sábado, 31 de maio de 2025

Emigração confirma reforço do tripartidarismo

 

André Ventura, a 29 de maio, encheu de militantes uma sala, no Hotel SANA Malhoa, em Lisboa, para uma segunda noite eleitoral, em formato mais reduzido do que a de 18 de maio. Embora, em termos percentuais, o Partido Socialista (PS) se mantenha como segunda força política, o partido Chega teve motivos para celebrar nova vitória, pois conseguiu eleger, nos círculos da emigração, dois deputados, passando de 58 a 60, pelo que se constituiu em segunda força política parlamentar e em líder da oposição parlamentar, ficando o seu presidente com lugar privilegiado no protocolo.

Assim, o PS ficou como terceira força política, enquanto a Aliança Democrática (AD), ganhando mais dois deputados, passou a deter 91, em vez dos anteriores 89. 

No seu discurso, André Ventura disse às minorias e aos que assistem às eleições portuguesas que “não tenham medo”, pois o partido não se vai “aburguesar”. E, verificando a profunda mudança “no sistema político português”, advertiu que “nada será como dantes”, frisou que a subida do Chega é “uma mudança de regime tranquila e saudável” e garantiu que os seus deputados não serão “os líderes da destruição, do bota-abaixo por bota-abaixo, da crítica fácil”, mas “da ordem, da estabilidade, do escrutínio e do confronto”.

A tranquilizar os receosos, assegurou que o partido que lidera “tem a democracia na sua gente, na sua alma” e que atingiu o lugar de líder da oposição, “lutando no terreno da democracia” e “por mérito próprio”. Admitiu que as mudanças geram medo nos países e nas comunidades”, mas declarou: “Temos de lhes dizer que não tenham medo, homens e mulheres deste país, maiorias e minorias, emigrantes e imigrantes, porque este partido, este movimento, não veio atrás de ninguém, senão daqueles que roubaram Portugal durante os últimos 50 anos.”

Todavia, rejeitando que o Chega ignore as suas “origens” e “raízes”, na “rua” e “no confronto”, deixou aviso para os especialistas que, comparando o crescimento do Chega com homólogos europeus, preveem que se modere na sua retórica. “Nós nunca renegaremos a nossa origem nem o nosso ADN. Aqueles que esperavam que o partido, com estes resultados, se aburguesasse ou se acomodasse, estão enganados”, advertiu, criticando o “politicamente correto”, a “ideologia de género” e a União Europeia (UE).

No atinente ao seu papel de líder da oposição, André Ventura não se afastou das entrevistas que tem dado, reiterando a declaração do fim do “bipartidarismo” e defendendo a estabilidade do país. Frisou que a rota de crescimento do partido “não terminou”, devendo saber, “sem exageros, sem euforias”, “ler os sinais” das legislativas e ambicionar mais, tanto nas autárquicas como nas presidenciais, onde terá uma palavra a dizer, por muito que o queiram tirar dessa “equação”. E reafirmou a promessa de um governo-sombra, alternativo ao da AD, mas sem oferecer qualquer novidade. “Seremos o partido que, a partir de hoje, começará a construir uma alternativa para este governo, não por este homem ou por esta mulher, em concreto, mas porque eu acho que todos os sinais estão dados, dentro e fora do país, de que é preciso um outro governo, que é preciso um outro país e que a hora da mudança está a chegar”, reforçou.

Mesmo quando defendeu o respeito pela origem do Chega como movimento à base de causas, André Ventura enfatizou que terá em mente a estabilidade do governo. “Quando for preciso sair à rua, sairemos. Quando for preciso voltar ao confronto, confrontaremos. Quando for preciso fazer crítica e confronto e escrutínio contra a corrupção, faremos. Mas também quando for preciso responsabilidade, quando for preciso ordem e quando for preciso estabilidade, nós estaremos lá para a dar a Portugal”, prometeu.

Face à cobertura da imprensa internacional, que tem comparado o Chega a outros movimentos de extrema-direita europeus, como a Alternativa para a Alemanha (AfD), na Alemanha, ou a Vox, na Espanha). O líder do Chega, que elogiou Salazar, reiterou não querer “saudosismo, nem futurismo”, mas “olhar os outros países da Europa cara a cara” e “os outros países do Mundo ombro a ombro”, e revelou que foi contactado por líderes europeus, que lhe deram palavras de “obrigado”, de admiração e de reconhecimento, por trazer o movimento de direita radical e os “ventos de mudança à direita” a Portugal, onde “tardava a chegar”.

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As eleições legislativas não resultaram em grande mudança aritmética, na dinâmica parlamentar, já que a AD mantém uma maioria relativa e a obrigação em dialogar para aprovar o seu programa e os seus orçamentos, mas a maioria qualificada à direita já levou os protagonistas a mudar o discurso em torno de eventuais negociações. Além da eventual convergência nas direitas para uma revisão constitucional, que pode, se for levada a cabo, trazer alteração paradigmática ao sistema, há áreas da governação em que pode haver diálogo entre o Partido Social Democrata (PSD) e o Chega, para aprovar as medidas pretendidas pelo governo. Em 2024, o PSD assegurou o “não é não” e não negociou com o Chega para o programa do governo ou para o Orçamento do Estado, viabilizados por abstenção do PS. Porém, a 18 de maio, o líder parlamentar do PSD esclarecia que o “não é não” é só para soluções executivas.

Na saúde, na imigração e na educação, há margem para aproximação e divergências difíceis de resolver, mas as maiores concordâncias entre a AD e o Chega surgem na visão económica, como seria de esperar. Há vários pontos de entendimento entre eles, em particular, na redução da carga fiscal e do papel do Estado e na desburocratização e simplificação da Administração Pública. Porém, é nesses pontos que os dois partidos se distinguem mais na sua abordagem: a da AD é mais centrista e detalhada, não ignorando o papel do Estado; e a do Chega aposta no corte do Estado, em inúmeros setores, garantindo que menos ministérios, menos impostos, menos entraves burocráticos serão suficientes para atingir o seu ambicioso cenário macroeconómico.

Por exemplo, o PSD diz acreditar na “economia social de mercado, com coexistência e complementaridade entre as ofertas pública, privada e social”, enquanto o Chega admite a entrada de privados no investimento e na operação de infraestruturas, incluindo da ferrovia, para reduzir as greves na CP – Comboios de Portugal.

Em matéria de impostos, a AD afirma que “a redução da carga fiscal é uma prioridade assumida” e aponta para o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e para o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), em particular, para o segundo, pretendendo a redução gradual até aos 17%, no final da legislatura, e a redução, até 15%, no caso das Pequenas e Médias Empresas (PME), nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável”. Já o Chega sugere a “redução progressiva do IRC, para 15%, até 2028”, e prometeu o IVA Zero para bens alimentares essenciais, como prometera o PS. E a AD não aborda a questão.

Também nos salários existe a concordância vincada por diferença nos ‘timings’ de cada partido. O Chega quer aumentar o salário mínimo nacional para 1100 euros, até 2026, mas a AD prefere apontar o mesmo valor, para 2029.

As grandes diferenças, nas contas, estão nos subsídios a quem precisa do Estado. O Chega aposta no combate à ‘subsidiodependência’ e muitas propostas do seu programa visam ‘fechar a torneira’ a muitos subsídios, nomeadamente, a minorias étnicas, a imigrantes, a entidades públicas como observatórios ou fundações, entre outros. Portanto, não verá com bons olhos a proposta da AD para simplificar a atribuição de apoios e para implementar o suplemento remunerativo solidário, (SRS) focado na integração no mercado laboral sem riscos de os beneficiários perderem os apoios.

O Chega também quer distinguir o rendimento social de inserção (RSI) do rendimento social de sobrevivência (RSS), para quem não tem condições de voltar a trabalhar. E exige que quem receber o RSI trabalhe, de modo que os beneficiários do RSI possam contribuir, ativamente, para a comunidade, prestando apoio a instituições do Estado, a serviços de Proteção Civil, a organismos culturais e a entidades de utilidade pública ou de interesse coletivo.

Também na utilização de fundos europeus há diferença, pois a AD enaltece a sua gestão dos mesmos e o Chega critica a utilização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fortalecer o Estado, defendendo uma política mais protecionista para produtos e empresas nacionais. 

A saúde é uma das áreas onde o Chega lança várias críticas ao governo da AD, mas propõe soluções semelhantes. A AD recorda o aumento do número de consultas e de cirurgias, entre 2023 e 2024, a introdução do serviço de pré-chamada para as urgências e da Linha SNS Grávida, passando as promessas muito pela continuidade do projeto deste governo. Ao invés, o Chega faz um balanço negativo, queixando-se da “situação dramática” e do “colapso” no SNS, do aumento de partos em ambulâncias, e do alegado “turismo de saúde”.

Nas Parcerias Público-Privadas (PPP), a AD quer mais acordos para aumentar a oferta disponível para os utentes e favorece uma complementaridade regional entre público e privado, mas mantém o foco das suas medidas para a saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que diz ser um “pilar central do sistema” do qual recusa abdicar. Por outro lado, a integração de mais PPP no SNS (e noutros setores) é uma das pedras basilares do programa do Chega, que defende a reestruturação profunda do atual SNS, que deverá evoluir para um Sistema Nacional de Saúde integrado com os setores privado e social, e a implementação de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para resolver problemas.

Um ponto específico onde os dois partidos divergem, nesta matéria, é o tempo máximo de resposta garantido (TMRG). A AD quer “garantir a referenciação para a consulta de especialidade, com liberdade de escolha do prestador pelo utente”, quando o TMRG é ultrapassado; o Chega não quer deixar espaço para dúvidas e diz que o Estado “tem a obrigação de referenciar” os utentes para os setores privado e social.

Quanto à educação, os dois partidos optam por abordagens semelhantes, mas a AD é mais compreensiva e específica, em continuidade com a prática governo. O Chega, apesar de criticar o executivo, pelo número de alunos sem aulas, recomenda algumas das mesmas soluções, mesmo que a via para lá chegar seja diferente, e quer medidas mais radicais e disruptivas.

Ambos os partidos se dizem preocupados com a carreira dos professores, em ter mais psicólogos nas escolas, em reforçar o ensino profissional e a Ação Social Escolar, em apostar na literacia dos mais jovens, em atribuir apoios às deslocações de docentes, para combater a falta de professores, entre outras questões. A valorização salarial e a revisão do estatuto da carreira docente (ECD) é um dos pontos com possibilidade de entendimento, já que a AD pretende fazer tal revisão, “quando terminada a recuperação do tempo de serviço”, acabando com “as quotas no acesso ao 5.º e 7.º escalões”, e o Chega quer rever o ECD e promete “recuperar, integralmente, o tempo de serviço prestado pelos professores”.

Sobre o conteúdo do ensino, a AD é, dos dois, quem apresenta mais propostas e sugestões para melhorar o desempenho dos alunos, cujo nível tem vindo a cair, tanto nas ciências exatas como nas ciências sociais, apontando como meta “aplicar as provas ModA [monitorização das aprendizagens] no 4.º e no 6.º ano de escolaridade”. E é a única dos dois maiores partidos a mencionar a utilização dos ‘smartphones’ nas salas de aula, argumentando que os dispositivos devem ser proibidos “nos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico”.

O Chega apresenta a reintrodução dos exames nacionais, nos finais de todos os ciclos de ensino (4.º, 6.º, 9.º, 11.º e 12.º anos), para “combater o facilitismo e a burocracia”, mas foca-se mais no combate contra a “ideologia de género”, contra as casas de banho mistas, em tornar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento opcional e o seu currículo sem conteúdos “ideológicos” e em aumentar a segurança nos estabelecimentos escolares, tanto dos alunos como dos docentes. Além disso, pretende “renomear o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, em Ministério do Ensino”, como forma de combater “o desperdício financeiro” e a burocracia, “extinguindo todos os organismos ministeriais que não sejam absolutamente fundamentais para dar prioridade à alocação de verbas orçamentais o mais diretamente possível aos alunos, professores e escolas. E quer recuperar a existência dos vigilantes escolares, de má memória.

A imigração é uma das grandes bandeiras do Chega e é nesta área que os dois programas mais divergem. O PSD vinca a abordagem humanista e a integração na sociedade e no mercado de trabalho, mas o partido de André Ventura aposta na visão punitiva e de reforço dos mecanismos de justiça e de segurança existentes. Em políticas de acolhimento e na gestão das centenas de milhares de processos ainda pendentes, a AD faz análise congratulatória do trabalho do governo, notando o fim da declaração de manifestação de interesses e da maior celeridade na resolução de processos em atraso, enquanto o Chega ataca o executivo da AD, por intensificar o “descontrolo total” e a “imigração descontrolada”, e propõe mais garantias e barreiras para limitar a ‘subsidiodependência’ e a entrada de pessoas, desde pessoas com cadastro até a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), pela criação de quotas para a imigração.

Até no controlo das fronteiras, há forte discórdia. A AD foca-se na formação de trabalhadores estrangeiros e na sua abordagem mais moderada, embora admita medidas mais restritivas, como criar mais centros de detenção ou a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras na PSP. Já o Chega enumera diferentes situações em que defende deportações mais frequentes, associa a formação de imigrantes a algumas condições, para que possam permanecer no país, e promete “reformular a AIMA, no sentido de voltar a concentrar a vertente administrativa com a policial”.

Sobre a nacionalidade, também há abordagens distintas, já que a AD fala em “fomentar a aprendizagem” do Português, para melhorar a “integração social” e em “rever os requisitos de atribuição de nacionalidade portuguesa” para que o tempo necessário para obter a nacionalidade seja maior, enquanto o Chega quer alterar a Lei da Nacionalidade, para que só a possa obter quem tiver real ligação ao país, nomeadamente, conhecendo a nossa História, identificando-se com a cultura e com as tradições portuguesas e falando e escrevendo em Português.

Por fim, no capítulo da habitação, o Chega vê na gestão dos impostos a chave do problema, desde alívios fiscais a jovens e a famílias, a eliminar o adicional ao imposto municipal sobre imóveis (IMI) e reduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) para a construção para 6%, sugestão que surge no programa da AD, tal como os benefícios para os jovens. A AD propõe um programa de PPP para construir habitação acessível e alojamento para estudantes, mas mantém a responsabilidade do Estado em criar oferta pública habitacional para aliviar o mercado, ao passo que o Chega não fala em habitação pública.

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Dizem que a AD não fará acordos com o Chega, nem com outros partidos e têm a ilusão de que o PSD e o PS se mantêm herdeiros da instauração do regime. Porém, o Chega terá elementos seus no Tribunal Constitucional, no Conselho de Estado, nas secretas e nos conselhos superiores. Não minará o sistema? A História não se repete; os fenómenos, sim!

2025.05.30 – Louro de Carvalho

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