Foi através de uma publicação na rede social Facebook, que o Instituto da Terra,
organização não-governamental (ONG) fundada por Sebastião Ribeiro Salgado
Júnior, que o anúncio foi feito: “Com imenso pesar, comunicamos o
falecimento de Sebastião Salgado, nosso fundador, mestre e eterno inspirador”.
“Sebastião foi muito mais do que
um dos maiores fotógrafos de nosso tempo. Ao lado da sua companheira de vida,
Lélia Deluiz Wanick Salgado, semeou esperança, onde havia devastação, e fez
florescer a ideia de que a restauração ambiental é também um gesto profundo de
amor pela Humanidade. A sua lente revelou o Mundo e as suas contradições, a sua
vida, o poder da ação transformadora”, lê-se no post.
Na hora da despedida, o Instituto da Terra deixa ao fundador
a promessa de honrar o seu legado, “cultivando a terra, a justiça e a beleza
que ele tanto acreditou ser possível restaurar. [… Hoje e até sempre”.
O fotógrafo, de dupla nacionalidade francesa e brasileira,
tinha 81 anos. A Academia de Belas Artes francesa também já lamentou a perda
“do colega Sebastião Salgado” e partilha imagens únicas captadas pelo
fotógrafo.
Nascido a 8
de fevereiro de 1944, na vila de Conceição do Capim, em Aimorés, Minas
Gerais, Sebastião Salgado viveu a sua infância em Expedicionário Alício.
Graduou-se em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1964-1967). Fez
o mestrado na Universidade de São Paulo e o doutoramento na Universidade
de Paris, ambos em Economia. Porém, apesar de ser m bom economista, a carreira
de fotógrafo que iniciou, em 1973, em Paris, levou a melhor.
Casou com a pianista Lélia
Deluiz Wanick – também arquiteta, pela École National Supérieure de Beaux Arts, e urbanista,
pela Universidade Paris VIII –, com quem teve dois filhos:
Juliano e Rodrigo.
Já em 1993 expôs em Portugal, na inauguração do Centro
Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, onde mostrou cerca de 250 imagens.
Foi fotógrafo das agências de fotografia Sygma, Gamma, e
Magnum, e fundou, com a mulher, a Amazonas Images e o Instituto para
a reflorestação da Mata Atlântica brasileira.
Conhecido pelo seu trabalho documental e por fotografar em
preto e branco, Sebastião
Salgado foi laureado com os principais prémios de fotografia do Mundo e morreu
no dia em que é inaugurada a exposição “Venham Mais Cinco – O Olhar Estrangeiro
sobre a Revolução Portuguesa (1974-1975)”, em Almada, que inclui fotos suas
tiradas durante a revolução.
A agência Lusa
recorda que, de 23 de maio a 24 de agosto, 200 fotografias que espelham o olhar
de 30 fotógrafos e fotojornalistas estrangeiros sobre a revolução do 25 de
Abril vão estar em exposição em Almada, em frente à antiga Lisnave – Parque
Empresarial da Mutela. A exposição, com curadoria de Sérgio Tréfaut e com consultoria
histórica de Luísa Tiago de Oliveira, é inédita em Portugal e reúne imagens de
fotógrafos e de fotojornalistas da França, da Alemanha, do Brasil, da Itália, dos
Países Baixos e da então Checoslováquia, publicadas em jornais e revistas de
todo o Mundo. E Sebastião Salgado é um dos
fotógrafos representados na mostra.
Para os dias 24, 25 e 31 de maio, estão agendadas visitas
comentadas por alguns dos autores das imagens, nomeadamente, Jean-Claude
Francolon, Fausto Giaccone, Michel Puech, Jean-Paul Paireault e Alain Mingam.
Em nota enviada às redações, a ministra da Cultura, Dalila
Rodrigues, expressa “profundo pesar” pela morte de Sebastião Salgado,
destacando o seu “importantíssimo legado”. “Com um percurso mundialmente reconhecido, Sebastião Salgado, através
das imagens que nos legou, registadas a preto e branco, deixou um importante
contributo no campo artístico, no fotojornalismo e na área documental”, lê-se
na nota de pesar, na qual a governante recorda que o fotógrafo fundou o
Instituto Terra, “ONG dedicada à reflorestação e à recuperação da biodiversidade
da Mata Atlântica, ao desenvolvimento rural sustentável e à educação
ambiental”.
***
Como fotojornalista, cobriu “histórias
socioeconómicas” cuja visão foi influenciada pela sua infância. Na verdade, era
natural de um
país subdesenvolvido, com enormes problemas sociais, tendo estudado e
trabalhado como economista. Revela que foi marxista, maoísta e, mais tarde, hippie, o que lhe deu “uma visão comunitária do planeta”,
levando-o “a uma fotografia de cariz humano e social”, no que se concentrou durante
muito tempo, até se tornar “ambientalista”.
Voltou-se para o ambiente, após
haver testemunhado, como fotógrafo, coisas terríveis, por exemplo, o genocídio no Ruanda, em
1994, com as suas consequências. Sentiu-se doente, até à depressão. Um médico
recomendou-lhe descanso por alguns meses, pelo que voltou para o Brasil, com a
esposa, “para o Sul do estado da Bahia, parte da região da Mata Atlântica do
país”, vivendo “junto à praia, perto de tribos antigas”, o que o tornou “mais
calmo” e a sentir-se melhor.
Entretanto,
herdou dos pais a quinta da família no Vale do Rio Doce, no estado vizinho de
Minas Gerais. Decidiu, com a esposa, “abandonar a fotografia” e dedicar-se à
agricultura. Porém, naquela “fazenda linda, toda arborizada, com um rio que
passava por ela” e onde nadava, quando era criança, “o solo estava morto, e era
impossível viver numa terra morta”. E por sugestão de Lélia, a esposa,
aventurou-se à replantação da floresta.
Era a
primeira vez que alguém plantava “uma floresta tropical em grande escala no
Brasil”. Ora, para reabilitar toda a propriedade, eram necessários “cerca de
três milhões de árvores”. Como Sebastião Salgado tinha nome na fotografia,
conseguiu angariar dinheiro e começou a plantação de “uma média de 150 mil
árvores, por ano”. Seguiu-se “um viveiro, um laboratório para as sementes”, que
induziu a plantação de “mais de duzentas espécies diferentes de árvores
tropicais autóctones”. Mais tarde, surgiu “um centro de formação de técnicos
ambientais [que deu origem ao Instituto Terra] e a inscrição de “20
agricultores, por ano”. Isto não aconteceu, “por causa de uma ideologia ou de ativismo;
éramos apenas cidadãos comuns, que decidiram plantar uma floresta”, explicitou.
Plantaram
três milhões de árvores e, segundo o ambientalista, “o Instituto Terra
tornou-se o maior instituto ecológico rural do Brasil”.
É curioso
como o novel técnico agroflorestal explica o modo de construção da floresta: “Quando
se constrói uma floresta, é preciso fazer isso numa sequência. Primeiro, plantam-se
as espécies de árvores ‘pioneiras’, que criam as condições para o crescimento
da floresta. Depois, vêm as árvores secundárias. Duas décadas após o início do
projeto, estamos a plantar um milhão de árvores ‘clímax’ [espécies duradouras
que se desenvolvem em condições estáveis]. Muitas desaparecerão, mas as que não
desaparecerem estarão por cá, durante mil anos. Na nossa quinta, trouxemos de
volta uma enorme quantidade de biodiversidade. Temos, praticamente, todos os insetos
da região, 173 espécies diferentes de aves, mamíferos – até já vimos jaguares.
Agora, estas bolsas de biodiversidade estão a começar a irradiar para outras
áreas.”
A seguir, surgiu o
desenvolvimento do projeto de reabilitação de toda a bacia hidrográfica do Rio Doce. O
vale foi batizado de Vale do Rio Doce, a partir do nome do rio que o atravessa
e que, em tempos idos, “era grande, cheio de jacarés; ao passo que, atualmente,
“a água é muito pouca”. Não obstante, cada pequeno ribeiro, ali existente,
alimenta o rio e 370 mil nascentes.
Também o
inspirador do projeto dá conta de como se reabilita uma fonte de água: “É
preciso plantar, em média, 500 árvores, num hectare de terra. Até agora, já
plantámos cerca de 2100 dessas pequenas florestas e acabámos de receber financiamento
para plantar mais 4200, em três mil quintas diferentes.
Por fim, Sebastião Salgado
explica a mudança da “sua relação com a Natureza”. O regresso à quinta
remeteu-o às suas origens. Conhece-a como as suas “linhas da palma da mão”. E explicita:
“Tem 37 quilómetros de comprimento, mas conheço cada ângulo, cada pedra.
Conheci-a, quando era uma floresta, e estou a vê-la, novamente, como uma
floresta. Hoje, apercebo-me de que estou a fechar um círculo, e este círculo é
a minha vida. Neste momento, quando eu e a Lélia nos visitamos, ficamos no
centro de formação, mas estamos a construir uma casa lá, porque é onde queremos
terminar os nossos dias. Não imaginam como isto me faz feliz.”
***
Sebastião Salgado
viajou por mais de 120 países para os seus projetos fotográficos. A maioria
deles apareceu em inúmeras publicações de imprensa e em livros. Foram
apresentadas, em todo o Mundo, exposições itinerantes de seu trabalho.
Trabalhando
só com foto a preto e branco, o respeito de Sebastião Salgado pelo seu objeto
de trabalho e a determinação em mostrar o significado mais amplo do que acontecia
com as pessoas criou um conjunto de imagens que testemunham a dignidade
fundamental de toda a Humanidade e protestam contra a sua violação, por meio
da guerra, da pobreza e de outras injustiças.
Foi embaixador
da Boa Vontade da UNICEF (Fundo das Nações
Unidas para a Infância). Recebeu, em 1982, o W. Eugene Smith
Memorial Fund, bolsa concedida a fotógrafo com visão
inovadora e intrigante de seres humanos a lidar com questões sociais, económicas,
políticas ou ambientais. E, desde 1992, era membro honorário
estrangeiro da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos da América
(EUA). Recebeu a Medalha do Centenário e Bolsa Honorária da Royal
Photographic Society (HonFRPS), em 1993. E foi membro da Academia de
Belas-Artes de Paris, pertencente ao Institut de France, com início
em abril de 2016.
Salgado trabalhou,
inicialmente, como secretário para a Organização Internacional do Caf(OIC).
Nas suas viagens de trabalho para a África, muitas vezes, patrocinadas
pelo Banco Mundial, fez a sua primeira sessão de fotos, nos anos 70, com
a Leica da esposa. Fotografar inspirou-o tanto que, logo depois,
em 1973, se tornou independente, como fotojornalista e, em seguida, voltou para
Paris.
Em 1979,
depois de passagens pelas agências de fotografia Sygma e Gamma, entrou para
a Magnum. Encarregado de uma série de fotos sobre os primeiros 100 dias de
governo de Ronald Reagan, documentou o atentado a tiros cometido
por John Hinckley, Jr., contra o então presidente dos EUA, a 30
de março de 1981, em Washington. A venda das fotos para jornais de
todo o Mundo permitiu-lhe financiar o seu primeiro projeto pessoal, uma viagem
à África.
O seu
primeiro livro, Outras Américas, sobre os pobres na América
Latina, foi publicado em 1986. Na sequência, publicou Sahel: O Homem em Pânico (ainda em 1986),
resultado de uma longa colaboração de 12 meses com a organização não-governamental
Médicos sem Fronteiras (MSF), cobrindo a seca no Norte da África.
Entre 1986 e 1992, concentrou-se na documentação do trabalho manual em todo o Mundo,
publicada e exibida sob o nome Trabalhadores,
um feito monumental que confirmou a sua reputação como fotodocumentarista de
primeira linha.
De 1993 a
1999, voltou a sua atenção para o fenómeno global de desalojamento em massa de
pessoas, que resultou em Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo,
publicados em 2000 e aclamados internacionalmente. Na introdução de Êxodos,
escreveu: “Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há
diferenças de cores, de línguas, de culturas e de oportunidades, mas os
sentimentos e as reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras
para escapar da morte, migram para melhorar a sua sorte, constroem novas vidas
em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas…”
Em setembro
de 2000, com o apoio das Nações Unidas e da UNICEF, montou uma exposição no
Escritório das Nações Unidas, em Nova Iorque, com 90 retratos de crianças
desalojadas extraídos da sua obra Retratos
de Crianças do Êxodo. Tais fotografias testemunham 30 milhões de pessoas em
todo o Mundo, na sua maioria, crianças e mulheres sem residência fixa.
Sebastião
Salgado foi internacionalmente reconhecido e recebeu, praticamente, todos os
principais prémios de fotografia do Mundo, em reconhecimento do seu trabalho.
Fundou, em 1994, a sua própria agência de notícias, As Imagens da Amazónia,
que representa o fotógrafo e o seu trabalho. Sebastião Salgado e a sua esposa
Lélia Wanick Salgado, autora do projeto gráfico da maioria dos seus livros, fixaram
residência em Paris. Como se disse, o casal tem dois filhos, Juliano
Salgado, nascido em 1974, e Rodrigo, nascido em 1979, que tem síndrome de
Down. Juliano é cineasta e dirigiu, com o fotógrafo Wim Wenders, o
documentário O Sal da Terra,
sobre o trabalho do pai, que foi indicado ao Oscar 2015 de melhor
documentário.
A 6 de
dezembro de 2017, tomou posse da cadeira n.º 1, das quatro cadeiras de
fotógrafos da Acadeia de Belas Artes da França, sucedendo a Lucien Clergue,
que morreu em 2014. Na cerimónia oficial da tomada de posse como imortal da
Academia, recebeu o fardão e a espada, sendo o primeiro brasileiro a integrar o
rol de imortais da instituição.
Ao longo dos
anos, Sebastião Salgado tem contribuído, generosamente, com organizações
humanitárias, incluindo a UNICEF, o Alto comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a MSF e
a Amnistia Internacional (AI). Com a esposa, apoiava, atualmente, um
projeto de reflorestamento e de revitalização comunitária em Minas Gerais,
através do Instituto Terra.
***
Para
caraterizar, globalmente, o eminente fotógrafo, não encontrei segmento
discursivo eloquente como o de Roberto Baggio: “As lentes que ele utilizava
carregavam um projeto. No fundo, era um projeto de denúncia da violência do
latifúndio, da concentração da propriedade, da questão agrária brasileira. Ao
mesmo tempo, enxerga essa força camponesa, lutando para repartir a terra, para
ter vida melhor. O trabalho dele, as lentes dele, a fotografia, carregavam esse
projeto. Ficamos muito tristes com a notícia da morte, porque ele é um irmão
nosso. Era um camponês da fotografia” (https://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2025/05/23/parana-sebastiao-salgado-assentamentos-mst.ghtml).
2025.05.23 – Louro de Carvalho
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