos processos. O trabalho, liderado por Luís Goes Pinheiro, arrancou em setembro e conta com mais de 220 mil imigrantes atendidos em todo o território.
Esta task force foi uma das 41 medidas do Plano de Ação para as Migrações, anunciado a 3 de junho. A primeira medida legal foi a cessação do mecanismo da manifestação de interesse, do governo do PS, que permitia a qualquer estrangeiro entrar em Portugal e pedir a regularização no país, desde que inscrito e com situação regularizada ante a Segurança Social e mediante contrato de trabalho ou a recibo verde. Era o meio mais utilizado para permanecer em Portugal e apontado pelo atual governo como a causa de descontrolo na imigração.
O relatório de avaliação sobre a Gestão das Migrações em Portugal, da Associação Para Memória Futura SEF (APMFSEF), revela que, desde 2017, foi registado mais de um milhão de manifestações de interesse. Com a revogação, a 3 de junho de 2024, do regime da manifestação de interesse, houve a redução de 59% no fluxo de entradas. “Verificou-se que o fluxo de entrada de cidadãos estrangeiros que tinham em vista a obtenção de uma autorização de residência passou de 156951 no 1,º semestre de 2024, para 64848 no 2.º semestre”, lê-se no relatório.
Para o governo, o fluxo de entradas corresponde à soma dos registos de manifestação de interesse no período em causa com o total de vistos de procura de trabalho e de vistos de residência de todas as tipologias. Desde setembro de 2024, das 446921 manifestações de interesse pendentes, foram agendadas 261101 pessoas e 241183 foram atendidas presencialmente. Não responderam ao contacto da AIMA 177026 imigrantes, cujos processos foram extintos.
No âmbito dos mais de 440 mil processos que se encontravam pendentes de tratamento, que estão a ser instruídos pela Estrutura de Missão da AIMA, foi constituído um grupo específico para monitorizar os processos que foram indeferidos por várias razões: terem medidas cautelares por terem estado irregulares noutros países do Espaço Schengen, não terem o registo criminal limpo ou não terem apresentado os documentos necessários.
Dos processos com proposta de decisão negativa, que totalizam cerca de 18 mil, resultam 4579 decisões definitivas de indeferimento, de que haverá notificação para o abandono voluntário do território, conforme é exigido pela lei. Destes, 3778 foram indeferidos por se terem encontrado em situação de ilegalidade noutro estado-membro da UE. A notificação dá o prazo de 10 a 20 dias para abandonarem o país. Se não o fizerem, é aberto processo de afastamento coercivo.
O governo alega que, há vários anos, a Comissão Europeia tem vindo a pedir a Portugal que reforce a capacidade de retorno e que “avaliou muito negativamente Portugal neste parâmetro, durante a avaliação Schengen”. “Quando o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] ainda não tinha sido destruído pelo PS e funcionava, no início do período Antonio Costa, e fazia os afastamentos de quem não cumpre as regras, também eram deportações à Trump?”, questiona o executivo, denunciando que o regime de manifestação de interesse e a falência do SEF levaram à situação de irregularidade, pois os visados poderiam submeter uma manifestação de interesse e interromper o afastamento. Ora, após o desinvestimento nesta matéria e da extinção do SEF, o retorno diminuiu. Portugal deixou de fazer a sua parte na política migratória lusa e da UE.
Em 2016, antes da extinção do SEF (em 2023) e um ano antes da criação do regime da manifestação de interesse (2017), registou-se o número mais elevado de notificações de abandono (5470), até à data. Havia, em Portugal, 400 mil estrangeiros, um quarto dos atuais.
Desde 2016, o número de notificações vem decrescendo, ano após ano (exceto 2019), apesar de o número de estrangeiros crescer acentuadamente. O número de cidadãos estrangeiros a residir em Portugal cresceu exponencialmente de pouco mais de 400 mil para os atuais quase 1,6 milhões. Porém, as notificações de retorno reduziram: de 2019 para 2024 passaram para 10%, quando o número de estrangeiros quase triplicou. Em 2024, houve apenas 447 notificações.
Em Portugal, o processo de afastamento de estrangeiro em situação ilegal tem várias etapas: Detetada a permanência ilegal de estrangeiro, o cidadão tem notificação para abandono voluntário (NAV) do território nacional, no prazo de 10 a 20 dias, a teor do artigo 138.º da Lei de estrangeiros; quando se deteta um cidadão que incumpriu o dever de afastamento voluntário, é detido nos termos do artigo 146.º da Lei de Estrangeiros e, quando presente a juiz, pode ser determinada a detenção em centros de instalação temporária (CIT), utilizados para acolhimento e para permanência dos nacionais de países terceiros sujeitos ao procedimento de triagem, bem como ao procedimento de afastamento do território nacional; em consequência da detenção, é aberto o processo de afastamento coercivo, que é instruído e decidido pela AIMA; e, se não cumprir a decisão, nem tiver interposto recurso ou pedido de asilo que a suspenda, o cidadão é coercivamente conduzido à fronteira, sob escolta policial, se for necessário.
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Com tudo
isto, prevê-se um aumento exponencial de deportação de estrangeiros e
enveredar-se-á pela escolha seletiva de imigrantes, “os bons”, ficando os outros
entregues à sua sorte, na linha mais xenófoba da UE. Isto não é país
hospitaleiro, nem faz jus à nossa diáspora.Há indícios de crime? Investigue-se e julgue-se. Há associações de crime organizado? Vigie-se até ao desmantelamento. O erro não foi criar a AIMA, que pôs a nu a balbúrdia do SEF, mas a falta de meios, a habitual resistência à mudança e a antipatia pelo titular da pasta donde partiu a restruturação. A morte de um cidadão ucraniano lançou suspeitas sobre o SEF (os custos foram graves em dinheiro e em imagem) e o governo tinha de cortar o mal pela raiz.
2025.05.08 – Louro de Carvalho
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