Segundo a Comissão Europeia, a desinformação é “uma informação comprovadamente falsa ou enganadora”, que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar, deliberadamente, a população, e que é suscetível de causar prejuízo público”, não estando incluídos no conceito “os erros na comunicação de informações, as sátiras e paródias ou as notícias e comentários claramente identificados como partidários”.
A desinformação é criada com o objetivo de “distrair e dividir, semeando a dúvida, através de factos distorcidos e falseados, com o fim de confundir as pessoas e diminuir a sua confiança nas instituições e nos processos políticos estabelecidos”.
Na sua página Web, o Conselho Europeu distingue, de forma clara, as informações erradas, falsas e a desinformação: “As informações erradas são informações falsas que foram criadas ou divulgadas, de forma não intencional; a desinformação é também uma informação falsa, mas criada deliberadamente e com o objetivo de causar danos.”
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Sobre o tema, o Conselho Económico e Social (CES) e
o Comité Económico e Social Europeu (CESE) organizaram, em Lisboa, a 22 de
maio, a conferência “Os cidadãos podem derrotar a desinformação”.“Neste sentido, resolver a situação geoestratégica não significa vencer esta guerra: acima de tudo, é preciso vencer esta guerra, cá dentro. Não se pode combater a desinformação dentro da UE e ignorar o que se passa fora da Europa”, pois na guerra da desinformação, “se não se jogar no mesmo campo de batalha, pode perder-se”, vincou o presidente do CESE.
Oliver Röpke destacou o modo como a UE e os estados-membros combatem o fenómeno, mencionando o Plano de Ação para a Democracia Europeia e a Lei dos Serviços Digitais (DSA), medidas que julga importantes, mas não suficientes. “É necessário ir mais longe e de mãos dadas entre a sociedade civil e os parceiros sociais”, defendeu.
Segundo o eurorresponsável, é preciso salvaguardar o espaço cívico e os direitos humanos, quando, um pouco por toda a Europa, não há “apenas a desinformação, mas também o crescimento das sociedades muito polarizadas”. Com efeito, na Europa, vive-se um “ambiente de permanente desafio para os direitos humanos, tendo a luta contra a desinformação como prioridade-chave”, pelo que é crucial o envolvimento da sociedade civil. Todavia, na ótica de Oliver Röpke, “a sociedade civil não pode vencer esta batalha, se tomar apenas medidas legislativas, tem de haver um esforço conjunto”, uma mobilização de toda a sociedade e de muitos parceiros sociais. Assim, “o diálogo social e a negociação coletiva são também uma medida participativa, mesmo uma medida democrática, que serve para fortalecer a credibilidade e, no final, lutar contra a desinformação”. Nesta linha de diálogo e de cooperação internacional, emerge o combate da desinformação em países, além da comunidade europeia, como no Brasil, afetado, sobretudo, pela desinformação online. E o presidente do CESE entende que, no Brasil, é preciso lutar, em conjunto, pelo restabelecimento da sociedade civil e das estruturas de diálogo social.
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Sofia Moreira de Sousa salienta que as medidas que estão em prática para combater a desinformação não são suficientes (nunca o serão) e que “há muito trabalho a fazer”, até porque a informação e a desinformação viajam “à velocidade de um clique” e “por muitas medidas que façamos, nada pode chegar ao nível necessário que é que cada um desenvolva o seu pensamento crítico”. Assim, na sua ótica, “há uma responsabilidade individual, na absorção e na digestão de informação, mas há também uma responsabilidade das autoridades e da própria UE, que não tem poupado esforços na luta contra a desinformação e tem-no feito, a vários níveis”.
Para a representante da Comissão Europeia em Portugal, a literacia digital, mediática “é essencial, precisamente, para preparar os recetores, os consumidores para terem esta capacidade de análise crítica da informação a que estão expostos”, mas também é preciso apoiar o jornalismo, que é essencial à democracia e para as pessoas poderem fazer “verdadeiras escolhas livres”.
Para tanto, é preciso “ter informação fidedigna”, sublinha Sofia Moreira de Sousa, verificando: “Nós sabemos que, infelizmente, os jornalistas estão a enfrentar muitos desafios, não só por cortes de financiamento, como até, muitas vezes, [por] autocensura, como falta de transparência em quem detém os meios de comunicação, enfim, uma série de questões que não são novas, de desafios que não são novos, mas é importante desenvolver medidas e legislação para proteger jornalistas e o jornalismo independente, imparcial e fidedigno.”
Depois, a entrevistada defende que “é preciso apoiar os ‘fact-checkers’, ou seja, aqueles que vão verificar a idoneidade da informação”, e recorda: “Trabalhamos com várias entidades e a própria Comissão Europeia tem vindo a estabelecer parcerias, não só com as plataformas digitais, mas também com uma série de plataformas da comunicação social, para desenvolver este trabalho de verificação dos factos.”
Sofia Moreira de Sousa insiste na responsabilidade de cada um em pensar bem, antes de difundir mensagens, quando não tem a “capacidade ou o tempo necessário para verificar a sua idoneidade”.
Quanto à literacia digital, salienta que, apesar de começar nas escolas, não se esgota nelas, sendo um processo “contínuo de formação” e pelo que “é preciso trabalhar em várias plataformas digitais e nos meios de comunicação clássicos”, para chegar a faixas etárias menos jovens. “É necessário fazer este trabalho com todas as faixas etárias”, sustenta.
Mesmo a nível do digital “é muito importante a legislação que tem vindo a ser aprovada, sob proposta da Comissão Europeia, no sentido […] da verificação de conteúdos”, disse, defendendo o princípio que o que é ilegal ‘offline’ é também ilegal ‘online”.
Combater a desinformação é, em seu entender, “uma luta” que postula o empenho de todos, pelo que a Comissão Europeia continuará a defender o pluralismo dos media, o papel dos jornalistas, a liberdade da imprensa e o direito de os cidadãos acederem à informação, porque é a única forma de assegurarmos a democracia e a informação às pessoas, para que possam fruir da sua liberdade e exercer o seu direito de escolha, “de forma informada e com informação imparcial”.
Sofia Moreira de Sousa, frisando que a IA “pode e deve” ser usada para detetar desinformação, apelou aos consumidores para participarem na consulta pública sobre esta tecnologia e considerou que há uma série de áreas em que a IA “traz um valor acrescentado”, como “detetar desinformação e quais são os atores que, realmente, espalham factos erróneos, com o intuito, precisamente, de causar a confusão e de conduzir as pessoas a tomarem decisões com base em mentiras”. Porém, a IA é “um instrumento” que, tal como outros, pode ser “usado para prejudicar”. Portanto, tudo depende do uso que damos a “estes instrumentos”, razão pela qual é importante a “legislação”, o “trabalho que está a ser desenvolvido, as propostas da Comissão Europeia, o trabalho do Parlamento e do Conselho”.
Insiste Sofia Moreira de Sousa em que está “à distância de um clique” a possibilidade de as pessoas inserirem “os seus contributos e as suas opiniões, em Português, porque está acessível a todas as línguas oficiais da União Europeia e é importante ouvir a voz e a perspetiva das pessoas”.
Em suma, de acordo com a representante da Comissão Europeia em Portugal, a implementação da legislação é importante, tal como as “medidas de coação” para quem não implemente esta regulamentação ou a implemente “de forma dilatória”, mas “é preciso continuar a trabalhar na literacia, na consciencialização, dos pequeninos aos menos jovens, de todos, e aqui, uma vez mais, o papel essencial do jornalismo, que não pode nem deve ser menosprezado”.
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A nível do combate à desinformação, o Threat Analysis Group (TAG) da Google revelou ter eliminado, durante
os três primeiros meses deste ano, 23267 canais no YouTube, como parte das suas operações contra campanhas de
influência coordenadas. Em janeiro, apagou mais de 14600 canais do YouTube, mais de quatro mil, em
fevereiro, e cerca de 4500, em março.Em março, a Lusa noticiou um relatório do Observatório Europeu dos Meios de Comunicação Digitais (EDMO) que alertava para uma rede de 49 canais no YouTube, com mais de 36 milhões de visualizações, que publicava desinformação política, utilizando políticos europeus, como António Costa, presidente do Conselho Europeu. E, embora os canais eliminados estivessem veiculados a diversos países, o relatório destaca cerca de 15800 canais relacionados com a China, sendo esta uma descoberta consistente, face a relatórios anteriores. Além da China, as operações de desinformação e de interferência estrangeiras levadas a cabo por estes canais, no YouTube, tinham ligações à Rússia, à Roménia, ao Azerbaijão, à Alemanha e à Nigéria.
Além do YouTube, foram bloqueadas muitas páginas da Internet, impedindo o seu aparecimento no Google Notícias, como parte da investigação sobre as operações de influência ligadas a diferentes países, como 21 contas associadas aos Estados Unidos da América (EUA).
O boletim do TAG tem por objetivo manter o público informado sobre intervenientes maliciosos que tentam explorar as suas plataformas, como o YouTube ou o Google Notícias, para disseminar narrativas de conflitos geopolíticos, de eleições e de tensões regionais.
Também a rede social TikTok, que foi ameada de multa pela Comissão Europeia, revelou, a 13 de maio, dados sobre o combate à desinformação na sua plataforma, com 45 mil contas falsas removidas e com mais de 275 peças de desinformação eliminadas. A ação faz parte da estratégia que a empresa está a aplicar, em mais de 150 países, e na ronda tripla de eleições em Portugal, entre 2025 e 2026.
Em reunião com jornalistas, em Lisboa, no início de abril, Francesca Scapolo, porta-voz do TikTok, explicou que é um tema a que a rede social está muito atenta. O TikTok define as contas falsas e bots como ‘Covert Influence Operations’ (CIO - Operações de Influência Encoberta), e o seu relatório mensal indica que, nos três primeiros meses do ano, foram eliminadas 19 redes de CIO, que geriam mais de 35 mil contas falsas. Nenhuma, porém, foi encontrada em Portugal.
A rede social de vídeos curtos lançou, na aplicação, a 18 de abril, o Centro Eleitoral, espaço projetado para conectar os utilizadores com informações certificadas, incluindo recursos oficiais da Comissão Eleitoral, datas importantes sobre as votações e dicas para identificar desinformação,
no seguimento das eleições legislativas portuguesas de 18 de maio.
“Para promover a transparência, o TikTok também está a rotular conteúdos e resultados de pesquisa relacionados com as eleições, direcionando os utilizadores, diretamente, para o Centro Eleitoral”, no âmbito da sua estratégia global mais ampla, para promover uma expressão segura, informada e autêntica durante as eleições, refere a plataforma, em comunicado.
Desta forma, entre 14 e 27 de abril, procedeu a várias ações, em Portugal, entre as quais a remoção de mais de 275 peças de conteúdo que violavam as políticas de integridade cívica e eleitoral, desinformação e conteúdo gerado por IA – com mais de 98% dos conteúdos a serem removidos, antes de receberem qualquer denúncia. Além disso, preveniu, proativamente, mais de 1,4 milhões de gostos falsos e mais de 942 mil pedidos de seguidores falsos, e bloqueou mais de 7400 contas de SPAM de serem criadas em Portugal. E, de acordo com a rede social, foram removidas “mais de 45 mil contas falsas, mais de 390 mil gostos falsos e 26 mil seguidores falsos”.
Francesca Scapolo afirma que cerca de 160 moderadores do TikTok falam Português de Portugal e colaboram na deteção e na eliminação de desinformação e de conteúdo gerado por IA. O sistema, que funciona nas eleições legislativas, autárquicas e presidenciais, em Portugal, já foi aplicado em mais de 150 países. E a representante do TikTok assegura que, no último trimestre de 2024, “99% do conteúdo removido foi eliminado antes de ser denunciado”.
O TikTok lançou um Hub Global de Integridade Eleitoral, “fornecendo dados fidedignos sobre os esforços de fiscalização relacionados com as eleições em vários países”.
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A UE tem
reconhecido a desinformação online
como séria ameaça à democracia e à sociedade civil, pelo que tem tomado medidas
para combater a sua proliferação. Para tanto, utiliza uma combinação de
medidas legislativas, regulamentares e de cooperação para lidar com o
problema. O Regulamento dos Serviços Digitais (RSD) – elaborado em 2021 e revisto, há pouco tempo – e o Regulamento sobre a Transparência e o Direcionamento da Propaganda Política (RTDPP) são exemplos de legislação que visa aumentar a responsabilidade das plataformas online e garantir a transparência da propaganda política.
A UE desenvolveu, em 2022, um Código de Conduta sobre Desinformação (CDD) – revisto, há pouco tempo –, um acordo voluntário entre as plataformas online e outros intervenientes, para combater a disseminação de desinformação.
Simultaneamente, trabalha, em estreita colaboração, com verificadores de factos, académicos e a sociedade civil, para combater a desinformação e para promover a educação mediática, segundo o learning-corner.learning.europa.eu; reconhece a importância da liberdade de imprensa e apoia a proteção de jornalistas e meios de comunicação independentes, de acordo com o learning-corner.learning.europa.eu; e promove ações de sensibilização para ajudar os cidadãos a reconhecer e evitar a desinformação, como mencionado em internetsegura.pt.
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Pode a verdade incomodar as pessoas e até as perturbar na sua
zona de conforto, mas a mentira, a falta de informação ou a desinformação causarão
danos muito maiores e podem colocar em risco vidas e a coesão comunitária. O
mesmo vale para verberar a impunidade com que alguns partidos políticos e alguns
governos alardeiam promessas que sabem não poderem satisfazer, omitem factos
que lhes podem ofuscar ou denegrir a imagem, acusam adversários de erros
semiexistentes ou inexistentes e elaboram agendas cujo único mérito é o efeito propagandístico
– tudo em nome do serviço ao povo e da atenção aos mais pobres.
2025.05.26
– Louro de Carvalho
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