Como é tradicional, na véspera de eleições nacionais, em dia de reflexão cívico-política, o Presidente da República (PR) deixou, a 17 de maio, brevíssima mensagem verbal ao eleitorado, sobre a importância do exercício do direito e do cumprimento do dever cívico do voto. Desta vez, a comunicação ao país ocorreu à hora de almoço, e não à hora de jantar, porque o chefe de Estado havia de comparecer no Vaticano, a 18 de maio, na inauguração solene do pontificado do Papa Leão XIV.
Marcelo Rebelo de Sousa apelou à participação dos Portugueses nas eleições legislativas de18 de maio, sustentando que “os ausentes acabam, mais cedo ou mais tarde, por perder a razão e limitar-se, como diz o povo, a chorar sobre o leite derramado”, pois, no dizer do PR, com o Mundo de hoje mais complexo e imprevisível, não participar, não decidir, não votar, faz ainda menos sentido do que noutras eleições”.
Para o chefe de Estado, “seria meter a cabeça na areia ficar indiferente à gravidade do instante vivido”, mas, ao invés, “votar, neste momento, é contribuir para a estabilidade no meio de um Mundo instável”. Nas suas palavras, a participação neste ato eleitoral pode poupar “soluções longas de governos de gestão”, até porque, até maio de 2026, “não poderá haver, constitucionalmente, novas eleições”.
A “gravidade do instante vivido”, denunciada na intervenção presidencial, tem a ver com as “enormes” alterações nas relações entre a Europa, a Rússia e a China, que estão a provocar imprevisibilidade na economia internacional e exigem maior responsabilidade dos Portugueses.
Na que foi a sua oitava comunicação proferida em véspera de eleições, o PR focou-se em “três reflexões breves e diretas” – radical mudança do Mundo, importância do voto, neste momento, e contribuição para a estabilidade –, começando por dizer que “o Mundo de 2025 é radicalmente diferente do Mundo de 2024”. “O regresso ao poder do atual presidente norte-americano implicou, em quatro meses, mudanças enormes nas relações com a Europa, [com] a Rússia e [com] a China”, o que criou um cenário de “imprevisibilidade na economia internacional” que coloca sobre europeus e portugueses “maiores responsabilidades”, pelo que é impossível ficar-se indiferente.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “50 anos depois da eleição mais participada de sempre, dar vida à liberdade, à igualdade, à solidariedade, à segurança, à democracia e à paz é também votar, amanhã, pelo futuro de Portugal”.
No dia 16, o PR já tinha dito que “a grande prioridade, para Portugal, depois de uma campanha e pré-campanha muito longas e intensas, é participarem e votarem”. Quanto à campanha em si, da qual disse ter-se mantido à distância, observou: “Não gostei, não participei e não comentei.”
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A par de aspetos
positivos, a mensagem enferma de alguns equívocos: não pode
haver eleições legislativas até maio de 2026 (só bastante mais tarde); em 2025,
o Mundo não está muito pior do que em 2024; a eleição de Donald Trump já estava
dada como provavelmente garantida (Joe Biden também não merecia confiança
interna nem externa); as eleições de 18 de maio foram provocadas só por motivos
internos; estas eleições não são mais importantes, nem menos, do que outras
(todas as eleições são importantes); e, no caso, foram os deputados que deram
azo, por incúria do governo, a que a palavra fosse dada ao eleitorado. Pelo Decreto
do Presidente da República n.º 31-A/2025, de 19 de março, foi dissolvida a
Assembleia da República (AR) e marcadas, para 18 de maio de 2025, as eleições
legislativas, para escolha dos deputados à AR.
A dissolução implicou a cessação do normal funcionamento da AR, cuja atividade continuou, com várias alterações. Por exemplo, assumiu funções a Comissão Permanente, presidida pelo Presidente da Assembleia da República (PAR) e composta pelos vice-presidentes e por 49 deputados indicados por todos os partidos, mantendo a respetiva representatividade parlamentar.
As reuniões plenárias com os 230 deputados cessaram e passaram a ter lugar as reuniões da Comissão Permanente. O mandato dos deputados manteve-se até à primeira sessão plenária da nova AR, já com os novos deputados eleitos. Porém, as datas previstas para as audições aos ministros pelas comissões ficaram sem efeito e caducaram os projetos e propostas de lei, bem como as petições.
Algumas alterações estão previstas no Regimento da Assembleia da República e outras são definidas pela Conferência de Líderes, responsável pelos agendamentos das reuniões da Comissão Permanente, que é presidida pelo PAR e constituída pelos presidentes dos grupos parlamentares (ou seus substitutos) e deputados únicos.
Além das alterações referidas, no período de dissolução, a AR seguiu as seguintes regras de funcionamento: os deputados continuaram a apresentar requerimentos e perguntas ao governo; e as comissões parlamentares puderam reunir, exclusivamente, para a redação final de diplomas.
A exceção aconteceria, mediante autorização do PAR, com as seguintes comissões: Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, que pode reunir para deliberar sobre matéria relacionada com o Estatuto dos Deputados e sobre respostas a solicitações urgentes dos tribunais; e Comissão de Assuntos Europeus, em casos justificáveis.
Ao nível das Relações Internacionais, cessaram as atividades parlamentares internacionais de âmbito bilateral, salvo as autorizadas pelo PAR, pela sua relevância, e mediante justificação e fundamentação, e as atividades meramente administrativas decorrentes da execução de Protocolos e Programas de Cooperação; mantiveram-se em funções as delegações às organizações parlamentares internacionais, atenta a sua relevância; e puderam ser realizadas as atividades dos grupos parlamentares de Amizade, face a compromissos assumidos ou relevantes para o bom relacionamento entre os parlamentos pertinentes.
As atividades e eventos (na AR ou fora dela) – por exemplo, o Programa Parlamento dos Jovens – mantiveram-se, de acordo com o calendário de ações do Programa aprovado. Porém, terminou a participação dos deputados, com exceção da participação do PAR nas sessões nacionais.
Mantiveram-se as visitas guiadas de escolas e grupos, desde que solicitadas, diretamente, à Divisão de Museologia e Cidadania (DMC) da AR e não tivessem origem em grupos parlamentares ou deputados individualmente considerados.
Cessaram as atividades culturais organizadas pela AR, com exceção das iniciativas no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que já estavam a ser preparadas, a saber:
A exposição “Fala-me de Liberdade”, constituída pelas fotografias premiadas no Concurso Nacional de Fotografia organizado pela AR, em 2024, para jovens dos 15 aos 25 anos, em abril, no Centro Interpretativo – Casa do Parlamento;
A exposição “Haverá Eleições!”, em parceria com a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian, com inauguração prevista para 22 de abril, nas instalações da Fundação;
A exposição de 50 originais de fotografias de Mário Cesariny, relativas a 25 e 26 de abril de 1974, em Lisboa, cuja mostra foi organizada em parceria com a Fundação Cupertino de Miranda, de abril a junho, nos Corredores do Andar Nobre do Palácio de São Bento (a data da exposição pôde ser reequacionada, em função da deliberação que a AR, quanto à Sessão Solene Comemorativa do 25 de Abril);
A exposição “A Hora Primeira", organizada pela AR, sobre a atividade da Assembleia Constituinte: em junho, no Palácio de São Bento (Passos Perdidos ou Átrio).
O concerto de Rui Veloso e Orquestra Sinfónica da GNR, a 24 de maio, na Escadaria Principal do Palácio (já adjudicado);
Documentários em parceria com a RTP, da autoria de Jacinto Godinho;
A apresentação da peça de teatro “A Primeira Hora – de novo”, pelos Artistas Unidos, que recria o espetáculo de Jorge Silva Melo, realizado aquando do 40.º aniversário da Constituição da República Portuguesa, escrito por Jacinto Lucas Pires, em 2026.
O Centro Interpretativo – Casa do Parlamento manteve-se em funcionamento, bem como as atividades previstas na sua programação cultural.
O PR, no contexto do sistema político de governo semipresidencialista consagrado pela Constituição de 1976, tem a faculdade de emitir decreto de dissolução da AR, ao abrigo da alínea e) do artigo 133.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A dissolução não acarreta, necessariamente, a demissão do governo, mas implica a marcação de eleições parlamentares. Tratando-se de um ato livre, não deixa de estar sujeito a um conjunto de requisitos processuais, temporais e circunstanciais. Previamente à aprovação do ato de dissolução, o PR deve ouvir o Conselho de Estado e os partidos representados na AR, nos termos da alínea e) do artigo 133.º da CRP, não se encontrando juridicamente vinculado ao sentido maioritário das referidas audições.
Nos termos do n.º 1 do artigo 172.º da CRP, o PR não pode dissolver a AR: i) nos seis meses posteriores à sua eleição (neste caso, até 18 de novembro deste ano) e no último semestre do mandato presidencial (neste caso, a partir de 9 de setembro deste ano); e ii) durante a vigência do estado de sítio e do estado de emergência.
As eleições presidenciais não condicionam novas eleições legislativas, tendo o PR tomado posse, mas dissolver a AR não será um dos seus primeiros atos.
Um ato de dissolução que não observe os requisitos temporais e circunstanciais do n.º 1 do artigo 172.º da CRP é juridicamente inexistente, ou seja, não produz qualquer efeito jurídico, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, não podendo ser observado por nenhuma outra instituição da República. Sem prejuízo de se tratar de um ato livre, a prática constitucional mostra que as dissoluções ocorrem, usualmente, no contexto de uma crise política que envolve o governo e que o PR não sabe ou não quer resolver de outra maneira.
Segundo o PR, “o governo anunciou e apresentou a moção de confiança” e as oposições, “salvo um partido, rejeitaram essa moção, provocando a demissão do governo”, por motivo atinente “à confiança que o primeiro-ministro [PM] e, portanto, o governo mereceriam para continuar a governar”. O governo afirmava que o PM, “na sua atividade patrimonial passada e presente, havia agido sempre no respeito da lei, da legitimidade política e da ética ou moralidade”, enquanto as oposições contrapunham que “tinha havido ou podia ter havido desrespeito da lei, da legitimidade política e da ética ou moralidade”.
O PR afirmou que governo entendera que, “depois dos esclarecimentos dados, o prolongamento no tempo deste choque de juízos tornaria impossível continuar” e que “as oposições entenderam que se impunha, em face dos esclarecimentos dados, recusar a confiança, e, em última análise, recorrer ao voto popular”. Tratou-se de um choque “não apenas legal, nem político, mas, sobretudo, de juízo ético ou moral sobre uma pessoa e sua confiabilidade”. Daí resultou que, “para uns, com os factos invocados e os esclarecimentos dados, a confiança ética ou moral era óbvia”, mas, para outros, “com os mesmos factos invocados e os esclarecimentos dados, a desconfiança moral ou política é que era óbvia”.
Até parece que a responsabilidade da queda do governo foi da oposição, quando foi da inteira responsabilidade do Executivo, que provocou a AR, como que à cata de pretexto para eleições.
E dizia o chefe de Estado que “este panorama aparecia, nestes termos, pela primeira vez, na nossa democracia”, compaginando um choque “não tanto sobre políticas quanto sobre a confiabilidade, ou seja, a ética da pessoa exercendo a função de primeiro-ministro”.
O PR, embora sabendo que a decisão era da sua inteira responsabilidade, ouvido o Conselho de Estado e os partidos, escudou-se na pronúncia unânime dessas entidades consultadas, que, não desejavam este caminho, mas que o aceitaram como “imposto pela realidade”. E afirmou-se como o primeiro interessado na estabilidade e na dispensa de novas eleições, e que tudo fizera para as salvaguardar, embora não se veja como.
Porém, embora tenha proposto um itinerário de debate em que se abordasse a crise política que azou as eleições e se discutissem os grandes termas nacionais e internacionais e as propostas concretas de governação, a campanha eleitoral não o satisfez, como a muitos eleitores, já que os debates, por norma, se perderam em questões menores e em acusações mútuas. E a razão ética da crise pareceu interessar pouco ao eleitorado, em certa medida, atido aos comentadores da praça.
Resta, pois, que se realize o ato eleitoral, que não haja recursos sobre os resultados definitivos, que a nova AR tome posse, que o PR, depois (e só depois), ouça os partidos e dê posse ao governo, que o programa passe na AR e que o governo governe mesmo, sem medidas de propaganda.
A dissolução implicou a cessação do normal funcionamento da AR, cuja atividade continuou, com várias alterações. Por exemplo, assumiu funções a Comissão Permanente, presidida pelo Presidente da Assembleia da República (PAR) e composta pelos vice-presidentes e por 49 deputados indicados por todos os partidos, mantendo a respetiva representatividade parlamentar.
As reuniões plenárias com os 230 deputados cessaram e passaram a ter lugar as reuniões da Comissão Permanente. O mandato dos deputados manteve-se até à primeira sessão plenária da nova AR, já com os novos deputados eleitos. Porém, as datas previstas para as audições aos ministros pelas comissões ficaram sem efeito e caducaram os projetos e propostas de lei, bem como as petições.
Algumas alterações estão previstas no Regimento da Assembleia da República e outras são definidas pela Conferência de Líderes, responsável pelos agendamentos das reuniões da Comissão Permanente, que é presidida pelo PAR e constituída pelos presidentes dos grupos parlamentares (ou seus substitutos) e deputados únicos.
Além das alterações referidas, no período de dissolução, a AR seguiu as seguintes regras de funcionamento: os deputados continuaram a apresentar requerimentos e perguntas ao governo; e as comissões parlamentares puderam reunir, exclusivamente, para a redação final de diplomas.
A exceção aconteceria, mediante autorização do PAR, com as seguintes comissões: Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, que pode reunir para deliberar sobre matéria relacionada com o Estatuto dos Deputados e sobre respostas a solicitações urgentes dos tribunais; e Comissão de Assuntos Europeus, em casos justificáveis.
Ao nível das Relações Internacionais, cessaram as atividades parlamentares internacionais de âmbito bilateral, salvo as autorizadas pelo PAR, pela sua relevância, e mediante justificação e fundamentação, e as atividades meramente administrativas decorrentes da execução de Protocolos e Programas de Cooperação; mantiveram-se em funções as delegações às organizações parlamentares internacionais, atenta a sua relevância; e puderam ser realizadas as atividades dos grupos parlamentares de Amizade, face a compromissos assumidos ou relevantes para o bom relacionamento entre os parlamentos pertinentes.
As atividades e eventos (na AR ou fora dela) – por exemplo, o Programa Parlamento dos Jovens – mantiveram-se, de acordo com o calendário de ações do Programa aprovado. Porém, terminou a participação dos deputados, com exceção da participação do PAR nas sessões nacionais.
Mantiveram-se as visitas guiadas de escolas e grupos, desde que solicitadas, diretamente, à Divisão de Museologia e Cidadania (DMC) da AR e não tivessem origem em grupos parlamentares ou deputados individualmente considerados.
Cessaram as atividades culturais organizadas pela AR, com exceção das iniciativas no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que já estavam a ser preparadas, a saber:
A exposição “Fala-me de Liberdade”, constituída pelas fotografias premiadas no Concurso Nacional de Fotografia organizado pela AR, em 2024, para jovens dos 15 aos 25 anos, em abril, no Centro Interpretativo – Casa do Parlamento;
A exposição “Haverá Eleições!”, em parceria com a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian, com inauguração prevista para 22 de abril, nas instalações da Fundação;
A exposição de 50 originais de fotografias de Mário Cesariny, relativas a 25 e 26 de abril de 1974, em Lisboa, cuja mostra foi organizada em parceria com a Fundação Cupertino de Miranda, de abril a junho, nos Corredores do Andar Nobre do Palácio de São Bento (a data da exposição pôde ser reequacionada, em função da deliberação que a AR, quanto à Sessão Solene Comemorativa do 25 de Abril);
A exposição “A Hora Primeira", organizada pela AR, sobre a atividade da Assembleia Constituinte: em junho, no Palácio de São Bento (Passos Perdidos ou Átrio).
O concerto de Rui Veloso e Orquestra Sinfónica da GNR, a 24 de maio, na Escadaria Principal do Palácio (já adjudicado);
Documentários em parceria com a RTP, da autoria de Jacinto Godinho;
A apresentação da peça de teatro “A Primeira Hora – de novo”, pelos Artistas Unidos, que recria o espetáculo de Jorge Silva Melo, realizado aquando do 40.º aniversário da Constituição da República Portuguesa, escrito por Jacinto Lucas Pires, em 2026.
O Centro Interpretativo – Casa do Parlamento manteve-se em funcionamento, bem como as atividades previstas na sua programação cultural.
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A dissolução da AR consiste num ato político livre do
Presidente da República que determina a cessação de funções desse órgão de
soberania, antes de o mesmo completar a legislatura.O PR, no contexto do sistema político de governo semipresidencialista consagrado pela Constituição de 1976, tem a faculdade de emitir decreto de dissolução da AR, ao abrigo da alínea e) do artigo 133.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A dissolução não acarreta, necessariamente, a demissão do governo, mas implica a marcação de eleições parlamentares. Tratando-se de um ato livre, não deixa de estar sujeito a um conjunto de requisitos processuais, temporais e circunstanciais. Previamente à aprovação do ato de dissolução, o PR deve ouvir o Conselho de Estado e os partidos representados na AR, nos termos da alínea e) do artigo 133.º da CRP, não se encontrando juridicamente vinculado ao sentido maioritário das referidas audições.
Nos termos do n.º 1 do artigo 172.º da CRP, o PR não pode dissolver a AR: i) nos seis meses posteriores à sua eleição (neste caso, até 18 de novembro deste ano) e no último semestre do mandato presidencial (neste caso, a partir de 9 de setembro deste ano); e ii) durante a vigência do estado de sítio e do estado de emergência.
As eleições presidenciais não condicionam novas eleições legislativas, tendo o PR tomado posse, mas dissolver a AR não será um dos seus primeiros atos.
Um ato de dissolução que não observe os requisitos temporais e circunstanciais do n.º 1 do artigo 172.º da CRP é juridicamente inexistente, ou seja, não produz qualquer efeito jurídico, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, não podendo ser observado por nenhuma outra instituição da República. Sem prejuízo de se tratar de um ato livre, a prática constitucional mostra que as dissoluções ocorrem, usualmente, no contexto de uma crise política que envolve o governo e que o PR não sabe ou não quer resolver de outra maneira.
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Além dos
equívocos referidos, é de sublinhar que o PR tem o direito de não gostar da
campanha eleitoral, mas não pode dizer que não comentou. Com efeito, acautelou
que, desta vez, não daria posse a um governo para o qual não haja garantias de
fazer passar o seu programa na AR, ou seja, de não haver a aprovação de uma
moção de rejeição ou de não haver a aprovação de uma moção de confiança (o
programa não carece, por si, de aprovação). Tal comentário, que pode levar a
permanência do atual governo em funções de gestão não é neutro, tal como não o
é a mensagem presidencial do dia 17, que devia limitar-se à relevância do
cumprimento do dever do voto e do exercício deste direito, em vez de constituir
um apelo a que se tire o país do fundo do mar, que não é o caso.***
Na comunicação ao país, a 13 de março, a explicar a decisão de dissolver a
AR, o PR falava de “crise aparentemente só política, como tantas outras”, mas
vincava que “tudo começou com questões levantadas, quanto ao governo e, a
seguir, ao primeiro-ministro”, “sobre atividades passadas e seus efeitos no
presente”. O debate ocorreu na comunicação social e na AR, “envolvendo duas
moções de censura, votadas e rejeitadas, e uma moção de confiança, votada e
também rejeitada”, implicando a imediata demissão do governo, nos termos da CRP.Segundo o PR, “o governo anunciou e apresentou a moção de confiança” e as oposições, “salvo um partido, rejeitaram essa moção, provocando a demissão do governo”, por motivo atinente “à confiança que o primeiro-ministro [PM] e, portanto, o governo mereceriam para continuar a governar”. O governo afirmava que o PM, “na sua atividade patrimonial passada e presente, havia agido sempre no respeito da lei, da legitimidade política e da ética ou moralidade”, enquanto as oposições contrapunham que “tinha havido ou podia ter havido desrespeito da lei, da legitimidade política e da ética ou moralidade”.
O PR afirmou que governo entendera que, “depois dos esclarecimentos dados, o prolongamento no tempo deste choque de juízos tornaria impossível continuar” e que “as oposições entenderam que se impunha, em face dos esclarecimentos dados, recusar a confiança, e, em última análise, recorrer ao voto popular”. Tratou-se de um choque “não apenas legal, nem político, mas, sobretudo, de juízo ético ou moral sobre uma pessoa e sua confiabilidade”. Daí resultou que, “para uns, com os factos invocados e os esclarecimentos dados, a confiança ética ou moral era óbvia”, mas, para outros, “com os mesmos factos invocados e os esclarecimentos dados, a desconfiança moral ou política é que era óbvia”.
Até parece que a responsabilidade da queda do governo foi da oposição, quando foi da inteira responsabilidade do Executivo, que provocou a AR, como que à cata de pretexto para eleições.
E dizia o chefe de Estado que “este panorama aparecia, nestes termos, pela primeira vez, na nossa democracia”, compaginando um choque “não tanto sobre políticas quanto sobre a confiabilidade, ou seja, a ética da pessoa exercendo a função de primeiro-ministro”.
O PR, embora sabendo que a decisão era da sua inteira responsabilidade, ouvido o Conselho de Estado e os partidos, escudou-se na pronúncia unânime dessas entidades consultadas, que, não desejavam este caminho, mas que o aceitaram como “imposto pela realidade”. E afirmou-se como o primeiro interessado na estabilidade e na dispensa de novas eleições, e que tudo fizera para as salvaguardar, embora não se veja como.
Porém, embora tenha proposto um itinerário de debate em que se abordasse a crise política que azou as eleições e se discutissem os grandes termas nacionais e internacionais e as propostas concretas de governação, a campanha eleitoral não o satisfez, como a muitos eleitores, já que os debates, por norma, se perderam em questões menores e em acusações mútuas. E a razão ética da crise pareceu interessar pouco ao eleitorado, em certa medida, atido aos comentadores da praça.
Resta, pois, que se realize o ato eleitoral, que não haja recursos sobre os resultados definitivos, que a nova AR tome posse, que o PR, depois (e só depois), ouça os partidos e dê posse ao governo, que o programa passe na AR e que o governo governe mesmo, sem medidas de propaganda.
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Apesar de estas eleições serem evitáveis, votamos; e, apesar de uma tez
pouco neutra das dicas presidenciais, votamos livremente, independentemente das
expectativas sobre o resultado.
2025.05.17 – Louro de Carvalho
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