segunda-feira, 19 de maio de 2025

AD venceu as eleições, mas há presságios de mandato com instabilidade

 

 

A Aliança Democrática (AD – PSD/CDS) venceu as eleições de 18 de maio, reforçando a posição do primeiro-ministro (PM) demissionário, Luís Montenegro, e vincando a acentuada derrota do Partido Socialista (PS), cujo secretário-geral, Pedro Nuno Santos tirou as devidas consequências políticas, que o levaram à demissão do cargo partidário.

A AD, coligação do Partido Social Democrata (PSD) e do partido do Centro Democrático Social (CDS), celebra clara vitória eleitoral, mas sem condições para a sua tão desejada, mas pouco provável, maioria parlamentar, deixando seriamente desiludido o Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, o tão autoapregoado paladino da estabilidade.

O grande derrotado foi o PS, que pode ser a segunda força política no país, mas a terceira força partidária na Assembleia da República (AR), pois, embora os 20 círculos cujos resultados já foram apurados (os 18 do Continente e os das duas Regiões Autónomas) tenham ditado 58 assentos parlamentares, tantos como ao partido Chega, é possível que os dois círculos da emigração deem mais deputados ao Chega do que ao PS, embora a percentagem de votos deste seja ligeiramente superior à do Chega.

O Chega, em termos de partido não coligado, foi o grande vencedor do dia, passando de 50 deputados para 58 e fazendo com que o país ficasse, epidermicamente, para Norte, em alerta laranja (embora submerso no azul-escuro) e para Sul, pintado de azul-escuro, com uma clareira rosa. “O Chega tornou-se nestas eleições o segundo maior partido desta democracia. […] Que bom é olhar para o mapa de Portugal e ver tanta vitória do Chega”, afirmou André Ventura aos apoiantes, reforçando que o resultado do partido “acabou com o bipartidarismo”.

“Nós fizemos mesmo o que nunca nenhum partido tinha feito em Portugal. Nós hoje podemos declarar, oficialmente e perante o país todo e com segurança, que acabou o bipartidarismo em Portugal”, sublinhou.

AD é a vencedora das legislativas antecipadas, mas só consegue fazer maioria com o PS ou com o Chega, não com Iniciativa Liberal (IL), que passou de seis para nove deputados. O PS, embora possa viabilizar o programa do governo, não parece disposto a acordo de incidência parlamentar com a AD. E esta, se for consequente, não se junta ao Chega. Resta-lhe estabelecer acordos à esquerda ou à direita, matéria a matéria. Ainda com os círculos da emigração por apurar, a coligação formada pelo PSD e CDS-PP obteve o maior número de votos (32,72%), uma subida superior a 4%, e de deputados (89) – em que se incluem três da coligação regional PSD-CDS/PPM (Partido Popular Monárquico) –, mais nove do que em 2024.

Dos demais partidos ressalta que o Livre melhorou a sua representação parlamentar, obtendo seis mandatos, em vez dos quatro anteriores, e que o partido regional Juntos pelo Povo (JPP) tem, agora, representação parlamentar com um deputado. Ao invés, a Coligação Democrática Unitária (CDU) perdeu um deputado, o Bloco de Esquerda (BE) ficou apenas com um. Por sua vez, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) manteve a sua deputada.  

Para Luís Montenegro, os resultados eleitorais são claros e reforçam a confiança dos Portugueses no governo e nele próprio, reforçando que a responsabilidade é, agora, dos partidos da oposição, que devem ser “capazes de colocar o interesse nacional” acima de tudo.

“A resposta [do eleitorado] foi clara: o programa base da governação é o programa da AD. O primeiro-ministro é o atual e todos devem ser capazes de colocar o interesse nacional acima de qualquer outro”, afirmou o líder do PSD, reforçando: “Às oposições caberá, igualmente, respeitar e cumprir a vontade popular, honrando os seus compromissos e as suas propostas, mas adequando-os às circunstâncias nacionais e coletivas. De uns e outros espera-se sentido de Estado, sentido de responsabilidade, respeito pelas pessoas e, naturalmente, espírito de convivência na diversidade, mas também de convergência e salvaguarda do interesse nacional.”

Sem maioria sustentada na AR, o PM foi questionado sobre se o “não é não” ao Chega se mantém, algo que não foi, respondido de forma clara, sendo substituído pelo “sim é sim a Portugal”. Já Paulo Rangel, em entrevista à Euronews, afirmou que, tal como na legislatura anterior, “ficou claro que a AD não irá fazer nenhuma coligação formal com o Chega. Por isso, temos de negociar cada dossiê”.

Para o ainda ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar de a AD não alcançar maioria na AR, “os resultados são claros”. “Acho que os resultados são claros. Seria muito estranho, diria até politicamente inaceitável, que não pudéssemos formar governo ou ver o nosso programa passar no Parlamento”, afirmou, reforçando que a anterior legislação foi conseguida através da negociação com as diferentes forças políticas, o que poderá acontecer novamente.

“Estamos abertos a falar com toda a gente no Parlamento. Isto não é novo”, afirmou.

O PS ficou em segundo lugar, com 23,38%, quase menos 5% do que em 2024, o que se traduz em quase menos 420 mil votos e em apenas 58 assentos parlamentares, ou seja, perdeu 20. Trata-se do seu pior resultado eleitoral, desde 1987, ano da primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, quando o PS granjeou apenas 22,2% das preferências dos eleitores.

Não demorou muito até que Pedro Nuno Santos anunciasse a saída da liderança do PS. “Assumo as minhas responsabilidades como líder do partido. Vou, por isso, pedir eleições internas à Comissão Nacional, às quais não serei candidato”, afirmou socialista, aduzindo: “Como disse Mário Soares, só é vencido quem desiste de lutar. […] E eu não desistirei de lutar. Até breve, obrigado a todos.”

O ainda secretário-geral do PS reconheceu o mau resultado, mas garantiu, no que disse ser uma opinião pessoal, que não lhe cabe a si, nem ao partido, sustentar um governo da AD, aduzindo que “Montenegro não tem a idoneidade necessária para o cargo de primeiro-ministro e as eleições não alteraram essa realidade”. Além disso, o socialista refere que o anterior governo falhou, a vários níveis, e o programa apresentado pela AD vai “contra os princípios e valores do PS”. Entretanto, vincou: “A minha posição é muito clara, sobre essa matéria, e eu não quero ser um estorvo ao partido, nas decisões que tiver de tomar. Eu não poderia nunca ser suporte deste governo, acho que o PS também não o deveria ser.”

Segundo avançou o Expresso, José Luís Carneiro tenciona recandidatar-se à liderança do PS, com o anúncio oficial a ser feito, no dia 24, na reunião da Comissão Nacional.

Como já foi referido, outro dos vencedores da noite eleitoral é o Chega (22,56%), o terceiro partido mais votado, com mais 175 mil votos do que em 2024 (a menos de 50 mil do PS), e que subiu mais de 4%, igualando o número de deputados do PS. No entanto, a formação política liderada por André Ventura pode passar a ter mais mandatos do que o PS, caso volte a prevalecer nos círculos da emigração. Em 2024, o Chega arrecadou um mandato no círculo da Europa e um outro no de fora da Europa, vencendo dois dos quatro assentos conferidos pelos votos dos emigrantes e transformando-se no primeiro partido, neste século, que não o PS ou o PSD (ou coligação liderada pelo PSD) a eleger deputados nos círculos da emigração.

Subidas na votação tiveram também a IL (5,53%), à direita, que conquistou mais um deputado e tem agora nove, embora não consiga maioria com a AD, e o Livre (4,20%), à esquerda, que passa de quatro para seis lugares na AR. As restantes forças de esquerda saíram derrotadas. Tanto a CDU (3,03%), como o BE (2%), desceram em número de votos e de deputados: os comunistas tinham quatro parlamentares e ficam, agora, com três, ao passo que os bloquistas sofrem uma derrota ainda maior, diminuindo de cinco para apenas um.

Já o PAN (1,36%), apesar de perder mais de 45 mil votos, manteve Inês de Sousa Real como deputada. Um assento no hemiciclo tem agora igualmente o JPP (0,34%), que se tornou o primeiro partido regional a chegar à AR. O JPP, sediado na Madeira e que teve um aumento de quase mil votos, elegeu Filipe Sousa, presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz.

Com estes resultados, a AR passa a ter 10 partidos, ainda que três (BE, PAN e JPP) sejam representados apenas por um deputado.

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O povo decidiu, está decidido. Portanto, nada mais há a fazer, senão respeitar a vontade popular e adaptar programas, ambições e promessas às exigências da soberania popular.

Contudo, há indicações de que muitos Portugueses estão receosos com a ascensão do Chega a segunda força política e com a pesada derrota da esquerda. Com efeito, não é bom augúrio a reedição de novo governo minoritário, nem o novo impulso à viragem da Europa para a extrema-direita, no quadro de três eleições gerais muitas próximas no tempo, que deram pouca esperança para acabar com o pior período de instabilidade política, desde há décadas.

No dizer de uma residente em Lisboa, que sentiu “desilusão e tristeza”, após as eleições, “estamos a perder o Mundo e não estamos a criar um Mundo decente para os nossos filhos”, sendo muito preocupante o aumento do apoio ao Chega e a ascensão da extrema-direita, na Europa. E um jovem de 27 anos, também residente em Lisboa, diz sentir preocupação pelo seu futuro, como jovem, “pelas gerações ainda mais jovens do que ele, que estão, agora, a começar a estudar e a começar a viver, e pelas pessoas que vêm em busca de um melhor estilo de vida e melhores oportunidades aqui no nosso país”.

O resultado do Chega abalou o tradicional equilíbrio de poder, tendência já vista noutros países da Europa, com partidos como o Rassemblement National, em França, os Irmãos de Itália e a Alternativa para a Alemanha, que ascenderam ao mainstream político.

Nos últimos 50 anos, o PSD (sozinho ou em coligação) e o PS têm alternado no poder executivo, em Portugal. O Chega diz ter alterado tal dinâmica partidária – ainda não alterou –, conseguindo o mesmo número de assentos na AR que o PS (58) e podendo reivindicar o estatuto de segunda força política quando forem distribuídos os quatro lugares dos círculos da emigração, cujos resultados serão conhecidos em breve, passando a ser o líder nominal da oposição.

Sozinhos, PSD e PS não perfazem a maioria de dois terços para aprovar uma revisão constitucional, bem como para aprovar ou para confirmar algumas das leis ordinárias estruturantes da República. E há quem ache que é um perigo, para todos, que aquelas pessoas “sem pés nem cabeça” tenham representação parlamentar. Não será bem assim. O Chega não é um epifenómeno como foi o Partido Renovador Democrático (PRD) do tempo do general Ramalho Eanes: nasceu, atingiu o cume e caiu – um meteoro.

O Chega foi a votos, pela primeira vez, há apenas seis anos, quando conquistou um assento na AR, e tem vindo a alimentar-se da desaprovação dos eleitores, face aos partidos tradicionais mais moderados, bem como da cerca discursiva e institucional que lhe tem sido feita e da arte do espetáculo que sabe fazer em política. Fazendo campanha com os slogans “Limpar Portugal” e “Salvar Portugal”, descreve-se como partido nacionalista, tendo como bandeiras o controlo da imigração e o combate à corrupção. E desta vez, convenceu muita gente ao pôr na ribalta que PSD e PS, em 50 anos, nada mais fizeram do que repartir o bolo orçamental pelos dois partidos e suas clientelas, pelo que este partido, um subproduto do PSD e afins, reivindica o direito de governar.

Não é, pois, um novo PRD, mas um alinhado com a extrema-direita internacional, que o apoia.

O PS insistiu no caso da “Spinumviva”, que ensombrou o PM. Todavia, não houve explicação clara ao eleitorado sobre tudo o que se passou em detalhe, a nível legal, político e ético. Apenas houve enunciados a modo telegráfico, pouco mais esclarecedores do que as evasivas do PM. Além disso, o secretário-geral, que fez tão grande finca-pé na comissão parlamentar de inquérito (CPI), admitiu, em campanha eleitoral, sem explicação convincente, que poderia vir a prescindir dela. 

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Não partilho da convicção de que o PS salvaria o governo, se tivesse optado pela abstenção na aprovação da moção de confiança que o governo apresentou na AR. Ao invés, penso que, se o PS viesse a persistir na CPI, nos teríamos confrontado com um pedido de demissão do PM. Assim, em minha opinião, a AD obteve a vitória eleitoral, pela via da vitimização do governo, pela propaganda com base nas medidas-cartaz avançadas pelo executivo, nos 12 meses de governação, pela resolução epidérmica de problemas em alguns setores, eclipsando outros (que estão pior), e pela perceção de que o caso da “Spinumviva” não fora tão grave como o pintavam ou, pior ainda, de que problemas de ética e de corrupção pouco dizem ao país.            

Os escândalos de corrupção têm atormentado a política portuguesa, nos últimos anos, ajudando a alimentar a ascensão do Chega, que também foi atingido por escândalos, devido à alegada má conduta dos seus próprios deputados e dirigentes, por exemplo, no furto de malas, na taxa-crime de álcool e na prostituição de menores.

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No dia 19 de maio, dia subsequente às eleições, a imprensa nacional e a internacional davam relevo às nossas eleições, sublinhando-se, em Espanha, o “triunfo conservador”, a “forte ascensão dos ultras” e o “revés histórico da esquerda”, bem como a “revalidação da direita”.

A BBC referiu as eleições portuguesas, vincando: “Partido do primeiro-ministro de Portugal vence eleições, mas fica aquém da maioria.” Depois, chama ao Chega de “novato” e dá ênfase à demissão de Pedro Nuno Santos. 

O The Guardian deu destaque ao tema, com uma nota sobre a vitória da AD num pequeno quadrado também dedicado às eleições na Roménia e na Polónia: “Partido de centro-direita vence eleições portuguesas enquanto a extrema-direita quebra recordes novamente.”

Em França, o Le Monde evidencia o “colapso da esquerda para proveito da extrema-direita”.

Em Itália, o Corriere della Sera escreve sobre o “colapso histórico dos socialistas”.

Os jornais brasileiros falam eleições portuguesas, referindo que “Portugal vê ultradireita igualar cadeiras socialistas em derrocada da esquerda” ou que, “em Portugal, vitória de centro-direita e avanço da direita radical escancaram derrocada da esquerda”.

Nos Estados Unidos da América (EUA), as nossas eleições não tiveram o mesmo destaque, em órgãos como a CNN, o New York Times ou a Fox News, que o da vitória do partido de centro na Roménia. Porém, a ABC News e The Washington Post publicaram notícias de agências internacionais, como a Associated Press (AP).

Já em Portugal, o tema foi explorado até ao tutano, com notícias, com reportagens, com análises, com comentários, com previsão de cenários e com a definição de nova agenda.  

2025.05.19 – Louro de Carvalho

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