André Ventura, a 29 de maio, encheu de
militantes uma sala, no Hotel SANA Malhoa, em Lisboa, para uma segunda noite
eleitoral, em formato mais reduzido do que a de 18 de maio. Embora, em termos
percentuais, o Partido Socialista (PS) se mantenha como segunda força política,
o partido Chega teve motivos para celebrar nova vitória, pois conseguiu eleger,
nos círculos da emigração, dois deputados, passando de 58 a 60, pelo que se
constituiu em segunda força política parlamentar e em líder da oposição
parlamentar, ficando o seu presidente com lugar privilegiado no protocolo.
Assim, o PS ficou como terceira força
política, enquanto a Aliança Democrática (AD), ganhando mais dois deputados,
passou a deter 91, em vez dos anteriores 89.
No seu discurso, André Ventura disse às
minorias e aos que assistem às eleições portuguesas que “não tenham medo”, pois
o partido não se vai “aburguesar”. E, verificando a profunda
mudança “no sistema político português”, advertiu que “nada será como
dantes”, frisou que a subida do Chega é “uma mudança de regime tranquila e saudável” e garantiu que os seus
deputados não serão “os líderes da destruição, do bota-abaixo por bota-abaixo,
da crítica fácil”, mas “da ordem, da estabilidade, do escrutínio e do
confronto”.
A tranquilizar os receosos, assegurou que
o partido que lidera “tem a democracia na sua gente, na sua alma” e que atingiu
o lugar de líder da oposição, “lutando no terreno da democracia” e “por mérito
próprio”. Admitiu que as mudanças geram medo nos países e nas comunidades”, mas
declarou: “Temos de lhes dizer que
não tenham medo, homens e mulheres deste país, maiorias e minorias, emigrantes
e imigrantes, porque este partido, este movimento, não veio atrás de ninguém,
senão daqueles que roubaram Portugal durante os últimos 50 anos.”
Todavia, rejeitando que o Chega ignore as suas
“origens” e “raízes”, na “rua” e “no confronto”, deixou aviso para os
especialistas que, comparando o crescimento do Chega com homólogos europeus,
preveem que se modere na sua retórica. “Nós nunca renegaremos a nossa origem nem o nosso ADN. Aqueles que
esperavam que o partido, com estes resultados, se aburguesasse ou se
acomodasse, estão enganados”, advertiu, criticando o “politicamente
correto”, a “ideologia de género” e a União Europeia (UE).
No atinente ao seu papel de líder da oposição,
André Ventura não se afastou das entrevistas que tem dado, reiterando a
declaração do fim do “bipartidarismo” e defendendo a estabilidade do país.
Frisou que a rota de crescimento do partido “não terminou”, devendo saber, “sem
exageros, sem euforias”, “ler os sinais” das legislativas e ambicionar mais,
tanto nas autárquicas como nas presidenciais, onde terá uma palavra a dizer,
por muito que o queiram tirar dessa “equação”. E reafirmou a promessa de um
governo-sombra, alternativo ao da AD, mas sem oferecer qualquer novidade.
“Seremos o partido que, a partir de hoje, começará a construir uma alternativa
para este governo, não por este homem ou por esta mulher, em concreto, mas
porque eu acho que todos os sinais estão dados, dentro e fora do país, de que é
preciso um outro governo, que é preciso um outro país e que a hora da mudança
está a chegar”, reforçou.
Mesmo quando defendeu o respeito pela
origem do Chega como movimento à base de causas, André Ventura enfatizou que terá
em mente a estabilidade do governo. “Quando for preciso sair à rua, sairemos.
Quando for preciso voltar ao confronto, confrontaremos. Quando for preciso
fazer crítica e confronto e escrutínio contra a corrupção, faremos. Mas também
quando for preciso responsabilidade, quando for preciso ordem e quando for
preciso estabilidade, nós estaremos lá para a dar a Portugal”, prometeu.
Face à cobertura da imprensa
internacional, que tem comparado o Chega a outros movimentos de extrema-direita
europeus, como a Alternativa para a Alemanha (AfD), na Alemanha, ou a Vox,
na Espanha). O líder do Chega, que elogiou Salazar, reiterou não querer “saudosismo, nem futurismo”,
mas “olhar os outros países da Europa cara a cara” e “os outros países do Mundo
ombro a ombro”, e revelou que foi contactado por líderes europeus, que lhe
deram palavras de “obrigado”, de admiração e de reconhecimento, por trazer o
movimento de direita radical e os “ventos de mudança à direita” a Portugal,
onde “tardava a chegar”.
***
As eleições legislativas não resultaram em
grande mudança aritmética, na dinâmica parlamentar, já que a AD mantém uma
maioria relativa e a obrigação em dialogar para aprovar o seu programa e os
seus orçamentos, mas a maioria qualificada à direita já levou os protagonistas
a mudar o discurso em torno de eventuais negociações. Além da eventual
convergência nas direitas para uma revisão constitucional, que pode, se for
levada a cabo, trazer alteração paradigmática ao sistema, há áreas da
governação em que pode haver diálogo entre o Partido
Social Democrata (PSD) e o Chega, para aprovar as medidas pretendidas pelo governo. Em 2024, o PSD assegurou o “não é não” e não negociou com o
Chega para o programa do governo ou para o Orçamento do Estado, viabilizados por
abstenção do PS. Porém, a 18 de maio, o líder parlamentar do PSD esclarecia que
o “não é não” é só para soluções executivas.
Na saúde, na imigração e na educação, há
margem para aproximação e divergências difíceis de resolver, mas as maiores
concordâncias entre a AD e o Chega surgem na visão económica, como seria de
esperar. Há vários pontos de entendimento entre eles, em particular, na redução da carga fiscal e do papel do Estado e
na desburocratização e simplificação da Administração Pública. Porém, é nesses
pontos que os dois partidos se distinguem mais na sua abordagem: a da AD é mais
centrista e detalhada, não ignorando o papel do Estado; e a do Chega aposta no
corte do Estado, em inúmeros setores, garantindo que menos ministérios, menos
impostos, menos entraves burocráticos serão suficientes para atingir o seu
ambicioso cenário macroeconómico.
Por exemplo, o PSD diz acreditar na “economia
social de mercado, com coexistência e complementaridade entre as ofertas
pública, privada e social”, enquanto o Chega admite a entrada de privados no
investimento e na operação de infraestruturas, incluindo da ferrovia, para
reduzir as greves na CP – Comboios de Portugal.
Em matéria de impostos, a AD afirma que “a
redução da carga fiscal é uma prioridade assumida” e aponta para o imposto
sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e para o imposto sobre o
rendimento das pessoas coletivas (IRC), em particular, para o segundo,
pretendendo a redução gradual até aos 17%, no final da legislatura, e a redução,
até 15%, no caso das Pequenas e Médias Empresas (PME), nos primeiros 50 mil
euros de lucro tributável”. Já o Chega sugere a “redução progressiva do IRC,
para 15%, até 2028”, e prometeu o IVA Zero para bens alimentares essenciais,
como prometera o PS. E a AD não aborda a questão.
Também nos salários existe a concordância
vincada por diferença nos ‘timings’
de cada partido. O Chega quer aumentar o salário mínimo nacional para 1100
euros, até 2026, mas a AD prefere apontar o mesmo valor, para 2029.
As grandes diferenças, nas contas, estão
nos subsídios a
quem precisa do Estado. O Chega aposta no combate à ‘subsidiodependência’ e muitas
propostas do seu programa visam ‘fechar a torneira’ a muitos subsídios,
nomeadamente, a minorias étnicas, a imigrantes, a entidades públicas como
observatórios ou fundações, entre outros. Portanto, não verá com bons olhos a
proposta da AD para simplificar a atribuição de apoios e para implementar o
suplemento remunerativo solidário, (SRS) focado na integração no mercado
laboral sem riscos de os beneficiários perderem os apoios.
O Chega
também quer distinguir o rendimento social de inserção (RSI) do rendimento
social de sobrevivência (RSS), para quem não tem condições de voltar a
trabalhar. E exige que quem receber o RSI trabalhe, de modo que os
beneficiários do RSI possam contribuir, ativamente, para a comunidade,
prestando apoio a instituições do Estado, a serviços de Proteção Civil, a organismos
culturais e a entidades de utilidade pública ou de interesse coletivo.
Também na utilização de fundos europeus há
diferença, pois a AD enaltece a sua gestão dos mesmos e o Chega critica a
utilização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fortalecer o
Estado, defendendo uma política mais protecionista para produtos e empresas
nacionais.
A saúde é uma das áreas onde o Chega lança
várias críticas ao governo da AD, mas propõe soluções semelhantes. A AD recorda
o aumento do número de consultas e de cirurgias, entre 2023 e 2024, a
introdução do serviço de pré-chamada para as urgências e da Linha SNS Grávida,
passando as promessas muito pela continuidade do projeto deste governo. Ao invés, o Chega faz um
balanço negativo, queixando-se da “situação dramática” e do “colapso” no SNS,
do aumento de partos em ambulâncias, e do alegado “turismo de saúde”.
Nas Parcerias Público-Privadas (PPP), a AD
quer mais acordos para aumentar a oferta disponível para os utentes e favorece
uma complementaridade regional entre público e privado, mas mantém o foco das
suas medidas para a saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que diz ser um
“pilar central do sistema” do qual recusa abdicar. Por outro lado, a integração
de mais PPP no SNS (e noutros setores) é uma das pedras basilares do programa
do Chega, que defende a reestruturação profunda do atual SNS, que deverá
evoluir para um Sistema Nacional de Saúde integrado com os setores privado e
social, e a implementação de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para
resolver problemas.
Um ponto específico onde os dois partidos
divergem, nesta matéria, é o tempo máximo de resposta garantido (TMRG). A AD
quer “garantir a referenciação para a consulta de especialidade, com liberdade
de escolha do prestador pelo utente”, quando o TMRG é ultrapassado; o Chega não
quer deixar espaço para dúvidas e diz que o Estado “tem a obrigação de
referenciar” os utentes para os setores privado e social.
Quanto à educação, os dois partidos optam
por abordagens semelhantes, mas a AD é mais compreensiva e específica, em
continuidade com a prática governo. O Chega, apesar de criticar o executivo,
pelo número de alunos sem aulas, recomenda algumas das mesmas soluções, mesmo
que a via para lá chegar seja diferente, e quer medidas mais radicais e
disruptivas.
Ambos os partidos se dizem preocupados com
a carreira dos professores, em ter mais psicólogos nas escolas, em reforçar o
ensino profissional e a Ação Social Escolar, em apostar na literacia dos mais
jovens, em atribuir apoios às deslocações de docentes, para combater a falta de
professores, entre outras questões. A valorização salarial e a revisão do
estatuto da carreira docente (ECD) é um dos pontos com possibilidade de
entendimento, já que a AD pretende fazer tal revisão, “quando terminada a
recuperação do tempo de serviço”, acabando com “as quotas no acesso ao 5.º e
7.º escalões”, e o Chega quer rever o ECD e promete “recuperar, integralmente,
o tempo de serviço prestado pelos professores”.
Sobre o conteúdo do ensino, a AD é, dos
dois, quem apresenta mais propostas e sugestões para melhorar o desempenho dos
alunos, cujo nível tem vindo a cair, tanto nas ciências exatas como nas
ciências sociais, apontando como meta “aplicar as provas ModA [monitorização
das aprendizagens] no 4.º e no 6.º ano de escolaridade”. E é a única dos dois
maiores partidos a mencionar a utilização dos ‘smartphones’ nas salas de aula,
argumentando que os dispositivos devem ser proibidos “nos 1.º e 2.º ciclos do
ensino básico”.
O Chega apresenta a reintrodução dos
exames nacionais, nos finais de todos os ciclos de ensino (4.º, 6.º, 9.º, 11.º
e 12.º anos), para “combater o facilitismo e a burocracia”, mas foca-se mais no
combate contra a “ideologia de género”, contra as casas de banho mistas, em
tornar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento opcional e o seu currículo
sem conteúdos “ideológicos” e em aumentar a segurança nos estabelecimentos
escolares, tanto dos alunos como dos docentes. Além disso, pretende “renomear o Ministério da
Educação, Ciência e Inovação, em Ministério
do Ensino”, como forma de combater “o desperdício financeiro” e a
burocracia, “extinguindo todos os organismos ministeriais que não sejam
absolutamente fundamentais para dar prioridade à alocação de verbas orçamentais
o mais diretamente possível aos alunos, professores e escolas. E quer recuperar
a existência dos vigilantes escolares, de má memória.
A imigração é uma das grandes
bandeiras do Chega e é nesta área que os dois programas mais divergem. O
PSD vinca a abordagem humanista e a integração na sociedade e no mercado de
trabalho, mas o partido de André Ventura aposta na visão punitiva e de reforço
dos mecanismos de justiça e de segurança existentes. Em políticas de
acolhimento e na gestão das centenas de milhares de processos ainda pendentes,
a AD faz análise congratulatória do trabalho do governo, notando o fim da declaração
de manifestação de interesses e da maior celeridade na resolução de processos
em atraso, enquanto o Chega ataca o executivo da AD, por intensificar o
“descontrolo total” e a “imigração descontrolada”, e propõe mais garantias e
barreiras para limitar a ‘subsidiodependência’ e a entrada de pessoas, desde
pessoas com cadastro até a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), pela criação de quotas para a imigração.
Até no controlo das fronteiras, há forte
discórdia. A AD foca-se na formação de trabalhadores estrangeiros e na sua
abordagem mais moderada, embora admita medidas mais restritivas, como criar
mais centros de detenção ou a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras na
PSP. Já o Chega enumera diferentes situações em que defende deportações mais
frequentes, associa a formação de imigrantes a algumas condições, para que
possam permanecer no país, e promete “reformular a AIMA, no sentido de voltar a
concentrar a vertente administrativa com a policial”.
Sobre a nacionalidade, também há
abordagens distintas, já que a AD fala em “fomentar a aprendizagem” do Português,
para melhorar a “integração social” e em “rever os requisitos de atribuição de
nacionalidade portuguesa” para que o tempo necessário para obter a
nacionalidade seja maior, enquanto o Chega quer alterar a Lei da Nacionalidade,
para que só a possa obter quem tiver real ligação ao país, nomeadamente,
conhecendo a nossa História, identificando-se com a cultura e com as tradições
portuguesas e falando e escrevendo em Português.
Por
fim, no capítulo da habitação, o Chega vê na gestão
dos impostos a chave do problema, desde alívios fiscais a jovens e a famílias,
a eliminar o adicional ao imposto municipal sobre imóveis (IMI) e reduzir o
imposto sobre o valor acrescentado (IVA) para a construção para 6%, sugestão que
surge no programa da AD, tal como os benefícios para os jovens. A AD propõe um
programa de PPP para construir habitação acessível e alojamento para estudantes,
mas mantém a responsabilidade do Estado em criar oferta pública habitacional
para aliviar o mercado, ao passo que o Chega não fala em habitação pública.
***
Dizem que a AD não fará acordos com o Chega, nem com outros
partidos e têm a ilusão de que o PSD e o PS se mantêm herdeiros da instauração
do regime. Porém, o Chega terá elementos seus no Tribunal Constitucional, no
Conselho de Estado, nas secretas e nos conselhos superiores. Não minará o sistema?
A História não se repete; os fenómenos, sim!
2025.05.30 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário