Decorreu, em Istambul, na Turquia, de 15 a 16 de maio, nova ronda de
negociações para terminar a guerra Rússia-Ucrânia, mas, ao invés do previsto,
sem a presença de Vladimir Putin, presidente da Rússia, de Volodymyr Zelensky,
presidente da Ucrânia, e de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da
América (EUA).
O presidente francês, Emmanuel
Macron, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, o chanceler alemão,
Friedrich Merz, e o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, reuniram-se com
Zelenskyy, em Kiev, no dia 10, e lançaram apelo coordenado a um cessar-fogo de
30 dias a partir do dia 12. O plano recebeu o apoio da União Europeia (UE) e de
Donald Trump.
A visita daqueles quatro líderes
europeus marcou a primeira vez que se deslocaram, juntos, à Ucrânia e a
primeira visita oficial de Friedrich Merz como chanceler da Alemanha,
constituindo forte demonstração de solidariedade para com a Ucrânia, ameaçando
aumentar a pressão com sanções contra o presidente russo, se este rejeitasse a
sua proposta.
Em reação, o presidente russo disse,
horas depois, estar pronto para “conversações diretas” com Kiev. “Propomos
retomar as conversações diretas com o regime de Kiev, na quinta-feira, 15 de
maio, em Istambul”, disse, num discurso, à meia-noite.
O
dirigente russo, que disse, anteriormente, que só poderia considerar um acordo
de cessar-fogo, sob certas condições, incluindo a suspensão total da ajuda
militar ocidental à Ucrânia, desta vez, disponibilizou-se para retomar as
conversações diretas, “sem condições prévias”, afirmando que tal se destinava a
“eliminar as causas profundas do conflito” e a “conseguir o restabelecimento de
uma paz duradoura e a longo prazo”.
O presidente ucraniano afirmou estar
à espera de cessar-fogo total e temporário com a Rússia a partir do dia 12,
vincando que estaria na Turquia, para se encontrar com Putin,
“pessoalmente”.
Por
sua vez, o presidente dos EUA, que estaria no Catar e nos Emirados Árabes
Unidos (EAU), no dia 15, no âmbito da sua digressão pelo Médio Oriente, deu a
entender que poderia visitar a Turquia, se necessário. “Posso ir à Turquia,
Putin também quer que eu vá. Se eu não for, Putin não vai. Por isso, posso ir à
Turquia, no âmbito da minha visita ao Médio Oriente, declarou aos jornalistas,
no avião Air Force One, a caminho do Catar, frisando: “Penso que a reunião
entre a Rússia e a Ucrânia, na Turquia, na quinta-feira, pode ter um bom
resultado.”
Quanto à possibilidade de uma reunião,
frente a frente, entre o presidente russo e o presidente ucraniano, o líder da
Casa Branca disse acreditar que “ambos os líderes estarão lá” e que também
estava a considerar viajar para a Turquia, mas não tinha a certeza de poder
participar, por ter “demasiadas reuniões” na agenda. Porém, no seu programa, em
Doha, capital do Catar, no dia 14, deu a entender que poderia deslocar-se à
Turquia para as conversações.
O líder ucraniano anunciou, no dia
13, que iria viajar para a Turquia, para onde fora convidado para manter
conversações de paz, frente a frente, com o homólogo russo, e disse esperar que
Donald Trump participasse na reunião. “Como Ucrânia, ficaríamos muito
satisfeitos, se o presidente Trump participasse nesta reunião, na Turquia.
Seria um passo na direção certa e tem o potencial de mudar muitas coisas”,
declarou Volodymyr Zelenskyy, enquanto aguardava resposta oficial de Moscovo, esperando
que os Russos não fugissem da reunião.
Com
efeito, o conselheiro presidencial ucraniano,
Mykhailo Podolyak avisou, no início da semana, que Zelenskyy não se reuniria
com funcionários russos de nível inferior em Istambul, se Putin não fosse à
Turquia, dizendo não haver sentido tais negociações.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry
Peskov, disse, no dia 13, que a Rússia anunciaria o seu representante para as
conversações de paz com a Ucrânia em Istambul, se Vladimir Putin o considerasse
necessário. Todavia, não confirmou se o presidente russo participaria,
pessoalmente, na reunião ou se enviaria outra pessoa. “O lado russo está a
continuar os preparativos para as conversações em Istambul”, vincou.
***
Rapidamente, começaram a frustrar-se
as expectativas.
De
facto, a 11 de maio, Vladimir Putin sugeriu que a Rússia e a Ucrânia se
sentassem para conversações diretas. O presidente ucraniano respondeu,
prontamente, que se deslocaria a Istambul, para se encontrar com Putin, pela
primeira vez, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, no início de 2022. No seu
discurso da noite do dia 14, divulgado antes de o Kremlin anunciar o
alinhamento da delegação, Volodymyr Zelenskyy disse que estava à espera da
lista final, antes de decidir sobre o curso de ação da Ucrânia, pois o seu
governo teve várias reuniões sobre o formato da reunião na Turquia, e
acrescentou: “Estou à espera de ver quem virá da Rússia, e então determinarei
quais as medidas que a Ucrânia deve tomar. Até agora, os seus sinais nos meios
de comunicação social não são convincentes.”
Também,
como foi referido, Donald Trump disse, nos últimos dias, que estava a
considerar ir a Istambul para participar na reunião. E o presidente ucraniano
afirmou que a presença do presidente dos EUA podia ser “o argumento mais forte”.
“Uma semana pode mudar muita coisa, mas também pode não mudar. Neste momento,
tudo isto está a ser decidido”, afirmou antes de o Kremlin anunciar a sua
delegação.
Anteriormente,
Donald Trump afirmara que os EUA poderiam introduzir sanções adicionais e mais
duras contra Moscovo, se este país não chegasse a um acordo com Kiev para pôr
fim à invasão em grande escala da Ucrânia.
Porém,
na noite do dia 14, o Kremlin anunciou quem iria representar Moscovo no que
deveria ser o primeiro encontro direto entre os líderes da Ucrânia e da Rússia.
A delegação russa é liderada pelo assessor presidencial, Vladimir Medinsky, que
o representou na primeira tentativa de conversações, em Istambul, em março de
2022. Além de Medinsky, a comitiva integrava o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros,
Mikhail Galuzin, o vice-ministro da Defesa, Alexander Fomin, e Igor Kostyukov,
chefe da agência de informação militar russa (GRU). Assim, da delegação russa
não faz parte qualquer ministro, gorando-se, deste modo, as expectativas de
conversações diretas entres os líderes ou conversações ao mais alto nível, pois
nem o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, se deslocará à
Turquia.
Moscovo
esperou até ao final do dia 14 de maio para anunciar quem participaria nas
conversações. E, no dia 15, o porta-voz da presidência russa confirmou, em
resposta a uma pergunta da CNN, que Vladimir
Putin não participaria nas conversações com a Ucrânia a realizar em Istambul.
***
Vladimir
Medinsky, assessor do presidente russo, é acérrimo apoiante da invasão da
Ucrânia. Em janeiro de 2025, foi o editor do livro didático “História Militar
da Rússia” que enquadra a guerra de Moscovo contra a Ucrânia como continuação
da luta soviética contra a Alemanha nazi e classifica a guerra da Rússia como
“reação necessária às ameaças ocidentais”. Destinado a crianças em idade
escolar, o livro afirma que a Rússia foi “forçada” a invadir a Ucrânia, devido
à política de expansão da Organização Tratado do Atlântico Norte (NATO) e à
destituição do presidente pró-russo da Ucrânia, Viktor Yanukovych, em 2014, que
classificou como “golpe apoiado pelo Ocidente”. Nos seus três volumes, considera
a Ucrânia “cabeça-de-ponte agressiva antirrussa” e sublinha o “heroísmo no
campo de batalha”, apontando paralelos históricos entre as táticas militares
russas modernas e as do exército soviético na II Guerra Mundial, a que a Rússia
chama “a Grande Guerra Patriótica”.
Em
2014, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Medinsky, então ministro da Cultura,
emitiu um documento a declarar que “a Rússia não é a Europa”, aduzindo que o
resto do continente era moralmente inferior. Porém, não foi a primeira vez que
Medinsky tentou demonstrar a superioridade da Rússia, ante as outras nações. Em
2013, afirmou que a perseverança da Rússia, face às catástrofes do século XX,
indica que o povo russo “tem um cromossoma extra”.
***
Dada a mudança de atitude de Moscovo, o presidente ucraniano confirmou,
em Ancara, a 15 de maio, já sobre a hora do início das negociações, ter
concordado em enviar a delegação a Istambul para conversa (negociação de não
alto nível) com os representantes da Rússia, mas não estando ele presente.
Efetivamente,
após a reunião com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, Volodymyr
Zelenskyy disse que concordou com a participação da Ucrânia nas conversações
com a equipa de Moscovo, por respeito aos líderes dos EUA e da Turquia, bem
como pela demonstração da vontade da Ucrânia de pôr fim à guerra. “Por
respeito ao presidente Trump, ao alto nível da delegação turca e ao presidente
Erdogan, e uma vez que queremos tentar alcançar, pelo menos, os primeiros
passos para o desanuviamento, o fim da guerra – nomeadamente, um cessar-fogo –
decidi enviar a nossa delegação a Istambul”, disse Zelenskyy.
“A delegação
de Kiev é chefiada pelo ministro da Defesa ucraniano, Rustem Umerov”, disse Zelenskyy,
apesar de o homólogo russo de Umerov não estar presente.
À sua
chegada a Ancara, Zelenskyy afirmou que a Ucrânia está representada na Turquia
ao mais alto nível, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o gabinete
presidencial, as forças armadas e os serviços secretos “para tomar quaisquer
decisões que possam conduzir à paz esperada e justa”. Porém, vincou não
ser esse o caso da delegação russa, descrevendo-a como “teatral”.
“Temos de
perceber qual é o nível da delegação russa e que mandato tem, se são capazes de
tomar decisões sozinhos. […] “Porque todos nós sabemos quem toma as
decisões na Rússia”, disse Zelenskyy, apontando para Vladimir Putin, que
recusou a enfrentar Zelenskyy, pessoalmente.
De facto, o
Kremlin excluiu a deslocação de Vladimir Putin à Turquia, revelando que as
negociações serão conduzidas pelo assessor presidencial, Vladimir Medinsky, que
também chefiou a delegação de Moscovo, em Istambul, em março de 2022, na
primeira tentativa de conversações entre as partes.
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A
mudança de atitude do Kremlin permite a leitura negativa do analista político Fyodor
Krasheninnikov, no sentido de Vladimir Putin não estar interessado num
cessar-fogo, porque os seus objetivos, na guerra, não foram alcançados.
Efetivamente,
no dia 14, à noite, em Moscovo, o presidente russo reuniu-se com os
participantes nas conversações com a Ucrânia e deu-lhes as últimas instruções.
Não tencionava deslocar à Turquia, apesar do apelo do homólogo ucraniano, que
tinha dito que esperaria, pessoalmente, pelo chefe do Kremlin, em Istambul.
O
analista comentou: “Qualquer político, russo ou internacional, que lhe chame
nomes, que o critique – Putin não fala com essas pessoas. Uma vez que Zelenskyy
tem falado muito, em anos diferentes, especialmente, agora que continua a
falar, a fazer acusações contra Putin, penso que é impossível para Putin. Por
isso, foi uma ilusão esperar que Putin aceitasse falar com Zelenskyy.”
Kiev
e Moscovo já se tinham reunido à mesa das negociações, em Istambul, em março de
2022. Mas o processo de negociação foi interrompido, devido a divergências
acentuadas.
“Ele
[Vladimir] diz que não se trata de novas conversações, é apenas a fase seguinte
das conversações de Istambul que o Ocidente e a Ucrânia interromperam. É muito
importante, para ele, demonstrar que não está a ceder à pressão e que, por isso,
vai às conversações. Ele diz – não, continuo a minha linha, foram vocês que,
finalmente, concordaram que, em 2022, era necessário assinar um acordo de paz
nos termos que Putin estava a oferecer na altura”, sustenta Fyodor
Krasheninnikov.
O
Kremlin está disposto a aceitar um cessar-fogo, se o Ocidente deixar de
fornecer armas à Ucrânia e considera que o objetivo das conversações diretas é
“eliminar as causas profundas do conflito e estabelecer uma paz duradoura a
longo prazo”.
Segundo
o analista, Vladimir Putin não quer um cessar-fogo, mas também não quer parecer
o culpado por o fogo não parar. Por isso, tenta “encontrar cada vez mais formas
de convencer Trump de que faz sentido continuar as conversações”.
Os
meios de comunicação ucranianos informaram que os representantes de Kiev
pretendem reunir-se com a equipa russa, apenas para discutir a forma de
implementar e monitorizar o cessar-fogo incondicional de 30 dias proposto pela
administração do presidente dos EUA.
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Em abril e também antes do desfile do
Dia da Vitória, em Moscovo, Vladimir Putin declarou, unilateralmente, um
cessar-fogo temporário entre a meia-noite de 8 de maio e a de 11 de maio.
Apesar do cessar-fogo unilateral de três dias decretado por Moscovo, os
combates não cessaram e Kiev e Moscovo acusam-se, mutuamente, pela continuação
dos combates.
De acordo com o ministro dos Negócios
Estrangeiros ucraniano, Andrii Sybiha, que descreveu as tréguas como uma
“farsa”, numa publicação no X, a
Rússia prosseguiu os seus ataques contra civis ucranianos e as suas agressões
na linha da frente na Ucrânia. Porém, no seu discurso noturno, Vladimir Putin
acusou a Ucrânia de uma escalada de ataques contra a Rússia, nos dias que antecederam
a trégua do Dia da Vitória, e de violar, várias vezes, o cessar-fogo de três
dias, nomeadamente, lançando cinco incursões transfronteiriças nas regiões de
Kursk e Belgorod, incursões que não tiveram “qualquer significado militar”,
segundo o orador.
***
A ronda de negociações terminou, deixando tudo na mesma. A Ucrânia,
que diz ter lidado com a situação “de forma
calma” e ter apresentado as suas posições, acusa a delegação russa
de haver expressado “uma série de coisas que
consideramos inaceitáveis”. Zelensky e os referidos aliados líderes
europeus lamentaram a situação e telefonaram a Donald Trump, a reafirmar a posição
de princípio: cessar-fogo ou endurecimento das sanções à Rússia, que a Comissão
Europeia já determinou e prometeu. E a primeira-ministra italiana, Georgia
Meloni realçou que os esforços para chegar a um acordo sobre a Ucrânia
devem continuar. “Não devemos deitar a toalha ao chão. Acho que devemos
insistir, devemos insistir num cessar-fogo incondicional e num acordo de paz
sério que inclua garantias de segurança para a Ucrânia”, sustentou.
Entretanto, a Europa insiste no seu programa de rearmamento,
remetendo esperança da paz para a arca da memória.
2025.05
– Louro de Carvalho
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