terça-feira, 27 de maio de 2025

A Comissão Europeia não concluiu acordo de comércio livre com a Ucrânia

 
O acordo comercial temporário entre a União Europeia (UE) e a Ucrânia expira a 5 de junho e a Comissão Europeia não conseguiu concluir um acordo de comércio livre, a longo prazo, com o país, apesar de meses de negociações. As tensões surgiram, a 26 de maio, em Bruxelas, em sessão, à porta fechada, da reunião mensal dos ministros da Agricultura da UE, em que estes representantes dos estados-membros expressaram frustração com o Executivo por não ter chegado a um acordo com a Ucrânia, apesar de ter tido muito tempo para o fazer.
Vários ministros disseram estar descontentes por não ter sido alcançado um acordo estável e permanente com a Ucrânia, enquanto outros frisaram que encontrar solução, a longo prazo, para liberalizar o comércio com a Ucrânia deveria ser prioritário para a Comissão, que detém a competência exclusiva para negociar acordos comerciais.
O comércio entre a UE e a Ucrânia é regido por Medidas Comerciais Autónomas (MCA) – introduzidas com a invasão da Rússia em 2022 –, que suspendem os direitos aduaneiros e contingentes sobre as exportações agrícolas ucranianas. Porém, o MCA não é renovável, porque já foi prorrogado uma vez. E, com a expiração iminente, a Comissão tem trabalhado, sem êxito, desde o final de 2024, para estabelecer o sucedâneo. “Não é segredo que estão em curso conversações entre a Comissão e a Ucrânia. […] Ainda estão numa fase inicial”, reconheceu, em conferência de imprensa posterior, o ministro da Agricultura polaco, Czesław Siekierski, que detém, atualmente, a presidência do Conselho Agroalimentar da UE.
Para colmatar a lacuna deixada pelo impasse nas negociações comerciais, a Comissão preparou disposições transitórias, a aplicar até estar concluída a revisão da Zona de Comércio Livre Abrangente e Aprofundado (ZCLAA) UE-Ucrânia e estar pronto o acordo. Estas medidas foram aprovadas, na semana anterior, a título de precaução, pelos embaixadores da UE. Porém, Czesław Siekierski referiu que tais medidas, que reproduzem os termos do acordo de associação firmado entre a Ucrânia e a UE, antes da guerra, são “muito menos definitivas” do que o MCA, relativo às importações agrícolas ucranianas. E a Comissão reiterou a intenção de abandono das soluções temporárias e da procura de um quadro comercial estável. “Os agricultores e as partes interessadas de ambos os lados precisam de previsibilidade para planear o futuro”, disse o comissário europeu da Agricultura, Christophe Hansen, aos ministros, vincando que a Comissão está em ativo contacto com os membros do governo ucraniano para chegar a um acordo equilibrado que reflita os interesses de ambas as partes.
A agricultura é a questão mais sensível. O acordo MCA gerou reações negativas em vários países da UE, nomeadamente, na França e na Polónia, onde os agricultores protestaram contra o aumento das importações ucranianas, desde o levantamento das barreiras comerciais. Porém, o comissário assegurou aos ministros que as medidas transitórias não introduzem novos contingentes, nem aumentam os volumes de importação autorizados para os produtos ucranianos.
Segundo fonte da UE, a reunião começou com a alocução de Vitalii Koval, ministro ucraniano da Política Agrária e Alimentar, que instou a UE a chegar a acordo sobre o novo mecanismo de comércio livre e a encontrar solução equilibrada baseada em números. Lembrando que a Ucrânia luta pela defesa dos valores europeus, salientou o recente número de três noites consecutivas de ataques russos, que afetaram as infraestruturas do país.
Na sua alocução, Vitalii Koval frisou a importância do setor agrícola para a Ucrânia, visto que a agricultura ucraniana é sete vezes mais importante para a economia da Ucrânia do que a de qualquer outro país da UE, com um em cada cinco ucranianos empregados no setor. E, mencionando a queda de 20,5%, nas terras agrícolas disponíveis, devido à ocupação, referiu os números do Banco Mundial, que mostram que a Ucrânia sofreu 83,9 mil milhões de euros em danos e perdas agrícolas, por causa da guerra.
Embora a posição da Comissão seja a de reduzir os níveis de acesso ao mercado anteriormente permitidos, ao abrigo dos acordos de comércio livre, a Ucrânia espera manter o mesmo grau de acesso ao mercado da UE. E o ministro ucraniano, salientando que 66% das importações da Ucrânia provêm da UE, aduziu que, se a Ucrânia fosse estado-membro da UE, ocuparia o nono lugar, em termos de exportações agrícolas no bloco, pelo que mantém conversações com as associações de agricultores da UE, para falar das preocupações quanto ao volume de importações ucranianas, no âmbito do esforço da Ucrânia para um acordo com a UE.
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Na semana de 11 de abril, a Comissão Europeia e o governo ucraniano encetavam negociações para novo acordo comercial, sendo a agricultura a questão mais controversa. As negociações decorriam, na sequência de uma série de reuniões bilaterais, à margem do Conselho de Associação União Europeia (UE)-Ucrânia. E uma troca de impressões de 40 minutos, a 10 de abril, entre o comissário europeu para a agricultura e o homólogo ucraniano, foi descrita por um funcionário da UE como “franca e construtiva”.
No início daquela semana, Christophe Hansen deu a entender que a UE estava a considerar uma mudança de direção. “Penso que é muito claro que não serão as mesmas quotas e importações que foram permitidas, no último período, ao abrigo das medidas comerciais autónomas”, afirmou, numa audiência no Parlamento Europeu (PE).
Até à data, a Comissão Europeia não tinha partilhado informação, evitando sinais concretos sobre a sua posição negocial. “Haverá um novo quadro e estamos prontos para o discutir. Mas não será ao mesmo nível”, observou o comissário, cujas observações eram a primeira indicação de que Bruxelas se preparava para reduzir o acesso da Ucrânia ao mercado. Em contrapartida, a Ucrânia tentava manter o statu quo. “Gostaríamos de começar a negociar com os nossos parceiros na Comissão Europeia, para preservar o mesmo nível de cooperação que temos atualmente e [para] implementá-lo no novo acordo”, dizia o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal.
Nestes termos, o Executivo da UE inclinava-se a reintroduzir quotas, no próximo quadro comercial com a Ucrânia, enquanto Kiev pressionava para manter o atual regime. Com o tempo a esgotar-se, ambas as partes estão sob pressão para chegar a acordo. Apesar da divergência de posições, a atmosfera entre os negociadores mantém-se cordial. Um funcionário ucraniano confirmava que as discussões estão “em curso” e caraterizava o clima geral da reunião Hansen-Koval como amigável. Mais tarde, Koval emitiu uma declaração a encarecer a importância de um acordo equilibrado que tenha em conta tanto as realidades económicas da Ucrânia como as sensibilidades dos mercados europeus. “Juntamente com Hansen, temos uma visão comum clara de que as decisões comerciais entre a Ucrânia e a UE devem ser equilibradas, mutuamente benéficas, e contribuir para a estabilidade dos agricultores e consumidores de ambos os lados da fronteira”, afirmou Vitalii Koval.
Com a expiração do MCA, resta pouco tempo para concluir as negociações. Um porta-voz da Comissão confirmava, então, que os trabalhos sobre a nova proposta estavam quase concluídos.
Não será Christophe Hansen a finalizar o acordo, pois essa responsabilidade é do Comissário do Comércio da UE, Maroš Šefčovič, mas, de acordo com três fontes diplomáticas e da UE, familiarizadas com as conversações, mesmo a influência de Šefčovič pode ser limitada e, dado o interesse político, as decisões finais serão, provavelmente, tomadas pelo gabinete da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
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A 27 de fevereiro, Christophe Hansen, declarou ao Europe Conversation da Euronews: “Um acordo comercial com o bloco latino-americano – composto pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – e uma maior integração da Ucrânia no mercado agrícola comum, particularmente, à luz da sua potencial adesão à UE, oferecem oportunidades que a UE não se pode dar ao luxo de ignorar, num contexto de tensões comerciais globais.”
Os agricultores europeus receiam que o acordo comercial da UE perturbe setores agrícolas sensíveis, mas o comissário afirmou que estas medidas estratégicas reduzirão a dependência da UE, face às importações dos EUA, em especial, no atinente às proteaginosas (leguminosas com elevado teor de proteínas, como a ervilha, o feijão ou o tremoço), que o bloco importa em grandes quantidades. “Precisamos de fazer o nosso trabalho de casa, para tornar a nossa comunidade agrícola mais competitiva”, observou Hansen, sugerindo que os acordos comerciais desempenharão papel fundamental, para o conseguir, e vincando que a integração da Ucrânia apresenta vantagens geopolíticas, pois o consequente aumento da produção agrícola pode reforçar a posição da UE, como ator global no setor.
“É uma mistura de desafios e oportunidades. É como um casamento – há sempre desafios e é preciso fazer concessões, mas também se obtêm vantagens”, explicitou Hansen.
A adesão da Ucrânia à UE aproxima-se, mas urge a reforma do programa de subsídios agrícolas do bloco. “Temos, na Ucrânia, explorações agrícolas de 600 mil hectares. Isto equivale ao dobro da produção do Luxemburgo. Por isso, isto tem de ser levado muito a sério”, considerou Hansen.
A atual Política Agrícola Comum (PAC) procede a pagamentos diretos, por hectare. Dado que as explorações ucranianas têm uma média de 485 hectares – em comparação com 30 hectares, na França, e apenas 8 hectares, na Polónia – este sistema poderia perturbar a PAC. A carta de missão do comissário diz que ele tem de preparar a próxima PAC, para o alargamento, não apenas para a Ucrânia, mas também para outros potenciais novos estados-membros. Desde logo, o primeiro passo envolve a negociação de novo quadro comercial com a Ucrânia, que servirá de “primeira fase de alinhamento das normas de produção”. Porém, o comissário para a Agricultura diz-se “muito confiante de que podemos dar este primeiro passo para nos aproximarmos antes do alargamento”.
Do mesmo modo, uma potencial guerra comercial com os Estados Unidos da América (EUA) reforça a necessidade de finalizar o acordo UE-Mercosul, há muito negociado. E Hansen explicou que alguns produtos agrícolas europeus, como os vinhos, as bebidas espirituosas e os produtos lácteos, são particularmente estratégicos, por constituírem os principais “martelos de exportação” da UE e, como tal, exigirem proteção. “Se os Estados Unidos visassem esses produtos, [graças a um acordo UE-Mercosul] teríamos formas alternativas de vender os nossos produtos, garantindo estabilidade [aos nossos agricultores]”, considerou.
Porém, o acordo Mercosul apresenta riscos, nomeadamente, para setores sensíveis, como as aves de capoeira, o açúcar e a carne de bovino. Hansen reconheceu tais preocupações, mas sublinhou as cláusulas de salvaguarda destinadas a proteger os agricultores europeus. “Pela primeira vez, num acordo deste tipo, temos cláusulas de salvaguarda no âmbito dos contingentes pautais”, vincou, reportando-se ao instrumento utilizado para regular as importações, em que uma quantidade específica de mercadorias pode entrar com tarifa mais baixa, enquanto as importações que excedem esse contingente estão sujeitas a direitos mais elevados.
No entanto, a mensagem do responsável pela agricultura da UE é clara: ao tirar partido dos acordos comerciais com a Ucrânia e com o Mercosul, o executivo da UE enfrentará as incertezas económicas e os desafios geopolíticos, mantendo um setor agrícola competitivo.
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As exportações da UE para a Ucrânia aumentaram 9,3%, nos últimos três meses de 2024, em comparação com o trimestre anterior, enquanto as importações da Ucrânia registaram ligeiro declínio de 1,8%. Isto resultou num excedente comercial de 5,8 mil milhões de euros para a UE, de acordo com os dados do Eurostat. Comparando os últimos trimestres de 2023 e 2024, as exportações da UE para a Ucrânia cresceram 16,7%, enquanto as importações aumentaram 9,2%. Desde o início de 2021, a UE tem mantido um excedente comercial com a Ucrânia. A única exceção foi o primeiro trimestre de 2022, devido à invasão da Ucrânia pela Rússia.
O excedente tem sido, particularmente, pronunciado em setores como máquinas e veículos, compensando os défices em categorias como alimentos, bebidas, tabaco e matérias-primas.
De 2023 a 2024, as importações da UE provenientes da Ucrânia de sementes de colza, óleo de soja, milho, óleo de girassol e ferro e aço aumentaram, enquanto a quota de madeira diminuiu.
A UE adotou um regulamento, no início de junho de 2022, que permitia a liberalização total do comércio, suspendendo, temporariamente, as taxas de importação, os contingentes e as medidas de defesa comercial para as importações da Ucrânia. E, embora esta diretiva tenha terminado em meados de setembro de 2023, aumentou, significativamente, as importações da UE provenientes da Ucrânia para vários produtos agrícolas.
Entre os quartos trimestres de 2022 e 2024, a percentagem de óleo de girassol da Ucrânia, nas transações com os países fora da UE, diminuiu de 94 % para 79 %. Porém, em 2024, a Rússia tornou-se um dos principais parceiros para as suas importações extra-UE, com a quota de 3 %.
As importações da UE de ferro e de aço provenientes da Ucrânia diminuíram 48%, nos últimos três meses de 2024, em comparação com o quarto trimestre de 2021. O volume e o valor das importações da UE de ferro e de aço provenientes da Ucrânia aumentaram, fortemente, no início de 2021, já que a procura e os valores unitários aumentaram, na sequência da recuperação gradual das economias após a pandemia de covid-19. Porém, tais importações diminuíram, no final de 2021, e não regressaram aos níveis anteriores à invasão russa.
As armas e munições e os explosivos são os dois principais grupos de produtos que registaram os maiores aumentos nas exportações da UE para a Ucrânia, nos últimos meses de 2024.
Ursula von der Leyen confirmou o pacote de assistência financeira da UE de 3,5 mil milhões de euros, para liquidez adicional ao orçamento ucraniano e para facilitar a aquisição de equipamento militar à sua indústria nacional. É adiantamento do fundo de assistência de 50 mil milhões de euros, criado pela UE, no início de 2024. E, embora cubra as necessidades financeiras da Ucrânia, para todo o ano, o fornecimento de armamento, após o verão, é incerto.
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Negociar com a Ucrânia é vantajoso para a UE, embora comporte riscos para as duas partes. Por outro lado, é de recordar que a Ucrânia está celebrar um acordo com os EUA, que pode colidir com o da UE, e importa finalizar ao acordo UE-Mercosul.
É óbvio que, aderindo à UE, a Ucrânia seria uma mais-valia para o bloco, mas é de pensar se isso é vantajoso para o equilíbrio geoestratégico e geopolítico.
Por fim, em minha opinião, é arriscado acetar a adesão da Ucrânia, sem resolver a guerra.  

2025.05.27 – Louro de Carvalho


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