Soldados israelitas abriram fogo contra uma delegação diplomática de cerca de 25 embaixadores e de representantes árabes e europeus, durante visita oficial ao campo de refugiados de Jenin, no Norte da Cisjordânia, para observar a situação humanitária na zona.
As autoridades palestinianas publicaram um vídeo, na plataforma X, em que se ouvem sons de tiros no posto de controlo, descrevendo-o como uma tentativa de intimidação. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros palestiniano condenou o episódio, sustentando que é uma grave violação das regras diplomáticas mais básicas estipuladas na Convenção de Viena de 1961, que prevê a proteção das missões e delegações diplomáticas.
Por seu turno, o exército israelita, em comunicado, afirma que a delegação diplomática chegou a uma zona restrita no campo de Jenin e ultrapassou o percurso acordado, que foi determinado, devido à sua presença numa zona de combate ativa. Além disso, os soldados que se encontravam na zona “não tinham conhecimento da presença de uma missão diplomática nas proximidades”, dispararam para o ar, a fim de afastarem os elementos da delegação.
Depois de os soldados terem descoberto a presença da missão, o brigadeiro-general Yaki Dolph, comandante da Divisão da Cisjordânia, abriu inquérito sobre o incidente e o brigadeiro-general Hisham Ibrahim, comandante da Administração Civil, explicou o assunto aos embaixadores e a informou-os dos resultados preliminares do inquérito.
Por fim, o comunicado deixa um pedido de “desculpa pelo incómodo causado por este incidente”.
A Itália exigiu esclarecimentos sobre as circunstâncias em que a delegação foi alvejada, salientando que “ameaçar diplomatas é inaceitável”.
Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros português condena, “liminarmente”, o ataque. Numa publicação na rede X, Paulo Rangel “transmitiu toda a solidariedade ao embaixador português que integrava a comitiva” e prometeu tomar “as medidas diplomáticas adequadas”.
A Embaixada de Israel em Lisboa enviou às redações novo comunicado a reiterar a informação avançada pelas Forças de Defesa Israelitas (FDI), e a dizer que a “delegação entrou numa área não autorizada”, tendo-se desviado da rota previamente estabelecida. “Mais cedo, hoje (dia 21), ocorreu uma entrada coordenada de uma delegação diplomática em Jenin. Como parte da coordenação, uma rota aprovada foi fornecida aos membros da delegação, que foram instruídos, a seguir, devido à área ser uma zona de combate ativa. De acordo com uma investigação inicial, a delegação desviou-se da rota aprovada e entrou numa estava autorizada”, explica a diplomacia israelita em Lisboa.
O comunicado repete que as FDI “lamentam o inconveniente causado” e reitera que o chefe da Administração Civil “instruiu os oficiais da unidade a falarem, imediatamente, com os representantes dos países relevantes e, em breve, manterá conversas pessoais com os diplomatas para atualizá-los sobre as conclusões do inquérito inicial”.
Entretanto, o governo Português deu nota de ter convocado o embaixador de Israel em Portugal, Oren Rosenblat, ao MNE; Madrid, uma das principais opositoras ao governo de Telavive, convocou o encarregado de negócios da embaixada israelita na Espanha, Dan Poraz, para apresentar um protesto formal; e a UE, através da sua chefe da diplomacia, Kaja Kallas, que pediu a Israel que explique o incidente e responsabilize os envolvidos, porfiou que “quaisquer ameaças à vida dos diplomatas são inaceitáveis”.
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Israel prosseguiu, no dia 20, com a nova grande ofensiva militar em Gaza,
apesar das crescentes críticas internacionais de aliados e de inimigos, lançando
numerosos ataques aéreos em todo o enclave, os quais, segundo as autoridades de
saúde, mataram, pelo menos, 85 Palestinianos.Entretanto, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou-se disponível para um cessar-fogo, sustentando que a situação ficará resolvida, após esta iniciativa militar.
Com as estradas destruídas e com a falta de combustível, muitos residentes de Jabaliya fugiram a pé, em carroças puxadas por burros ou nos poucos veículos em funcionamento, levando consigo o que podiam. A situação de Gaza, onde sobreviver é luta constante, é cada vez mais dramática. Com mais de um milhão de menores, cerca de metade da população palestiniana do enclave, os que resistem enfrentam uma dura realidade: fome, amputações e perda dos pais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que podiam morrer de fome, muito em breve, 14 mil bebés, por causa do bloqueio israelita; a Organização Mundial de Saúde (OMS) reportou, recentemente, a morte de, pelo menos, 57 menores, por desnutrição, e frisou que a fome gera danos, a longo prazo, como “o crescimento atrofiado” e o prejuízo ao “desenvolvimento cognitivo e à saúde”; as crianças que escapam à fome podem ser mortas por bombardeamentos; e nem os recém-nascidos escapam, mercê dos ataques às maternidades e do bloqueio à ajuda humanitária.
Enfim, um verdadeiro genocídio!
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Enquanto a ONU descreve o processo de segurança
israelita de distribuição da ajuda humanitária nos armazéns como “longo, complexo,
complicado e perigoso”, as autoridades israelitas afirmaram ter autorizado a entrada de mais dezenas de camiões de
ajuda humanitária.Os habitantes do território mais densamente povoado do Mundo vivem em condições horríveis depois de Israel ter imposto um bloqueio a todas as importações para Gaza, há quase três meses.
O COGAT, organismo de defesa israelita que supervisiona a ajuda humanitária (que incluía farinha para as padarias, alimentos para as cozinhas sociais, material médico e muito mais), afirmou que cinco camiões entraram, no dia 19, e 93 no dia 20, mas a ONU confirmou que apenas algumas dezenas de camiões entraram em Gaza, no dia 20.
Segundo o porta-voz do secretário-geral da ONU, as exigências militares israelitas para que os trabalhadores humanitários descarreguem e recarreguem os camiões dificultam os esforços de distribuição da ajuda. O COGAT não se pronunciou de imediato sobre os novos procedimentos.
A agência da ONU afirmou que dá prioridade à fórmula para bebés nos primeiros carregamentos, anunciando que chegaram a Gaza os primeiros camiões, em mais de 11 semanas, pois, segundo o porta-voz Jens Laerke, recebeu autorização para a entrada de cerca de 100 camiões em Gaza, – muito menos do que os 600 camiões que entraram, diariamente, no enclave, durante o último cessar-fogo a que Israel pôs termo em março.
O primeiro-ministro israelita disse ter decidido permitir a entrada de ajuda limitada, após a pressão dos aliados, que lhe disseram que não podiam apoiar Israel, enquanto chegassem de Gaza imagens devastadoras de fome. Sob pressão, Israel concordou em permitir a entrada de quantidade mínima de ajuda no território palestiniano, após ter impedido a entrada e alimentos, de medicamentos e de combustível, na tentativa de pressionar o grupo militante Hamas.
A ONU e vários grupos de ativistas e de defesa dos direitos humanos criticaram Israel pelo bloqueio, afirmando que a medida equivalia a castigo coletivo e acusando Israel de cometer um crime de guerra, por utilizar a fome como estratégia militar. Porém, Israel diz que os recentes ataques visaram militantes e infraestruturas, responsabilizando o Hamas pelas mortes de civis.
Na Faixa de Gaza, “enquanto as crianças sofrem, as armas continuam a matar e a ajuda não atravessa a fronteira. […] Ao mesmo tempo, a solução para deter a violência não pode ser encontrada.” São palavras do vigário da Custódia da Terra Santa, padre Ibrahim Faltas, que denuncia, em missiva publicada pelos media do Vaticano: “A vida na Terra Santa está suspensa entre promessas de soluções de paz e certezas de morte. A morte e o sofrimento não são causados por eventos e catástrofes imprevisíveis, mas por mãos e mentes humanas inescrupulosas.”
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A pressão sobre o
governo de Israel subiu de tom. Três dos seus aliados de Israel – a Grã-Bretanha,
a França e o Canadá – emitiram uma declaração conjunta a atacar a expansão da
ação militar de Israel em Gaza. As condições em Gaza são “intoleráveis”, de
acordo com os aliados, que apelaram ao líder israelita para “permitir,
imediatamente, a entrada de ajuda humanitária”.O primeiro-ministro israelita prometeu que Israel “assumirá o controlo” da Faixa de Gaza, uma numa escalada do conflito que seus aliados classificaram de “flagrante”. Todavia, os membros de extrema-direita do seu gabinete criticaram a decisão de permitir a entrada de ajuda em Gaza.
Benjamin Netanyahu partilhou um vídeo nas redes sociais, explicando que foi influenciado pela pressão internacional para permitir a entrada de ajuda humanitária no território. E os três líderes afirmaram que a ajuda humanitária prestada é “totalmente inadequada” e que a negação de assistência humanitária essencial à população civil é inaceitável e corre o risco de violar o Direito Internacional Humanitário".
Os três governos aliados ameaçaram com “ações concretas”, se Israel não puser termo à ofensiva e não permitir o regresso da ajuda à Faixa de Gaza. A isto Benjamin Netanyahu respondeu, insistindo que Israel prosseguiria as suas ações até à vitória total. “Os líderes de Londres, de Otava e de Paris estão a oferecer um enorme prémio pelo ataque genocida contra Israel, a 7 de outubro, ao mesmo tempo que convidam a mais atrocidades deste tipo”, afirmou, apelando a todos os “líderes europeus” para que sigam a “visão” do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) para pôr fim ao conflito entre Israel e o Hamas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, criticou a crise de fome no enclave, durante uma visita à região, que não incluiu uma paragem em Israel.
A declaração do Reino Unido, da França e do Canadá reiterou o apoio a um cessar-fogo e a uma “solução de dois Estados”, segundo a qual um Estado palestiniano existiria ao lado de Israel, e reiterou a oposição a “qualquer tentativa de expandir os assentamentos na Cisjordânia”, que chama de “ilegais”. Também os ministérios dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, da Itália, do Japão e de 18 outros países apelaram, em carta, a Israel para que reabra, totalmente, a entrega de ajuda humanitária a Gaza pela ONU e outras organizações não-governamentais (ONG).
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A chefe da política
externa da UE, Kaja Kallas, declarou que o bloco iria examinar se Israel violou
as suas obrigações, em matéria de direitos humanos, ao abrigo do artigo 2.º do
Acordo de Associação UE-Israel, que define as relações comerciais e
diplomáticas entre ambas as partes.Em declaração partilhada no X, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, Oren Marmorstein, rejeitou o anúncio de Kallas, alegando que esta guerra foi imposta a Israel pelo Hamas e que o Hamas é o único responsável pela sua continuação. “Ignorar estas realidades e criticar Israel apenas endurece a posição do Hamas e encoraja-o a manter-se firme”, acusou Marmorstein, agradecendo às nações que apoiaram Israel, no debate, e afirmando que o país continua empenhado no diálogo aberto com a UE e com os seus estados-membros.
A decisão da UE foi tomada depois de 17 dos 27 ministros dos Negócios Estrangeiros do bloco terem apoiado a revisão, que foi apresentada, no início do mês, pelo chefe da diplomacia dos Países Baixos, Caspar Veldkamp. Nove estados-membros – a Bélgica, a Finlândia, a França, a Irlanda, o Luxemburgo, Portugal, a Eslovénia, a Espanha e a Suécia – tinham apoiado, publicamente, a proposta neerlandesa, antes da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros.
Sucedeu-se o apoio à decisão por parte da Dinamarca, da Estónia, de Malta, da Polónia, da Roménia e da Eslováquia. Porém, a Áustria, forte apoiante de Israel, não expressou qualquer oposição. Já a Bulgária, a Croácia, Chipre, a Chéquia, a Alemanha, a Grécia, a Hungria, a Itália e a Lituânia são contra, enquanto a Letónia se mantém “neutra”.
Kaja Kallas disse aos jornalistas, em Bruxelas, ser evidente a existência de forte maioria a favor da revisão do artigo 2.º do Acordo de Associação com Israel”, pelo que se iria iniciar a sua revisão, cabendo a Israel “libertar mais ajuda humanitária”.
Também o Reino Unido suspendeu as conversações comerciais, aplicou sanções aos colonos da Cisjordânia e convocou o embaixador israelita no país, devido ao que descreveu como a ofensiva “intolerável”, em Gaza. A decisão foi tomada depois de os líderes do Reino Unido, da França e do Canadá terem ameaçado com “ações concretas”, se Israel não suspendesse a sua campanha e não levantasse as restrições à ajuda. Em resposta, Marmorstein considerou as sanções contra os colonos da Cisjordânia “injustificadas e lamentáveis” e afirmou que as negociações do acordo de comércio livre não estavam a ser avançadas pelo Reino Unido.
Também a CAFOD – Catholic Agency for Overseas Development, que integra a Cáritas e presta ajuda a populações necessitadas em mais de 40 países, reagiu à ajuda humanitária insuficiente permitida por Israel à população de Gaza. “A exigência da CAFOD permanece inalterada, desde o início desta crise: um cessar-fogo imediato, ajuda irrestrita em grande escala e a interrupção das vendas de armas do Reino Unido para Israel”, afirmou Elizabeth Funnell, representante da agência para o Médio Oriente, sustentando que “bombardear e matar à fome uma população e restringir o seu acesso à ajuda é uma violação do direito internacional”, apesar de chamarem outros nomes à fome, para esconderem que todos em Gaza passam fome.
“Não percamos tempo”, suplica o padre Ibrahim Faltas, insistindo “Não percamos tempo para não perder a possibilidade de salvar vidas e a possibilidade de dar esperança a vidas. O tempo é precioso; quem não impede a violência, desperdiça-o sem amar.”
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A situação é trágica,
pelo sofrimento intenso, generalizado e desamparado. A posição de Israel é criminoso
atentado aos direitos humanos e ao direito internacional plasmado em diversas
convenções e em acordos bilaterais. Terá sido o incidente em causa má tentativa
de resposta à pressão internacional, disfarçada pela hipocrisia dos comunicados
em referência?
2025.05.22 – Louro de Carvalho
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