domingo, 11 de maio de 2025

Face a Jesus, o Belo Pastor, persiste-se na dialética rejeição-aceitação

 

O quarto domingo da Páscoa é assumido, tradicionalmente, como o “Domingo do Bom Pastor”, pois, em todos os anos, a sua liturgia nos proporciona a proclamação e a escuta de um trecho do capítulo 10 do Evangelho de João, em que Jesus se apresenta como o Belo Pastor.

No Evangelho (Jo 10,27-30), Jesus Cristo fulge como o belo, bom e verdadeiro Pastor, que ama as ovelhas e que conhece cada uma delas. Por isso, quem pretende integrar o rebanho de Jesus, deve escutar as suas indicações, acolher as suas propostas, dispor-se a segui-Lo. Ele levará as ovelhas, a quem Ele tanto quer, aonde há vida verdadeira e não permitirá que Lhe sejam roubadas.

Jesus está no templo de Jerusalém, no pórtico Salomão, grande passagem coberta do lado oriental do pátio externo. Os dirigentes judaicos vão ter com Ele e, para clarificar as coisas, perguntam-Lhe se Ele é o Messias. Jesus confirma, implicitamente, a sua missão messiânica, mas observa que qualquer declaração que faça não muda, substancialmente, nada: apesar de tudo o que tem dito, das suas obras em prol do homem, os líderes que O confrontam nunca O reconheceram como enviado de Deus para libertar Israel. Deus enviou-O como Pastor para dar vida ao seu povo; mas os que presidem aos destinos da comunidade judaica nunca lhe deram crédito, não O quiseram seguir, não aceitaram fazer parte do seu rebanho, não querem ser ovelhas suas.

Jesus, conversando, explica-lhes o que significa fazer parte do rebanho do qual Ele é o Pastor. Fazem parte do seu rebanho aqueles/as que escutam a sua voz e O seguem. O verbo “escutar” não implica apenas o “ouvir com os ouvidos”, mas indica acolher e guardar no coração as propostas de Jesus. O verbo “seguir” implica assumir o estilo de vida de Jesus, tornar-se discípulo, deixar-se guiar por Jesus, ir atrás d’Ele no caminho do amor e do dom da vida.

Quem escuta a voz de Jesus acolhe as suas propostas e vai atrás d’Ele, está unido a Jesus de forma especial. Recorrendo a linguagem típica do ambiente pastoril, João diz que Jesus “conhece-os”. O verbo “conhecer” indica proximidade, intimidade, familiaridade, comunhão de vida e de destino. Os que Jesus conhece estão intimamente unidos a Ele por fortes laços de amor e de afeto. Os discípulos, os que Jesus “conhece” – têm uma relação muito próxima com Jesus, veem-No como a sua referência e seguem-No sem hesitações, porque Ele lhes dá a vida verdadeira e definitiva (“Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer”). Como Bom Pastor, Jesus recria-os, vivifica-os, cuida deles, protege-os, defende-os, condu-los às pastagens verdejantes e às fontes de que brota a água que sacia a sede de vida. Nunca se perderão, pois a vida que Jesus lhes dá supera o poder da morte. Nada os afastará do amor de Jesus.

Mesmo que os líderes judaicos não O reconheçam como o Pastor, Ele continua a cuidar das suas ovelhas, de todos os que O escutam, O seguem e O amam. Foi essa a missão que recebeu do Pai: fazer nascer o Homem Novo, a Humanidade recriada, que vive animada pelo Espírito de Deus. Ninguém pode impedir Jesus de concretizar o desígnio do Pai para as ovelhas (“Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai”).

Jesus termina a conversa com os dirigentes judaicos que o acossam no pórtico de Salomão, garantindo-lhes que Deus está presente n’Ele e que Se manifesta em tudo o que Ele faz (“Eu e o Pai somos um”). Jesus e o Pai identificam-se totalmente. Jesus atua em nome de Deus para recriar e vivificar o Homem. Quem recusar Jesus recusa o próprio Deus e quem se opõe a Jesus opõe-se a Deus. Os dirigentes judaicos têm de decidir se querem continuar a recusar Deus.

Os líderes de Israel compreendem a importância do que Jesus lhes diz e a seriedade da acusação que Jesus lhes faz, mas reagem, apanhando pedras para O liquidarem, pois não O reconhecem como o Pastor que Deus enviou para pastorear o seu rebanho.

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primeira leitura (At 13,14.43-52) fala-nos de pessoas que assumem atitudes diferentes ante a proposta do Pastor (Cristo): de um lado, as ovelhas instaladas nas certezas, no orgulho, nas velhas seguranças, na autossuficiência, recusando a pertença ao rebanho de Jesus; do outro, as interessadas em escutar a voz de Jesus e dispostas a segui-Lo até às pastagens da vida abundante. É esta última atitude que nos é proposta.
O facto de grande número de pessoas se ter deslocado à sinagoga de Antioquia da Pisídia para escutar a pregação de Paulo, gerou o ciúme e a inveja dos líderes judaicos. E reação negativa desses líderes ao testemunho de Paulo resultou da autossuficiência que os caraterizava, tal como dantes, aos outros líderes judaicos: convictos da sua verdade, arvorando-se em únicos intérpretes autorizados de Deus, não estavam disponíveis para acolher a novidade.
Todavia, a proposta de salvação que Deus oferecia através do labor missionário de Paulo e de Barnabé não podia ficar desperdiçada. E Paulo declarou que, tendo os judeus recusado a salvação que lhes era oferecida, chegara a altura de a apresentar aos pagãos. Aliás, Paulo conhecia o que, alguns séculos antes, Deus tinha dito através do Deuteroisaías: “Fiz de ti a luz das nações, para levares a salvação até aos confins da terra.” O apóstolo dos gentios sentia que a sua missão seria concretizar esse desígnio. O Evangelho estava em condições de saltar as fronteiras estreitas do Mundo judaico para se tornar a salvação destinada às gentes de todas as raças, culturas e lugares. Por sua vez, os pagãos, acolheram esta decisão com grande alegria: Deus convidava-os a integrar a sua família e o acolhimento desse convite abria-lhes rotas novas de vida e de realização.
Porém, os líderes judaicos tentaram virar a opinião pública contra Paulo e Barnabé. “Instigando algumas senhoras piedosas mais distintas e os homens principais da cidade”, conseguiram que os dois apóstolos fossem expulsos. Paulo e Barnabé foram forçados a deixar aquela cidade, mas a semente estava lançada. Lá ficaram pessoas, cheias “de alegria e do Espírito Santo”, que tinham abraçado a fé e se dispunham a caminhar com Jesus. Quanto a Paulo e Barnabé, sem desanimarem, prosseguiram a missão que lhes fora confiada por Deus. Dirigiram-se a outras cidades da Ásia Menor (Icónio, Listra e Derbe), para aí continuarem a dar testemunho de Jesus.

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segunda leitura (Ap 7,9.14b-17) mostra-nos o reencontro final de Jesus com as ovelhas que, tendo escutado a voz de Jesus e tendo-O seguido, venceram a injustiça, a violência e a morte. No final do seu caminho na terra, reencontraram Jesus, o Bom Pastor, e, com Ele, acederão eternamente às fontes da água viva. E João, profeta de Patmos, convida-nos a olhar para a “multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas”. Essa multidão está de pé, em sinal de vitória, pois participa da vitória de Cristo sobre a morte. Todos os que integram essa multidão estão vestidos “com túnicas brancas” e “levam palmas nas mãos”.
O branco é a cor de Deus. São, portanto, pessoas que pertencem a Deus. As palmas apontam para os ramos de verdura com que Jesus foi acolhido, ao entrar na sua cidade santa de Jerusalém, mas aludem, sobretudo, à festa das tendas (evocava a passagem dos Hebreus da terra da escravidão para a terra da liberdade) durante a qual os israelitas entravam no recinto do Templo cantando e agitando ramos de palmeira. As palmas simbolizam vitória, festa, vida nova e eterna.
Depois, passamos, diretamente, para o versículo 14b, onde um dos seres vivos que está diante do trono de Deus explica que aqueles “vieram da grande tribulação”, “lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro”. São os mártires, os que suportaram a perseguição, mas que se mantiveram fiéis a Jesus. Redimidos pelo sacrifício de Cristo, não foram derrotados pela morte.
Agora, estes mártires, redimidos pelo sangue de Cristo, estão diante de Deus tributando-Lhe culto, dia e noite. Livres do sofrimento e da precariedade (“nunca mais terão fome nem sede, nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles”), gozam de uma felicidade eterna, junto de Deus. O Cordeiro levá-los-á “às fontes da água viva” e o próprio “Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos”.
Trata-se de uma mensagem magnífica, destinada a alimentar a esperança dos cristãos perseguidos.
A todos esses homens e mulheres injustiçados e magoados pela maldade e pela violência do império, João garante que cumpre o novo e definitivo êxodo e que, depois da intervenção final de Deus na História, os “santos” passam da escravidão para a liberdade plena. Serão acolhidos na tenda de Deus, ficarão definitivamente livres da morte, do sofrimento, das lágrimas. Cristo ressuscitado é o pastor deste novo povo: garantir-lhe-á os bens definitivos e conduzi-lo-á à fonte de onde brota a vida plena e eterna.

“Nós somos o povo de Deus, somos as ovelhas do seu rebanho.” Por isso, entoamos o hino dos redimidos:

“Aclamai o Senhor, terra inteira, / servi o Senhor com alegria, / vinde a Ele com cânticos de júbilo.

“Sabei que o Senhor é Deus, / Ele nos fez, a Ele pertencemos, / somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

“O Senhor é bom, / eterna é a sua misericórdia, / a sua fidelidade estende-se de geração em geração.”

 “Eu sou o bom pastor, diz o Senhor: conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.”

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O Evangelho desta dominga foi comentado por Leão XIV, antes da recitação do Regina Coeli, com a multidão, na Praça de São Pedro, nos seguintes termos:
“Considero um dom de Deus que o primeiro domingo do meu serviço como Bispo de Roma seja o Domingo do Bom Pastor, o quarto Domingo do Tempo Pascal, em que proclamamos, sempre, na Missa, uma passagem do capítulo décimo do Evangelho de João, na qual Jesus Se revela como o verdadeiro Pastor, que conhece e ama as suas ovelhas e dá a vida por elas
“Neste domingo é celebrado, há 62 anos, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Além disso, Roma acolhe o Jubileu das Bandas e do Espetáculo Popular. Saúdo, com afeto, todos estes peregrinos e agradeço-lhes porque, com a sua música e as suas apresentações artísticas, alegram a festa de Cristo Bom Pastor. Sim, é Ele que guia a Igreja com o seu Espírito Santo.
“Jesus afirma no Evangelho que conhece as suas ovelhas e que elas escutam a sua voz e O seguem (cf Jo 10,27). Com efeito, como ensina o Papa São Gregório Magno, as pessoas ‘correspondem ao amor daquele que as ama’ (Homilia 14, 3-6).
“Portanto, hoje, irmãos e irmãs, tenho a alegria de rezar convosco e com todo o Povo de Deus pelas vocações, especialmente pelas vocações sacerdotais e religiosas. A Igreja tem grande necessidade delas! E é importante que os jovens e as jovens encontrem, nas nossas comunidades, acolhimento, escuta e encorajamento, no seu caminho vocacional, e que possam contar com modelos críveis de dedicação generosa a Deus e aos irmãos.
“Façamos nosso o convite que o Papa Francisco nos deixou na sua Mensagem para o dia de hoje: o convite a acolher e acompanhar os jovens. E peçamos ao nosso Pai celeste que sejamos uns para os outros, cada um segundo a sua condição, pastores ‘segundo o seu coração’ (cf Jr 3,15), capazes de se ajudarem mutuamente a caminhar no amor e na verdade. E aos jovens eu digo: Não tenhais medo! Aceitai o convite da Igreja e de Cristo Senhor.
“Que a Virgem Maria, cuja vida inteira foi uma resposta ao chamamento do Senhor, nos acompanhe sempre no seguimento de Jesus.”
Depois da recitação do Regina Coeli, deixou recados ao Mundo:
A grande tragédia da Segunda Guerra Mundial terminou há 80 anos, a 8 de maio, após causar 60 milhões de vítimas. No cenário dramático de hoje, de uma terceira guerra mundial por partes, como o Papa Francisco afirmou, por mais de uma vez, também me dirijo aos grandes do Mundo, repetindo o apelo: ‘Nunca mais à guerra!’
“Tenho no coração os sofrimentos do amado povo ucraniano. Seja possível alcançar uma paz autêntica, justa e duradoura, o mais rápido possível. Sejam libertados todos os prisioneiros e possam as crianças retornar às suas famílias.
“Estou profundamente triste com o que está a acontecer na Faixa de Gaza. Cesse, imediatamente, o fogo! Preste-se ajuda humanitária para à esgotada população civil e libertem-se todos os reféns.
Saúdo, com satisfação o cessar-fogo no conflito entre a Índia e o Paquistão e espero que, através de negociações, se alcance um acordo duradouro.
“Porém, quantos outros conflitos há no Mundo! Confio à Rainha da Paz este sentido apelo, para que Ela o faça chegar ao Senhor Jesus para obter o milagre da paz.”

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Contudo, importa que fixemos as primeiras palavras – já programáticas – com que o Pontífice se dirigiu à multidão, a 8 de maio, falando da verdadeira paz (termo que repetiu por várias vezes):
“A paz esteja com todos vós! “Caríssimos irmãos e irmãs, esta é a primeira saudação de Cristo Ressuscitado, o Bom Pastor, que deu a vida pelo rebanho de Deus. Também eu gostaria que esta saudação de paz entrasse no vosso coração, chegasse às vossas famílias, a todas as pessoas, onde quer que se encontrem, a todos os povos, a toda a terra. A paz esteja convosco!
“Esta é a paz de Cristo Ressuscitado, uma paz desarmada e uma paz que desarma, que é humilde e perseverante. Que vem de Deus, do Deus que nos ama a todos incondicionalmente.
“Conservamos ainda nos nossos ouvidos aquela voz fraca, mas sempre corajosa, do Papa Francisco que abençoava Roma, o Papa que, naquela manhã de Páscoa, abençoava Roma e dava a sua bênção ao Mundo inteiro. Permiti-me que dê prosseguimento àquela mesma bênção: Deus nos ama, Deus vos ama a todos, e o mal não prevalecerá! Estamos todos nas mãos de Deus. Portanto, sem medo, unidos de mãos dadas com Deus e uns com os outros, sigamos em frente! “Somos discípulos de Cristo. Cristo vai à nossa frente. O Mundo precisa da sua luz. A Humanidade precisa d’Ele como ponte para poder ser alcançada por Deus e pelo seu amor. Ajudai-nos também vós e, depois, ajudai-vos uns aos outros a construir pontes, com o diálogo, o encontro, unindo-nos todos para sermos um só povo sempre em paz. Obrigado, Papa Francisco!
“Quero também agradecer a todos os meus irmãos Cardeais que me escolheram para ser o Sucessor de Pedro e para caminhar convosco, como Igreja unida, procurando sempre a paz, a justiça, esforçando-se sempre por trabalhar como homens e mulheres fiéis a Jesus Cristo, sem medo, para anunciar o Evangelho, para ser missionários.
“Sou agostiniano, um filho de Santo Agostinho que dizia: ‘Convosco sou cristão e para vós sou bispo’. Neste sentido, podemos caminhar todos juntos em direção à pátria que Deus nos preparou.
Uma saudação especial à Igreja de Roma! Devemos procurar, juntos, o modo de ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, que constrói o diálogo, sempre aberta para acolher a todos, como esta Praça, de braços abertos, a todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, de diálogo e de amor.
(Em espanhol)
“E se me permitem uma palavra, uma saudação [em espanhol] a todos e, especialmente, à minha querida Diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel acompanhou o seu bispo, partilhou a sua fé e deu tanto, tanto, para continuar a ser uma Igreja fiel a Jesus Cristo.
A todos vós, irmãos e irmãs de Roma, da Itália, de todo o Mundo: queremos ser uma Igreja sinodal, uma Igreja que caminha, uma Igreja que procura sempre a paz, que procura sempre a caridade, que procura sempre estar próxima, sobretudo dos que sofrem.
Hoje é o dia da Súplica a Nossa Senhora do Rosário de Pompeia. A nossa Mãe, Maria, quer sempre caminhar connosco, estar perto, ajudar-nos com a sua intercessão e o seu amor. Gostaria, por isso, de rezar convosco. Rezemos juntos por esta nova missão, por toda a Igreja, pela paz no Mundo e peçamos a Maria, nossa Mãe, esta graça especial: Ave Maria...

2025.05.11 – Louro de Carvalho


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