O Reino Unido assinou, a 22 de maio, um acordo, segundo o qual devolve às Maurícias o controlo das Ilhas Chagos, pondo fim à disputa de décadas sobre este território situado no meio do oceano Índico, denominado Território Britânico do Oceano Índico, compreendendo os sete atóis do arquipélago de Chagos, com mais de mil ilhas individuais (sendo, na maioria, muito pequenas) centradas em 6° S, 71°30' E, que totalizam a área terrestre de 60 quilómetros quadrados (Km2).
Nos termos do acordo, citado pela Associated Press (AP), válido por 99 anos, o Reino Unido pagará às Maurícias uma média de 101 milhões de libras (120 milhões de euros, ao câmbio atual), por ano, para arrendar a base militar (naval e aérea) que se situa na ilha de Diego Garcia (a maior – 27 Km2) e é utilizada, para fins militares, pelos Estados Unidos da América (EUA), pelo Reino Unido e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Foi utilizada intensamente, durante as guerras do Golfo, do Afeganistão, do Iraque.
Para o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, a permanência da base militar (naval e aérea) nas mãos do Reino Unido é importante para assegurar a segurança do país. “Ao chegarmos agora a este acordo nos nossos termos, estamos a garantir fortes proteções, incluindo contra influências malignas, que permitirão que a base funcione durante o próximo século, ajudando a manter-nos seguros para as gerações vindouras”, afirmou Keir Starmer à imprensa, num quartel-general militar perto de Londres.
Porém, o acordo não foi bem visto pelos partidos da oposição, que sustentam que a cedência das ilhas, que são território britânico, há mais de 200 anos, pode colocar o Reino Unido mais vulnerável a ataques de potências estrangeiras, como a Rússia ou a China. “Não devemos estar a pagar para ceder território britânico às Maurícias”, afirmou a líder do Partido Conservador da oposição, Kemi Badenoch.
As Ilhas Chagos, que estão sob controlo britânico desde 1814, foram oficialmente separadas das Maurícias, em 1965, três anos antes de este país se tornar independente. Segundo a avaliação do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), feita em 2019, esta separação foi ilegal.
Desde então, a Organização das Nações Unidas (ONU) vem apelando ao Reino Unido para devolver a soberania das ilhas às Maurícias, reforçando a posição de que o arquipélago integra o território mauriciano e que a manutenção do controlo britânico continua o colonialismo.
O primeiro-Ministro Keir Starmer afirmou que a base está “na base da nossa segurança interna” e é crucial para a luta contra o terrorismo e para os serviços de informação.
O acordo também enfrentou a oposição dos antigos residentes da ilha que foram expulsos, há décadas, para a construção da base. Deveria ter sido assinado por Keir Starmer e pelo líder mauriciano Navin Ramgoolam, numa cerimónia virtual, na manhã do dia 22, mas foi adiado quando um juiz concedeu uma providência cautelar de última hora, solicitada por Bernadette Dugasse e por Bertrice Pompe, duas mulheres naturais de Chagos, por temerem que seja ainda mais difícil regressar a casa, quando as Maurícias assumirem o controlo do território. Com efeito, o acordo inclui um fundo fiduciário para ajudar os habitantes locais e permite que as Maurícias organizem a reinstalação nas ilhas, exceto na ilha Diego Garcia, mas não a garante. “Os direitos que estamos a pedir, agora, são os direitos pelos quais lutamos, há 60 anos. […] As Maurícias não nos vão dar isso”, afirmou Bertrice Pompe, considerando este “um dia muito triste”.
Posteriormente, essa injunção foi levantada por outro juiz.
As Ilhas Chagos estão sob controlo britânico desde 1814. Em 1965, a Grã-Bretanha separou-as das Maurícias, que se tornaram independentes, em 1968.
Nos anos 60 e 70, a Grã-Bretanha expulsou cerca de dois mil ilhéus para que os EUA pudessem construir a base de Diego Garcia. A base tem apoiado as operações militares dos EUA desde o Vietname até ao Iraque e ao Afeganistão e alberga instalações para submarinos nucleares e para operações de informação.
As Maurícias contestam, há muito, a reivindicação britânica sobre as ilhas. Em 2019, o TIJ disse que a Grã-Bretanha tinha separado, ilegalmente, Chagos das Maurícias, quando terminou o domínio colonial.
“Tivemos que agir, agora, porque a base estava sob ameaça”, disse Keir Starmer, considerando que as Maurícias estavam a preparar-se para levarem a Grã-Bretanha a tribunal e que não havia “perspetivas realistas de sucesso” para o Reino Unido.
O Ministério da Defesa britânico disse que o acordo inclui fortes proteções, como uma zona de exclusão de 39 quilómetros ao redor de Diego Garcia, um veto do Reino Unido ao desenvolvimento e a proibição de forças de segurança estrangeiras nas ilhas.
As conversações começaram em 2022, durante o anterior governo conservador, e continuaram depois de os trabalhistas terem vencido as eleições gerais de julho de 2024. Em outubro passado foi alcançado um projeto de acordo, mas foi adiado, devido a mudanças políticas nas Maurícias e a desacordos sobre o montante que o Reino Unido pagaria.
A Grã-Bretanha também verificou o acordo com os EUA, após uma mudança de governo nesse país. E a administração Trump aprovou o acordo no início deste ano.
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, congratulou-se com a decisão, afirmando que “assegura a operação estável e eficaz, a longo prazo” de Diego Garcia, que considerou “um ativo crítico para a segurança regional e global”.
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A 3 de outubro de 2024, o Reino
Unido e as Maurícias anunciaram, numa declaração conjunta, que o Reino
Unido devolveria às Maurícias as Ilhas Chagos, pondo fim
à disputa de décadas sobre o futuro do antigo território britânico.Uma ressalva ao acordo continua a ser a ilha de Diego Garcia, que o Reino Unido e os EUA utilizam e utilizarão como base militar.
Os dois governos acordaram que a ilha permanecerá sob a jurisdição do Reino Unido e dos EUA durante os próximos 99 anos, a fim de assegurar a continuidade do seu funcionamento.
O Reino Unido e as Maurícias celebraram o anúncio como “um momento seminal nas nossas relações e uma demonstração do nosso empenho duradouro na resolução pacífica de litígios e no Estado de direito”, referia a dita declaração conjunta.
As Ilhas Chagos são uma série de 60 ilhas remotas estrategicamente agrupadas no Oceano Índico.
Outrora parte da colónia britânica das Maurícias, Londres comprou o arquipélago às Maurícias, em 1968, no âmbito do seu processo de descolonização, o que o TIJ aconselhou Tribunal, em 2019, o governo do Reino Unido, no sentido de que esta aquisição era ilegal. Porém, o Reino Unido desafiou a decisão consultiva de que estava “sob obrigação” de renunciar ao controlo, sublinhando que não era vinculativa.
A base militar no atol tropical de Diego Garcia foi um ponto de discórdia no acordo. Quase 1500 residentes foram expulsos, na década de 1970, para dar lugar à sua criação, numa ação que a Human Rights Watch (HRW) condenou como “crime contra a Humanidade”. O negócio com os EUA dera-se em 1966, “em troca de um desconto de 14 milhões de dólares, em mísseis Polaris”.
O acordo afirma que o seu objetivo é “resolver os erros do passado”, manifestando a esperança de que os que foram expulsos e os seus descendentes, que vivem, agora, principalmente, no Reino Unido, nas Maurícias e nas Seychelles, tenham o direito de regressar às ilhas. E acrescenta que a República da Maurícia seria, agora, livre de implementar um programa de reinstalação para as pessoas anteriormente desalojadas, embora isso excluísse Diego Garcia.
A base da Marinha dos EUA, em Diego Garcia, foi construída na década de 1970 e fornece o que as autoridades americanas descreveram como “uma plataforma quase indispensável” para operações de segurança no Médio Oriente, no Sul da Ásia e na África Oriental.
O governo britânico afirmou que, sem o acordo, estaria ameaçado o funcionamento seguro da base militar, onde se posicionam navios de guerra e bombardeiros
Tanto o Reino Unido como os EUA, em outubro, saudaram o acordo, que o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, afirmou acabar com “qualquer possibilidade de o Oceano Índico ser utilizado como uma perigosa rota de migração ilegal para o Reino Unido, bem como garantiria a relação, a longo prazo, entre o Reino Unido e as Maurícias, um parceiro próximo da Commonwealth”.
Por sua vez, Joe Biden, o então presidente dos Estados Unidos da América (EUA), considerou o acordo “histórico”, sustentando que a base de Diego Garcia era vital para preservar a “segurança nacional, regional e global”.
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Os funcionários do Reino Unido e das Maurícias tinham-se apressado a concluir o acordo antes da tomada de posse do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, a 20 de janeiro. Porém, a 16 de janeiro, soube-se que o Reino Unido não finalizaria um acordo para ceder a soberania das contestadas Ilhas Chagos às Maurícias, até que a administração do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, fosse consultada.
No entanto, alguns dos principais aliados de Donald Trump opuseram-se ao acordo. Marco Rubio, escolhido para secretário de Estado, avisou, ainda em 2024, que o acordo representava “uma séria ameaça” à segurança nacional dos EUA, porque as Maurícias têm um acordo comercial com a China. Porém, um porta-voz do primeiro-ministro britânico disse, a 15 de janeiro, que era “obviamente correto” que a administração de Donald Trump considerasse qualquer acordo, que já tinha sido aprovado pelo presidente cessante dos EUA, Joe Biden. “É perfeitamente razoável que a nova administração dos EUA considere o acordo e, obviamente, teremos essas discussões com eles”, considerou, mas adiantando: “Só aceitaremos um acordo que seja do interesse do Reino Unido e que proteja a nossa segurança nacional.”
O governo das Maurícias deveria ter aprovado o acordo no referido dia 15 de janeiro, mas a posição britânica levou ao adiamento da sua aprovação.
As Maurícias contestavam, há mais de 50 anos, a reivindicação do Reino Unido sobre o arquipélago e, nos últimos anos, a ONU e o seu tribunal superior instaram Londres a devolver as Ilhas Chagos às Maurícias. O governo britânico concordou em fazê-lo no projeto de acordo celebrado em outubro, mas tal foi adiado por uma mudança de governo nas Maurícias e por disputas sobre o montante que o Reino Unido deveria pagar de renda pela base aeronaval de Diego Garcia. E uma declaração do governo mauriciano, a 15 de janeiro, disse que o seu gabinete tinha sido “informado dos desenvolvimentos” e que as discussões, em Londres, iriam continuar.
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Paralelamente, a Argentina e o Reino Unido entenderam retomar
o diálogo sobre as Ilhas Falkland (Ilhas Malvinas). Efetivamente, a 25 de
setembro de 2024, os respetivos ministros dos Negócios Estrangeiros decidiram, em
Nova Iorque, retomar o diálogo sobre questões conexas com as Ilhas, excluindo a
soberania do arquipélago, historicamente reclamada pelo Estado sul-americano.A ministra argentina, Diana Mondino, e o homólogo britânico, David Lammy, reuniram-se à margem da Assembleia-Geral da ONU, “no quadro de uma renovada etapa da relação bilateral, caraterizada pelo diálogo e pela construção de confiança”, como informou o ministério argentino.
Diana Mondino e David Lammy “avançaram com uma ampla agenda de temas, que incluem aspetos distintos relacionados com o Atlântico Sul”, indicou a nota oficial.
Este diálogo incorpora a cláusula de salvaguarda constante do parágrafo 2.º da declaração conjunta de 19 de outubro de 1989, que estabelece que nenhum acordo futuro implicará qualquer tipo de cessão ou de reconhecimento de soberania sobre as Malvinas, pelas quais a Argentina e o Reino Unido se enfrentaram, numa guerra, em 1982.
Entre outros assuntos, os dois governantes acordaram em retomar as negociações, para finalizar a terceira fase do projeto que, com a intervenção da Cruz Vermelha Internacional (CVI), procura identificar os corpos dos soldados argentinos mortos na guerra de 1982, e decidiram organizar, até ao final do ano, uma viagem de familiares de argentinos mortos às ilhas, para que possam visitar os túmulos dos soldados ali sepultados. E decidiram ainda “avançar com medidas concretas em matéria de conservação das pescas e a favor de melhores ligações, incluindo a reativação do voo semanal de São Paulo- Brasil, para as ilhas, que fazia escala mensal em Córdoba”, no centro da Argentina.
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Desiluda-se quem pensa que o Reino Unido abriu mão do
seu estatuto de potência colonial. Como se vê, o diálogo com a Argentina não
belisca a soberania do Reino Unido às Malvinas, mas apenas prevê um conjunto de
concessões aos familiares dos argentinos mortos na guerra de 1982.Quanto ao acordo com as Maurícias para as Ilhas Chagos, a jurisdição do Reino Unido sobre a “colónia” mantém-se, embora partilhada com os EUA. Às Maurícias, agora protetorado britânico, é cedido, durante 99 anos, o controlo interno do território e a reinstalação nele dos seus naturais, bem como a relação com os outros Estados. Contudo, a utilização da Ilha de Diego Garcia continua a ser controlada pelo Reino Unido e pelos EUA, sendo a sua base militar aeronaval utilizada por estas duas potências, em nome dos seus interesses geoestratégicos.
Assim, ao arrepio da pressão internacional que incidiu sobre países colonizadores, o Reino Unido continua como grande potência colonial. Além das Dependências da Coroa Britânica – Ilha de Man e Ilhas do Canal ou Ilhas Anglo-Normandas –, os seus atuais territórios ultramarinos (parece a linguagem salazarista-caetanista) são: Acrotíri e Deceleia, no Chipre; Anguilla; Bermudas; Gibraltar; Ilhas Caimão; Ilhas Geórgia do Sul e Sanduíche do Sul; Ilhas Malvinas/Ilhas Falkland; Ilhas Pitcairn, Henderson, Ducie e Oeno; Ilhas Turcas e Caicos; Ilhas Virgens Britânicas; Monserrate; Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha; Território Antártico Britânico; e Território Britânico do Oceano Índico.
2025.05.22 – Louro de Carvalho
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