Sir David Attenborough, o veterano da radiodifusão, para quem os oceanos
são os locais mais importantes da Terra, considera o filme “Oceano”, um documentário
sobre o mar aberto, apresentado a 6 de maio, por ocasião do seu 99.º
aniversário – que ocorreu a 8 de maio – como o mais importante da sua carreira,
pois acredita que ele poderá desempenhar papel importante na preservação da
biodiversidade e na proteção do planeta contra as alterações climáticas.
Por isso, o filme constitui eloquente apelo aos líderes
políticos para a firmeza na proteção da vida marinha, até pela importância dos
ecossistemas marinhos como aliados na luta contra as alterações climáticas.
Esta peça cinematográfica, que apresenta as maiores descobertas da
investigação marinha dos últimos 20 anos, foi lançada, a 8 de maio, juntamente
com o livro “Oceano
– O Último Reduto Selvagem”, escrito em coautoria com Colin Butfield.
No filme, que chegou, efetivamente, às salas de cinema britânicas, a 9 de
maio, o cineasta mostra como a sua
vida coincidiu com a era da descoberta dos oceanos. São mostrados, em
sequências, recifes de coral, florestas de algas e o oceano aberto, para ilustrar como um
oceano saudável mantém todo o planeta estável e próspero. Simultaneamente, revela-se a razão
por que o oceano está em tão mau estado e, quiçá mais importante, mostra-se
como ele pode recuperar-se. Este pode ser, efetivamente, o momento da mudança.
Os cineastas prometem “imagens impressionantes e comoventes” que mostram a vida
sob o mar e retratam, de modo inédito, as
realidades e os desafios que os oceanos enfrentam, desde métodos de
pesca destrutivos até ao maciço branqueamento dos recifes de coral.
David Attenborough destaca histórias inspiradoras de toda a parte, mas a
mensagem principal é que o oceano pode atingir uma grandeza que excede tudo o
que qualquer ser vivo já viu.
O cineasta-escritor afirmou que, após quase 100 anos no planeta,
compreendeu que o lugar mais importante da Terra não
é a terra, mas o mar. Com efeito, nos últimos 100 anos, cientistas e
exploradores descobriram novas espécies notáveis, migrações épicas e
ecossistemas complexos e deslumbrantes que
superam tudo o que o também naturalista
britânico imaginaria,
quando era jovem. “Neste
filme, partilhamos algumas dessas descobertas maravilhosas, revelamos porque o
nosso oceano está em tão mau estado e, quiçá o mais importante, mostramos como
ele pode ser recuperado. Este pode
ser o momento da mudança”, enfatiza David Attenborough, vincando: “Quase
todos os países do Mundo acabaram de concordar, no papel, em atingir este
mínimo e proteger um terço do oceano. Juntos, enfrentamos, agora, o
desafio de colocar isso em prática.”
O filme contou com a consultoria de especialistas da Universidade de Exeter,
no Reino Unido. O Dr. Casper van de Geer, que trabalhou no livro com o coautor,
afirmou que o filme é direcionado a quem deseje saber mais sobre o estado atual
dos oceanos e sobre o seu futuro, reunindo
as maiores descobertas da ciência marinha dos últimos 20 anos. E a
doutoranda Madi Bowden-Parry, que reviu o conteúdo do capítulo do livro sobre
algas marinhas, afirmou: “O livro descreve algumas das descobertas mais
inovadoras no campo da investigação marinha e da conservação da Natureza, nas
últimas duas décadas, e inclui relatos
pessoais das pessoas que as inspiraram.”
O filme será lançado noutros países,
incluindo a Austrália, a Nova Zelândia, a França, o Canadá, a Alemanha, a Áustria,
a Suíça, os Países Baixos, a Bélgica, o Luxemburgo, a Suécia, a Noruega, a Finlândia,
a Dinamarca, a Islândia e a África do Sul, e estará disponível, ainda neste ano, em todo o Mundo
na National Geographic, na Disney+ e na Hulu. E,
em Portugal, o lançamento está previsto para junho, no canal Nat Geo e
na plataforma de streaming Disney+.
***
O filme mostra a profunda transformação do oceano,
ao longo dos últimos 100 anos, do branqueamento em massa dos corais, à força
destrutiva da pesca de arrasto de fundo. Esta arte de pesca não só tem elevados
custos socioambientais, como também liberta enorme quantidade de dióxido de carbono
(CO2), o principal gás com efeito de estufa (GEE).
Quando as pesadas e vastas redes são arrastadas pelo
leito do oceano, deixam para trás um extenso manto de destruição que faz
libertar sedimentos do fundo do mar. O carbono enterrado tende a subir e a ser
emitido para a atmosfera. O ecólogo marinho Enric Sala, explorador da Sociedade
National Geographic e produtor executivo do filme, calcula que a pesca de
arrasto custe à Europa 11 milhões de euros, por ano. E David Attenborough, sustentando que a pesca de arrasto
de fundo deveria ser ilegal, mas não o é, considera: “A ideia de demolir uma
floresta tropical causa indignação, mas fazemos o mesmo debaixo de água, todos
os dias.”
Apesar
das imagens desoladoras e revoltantes, “Oceano” deixa entrever uma mensagem
de esperança de o oceano “voltar à vida”. Com efeito, vários países já se
comprometeram a proteger 30% das águas marinhas, até 2030, a chamada meta
30x30, estabelecida em dezembro de 2022, no Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal,
mas o apresentador-cineasta espera que o filme crie um sentido de urgência e
encoraje os líderes políticos a agirem com firmeza e com ambição. Efetivamente,
quando o documentário Blue Planet II foi emitido, há oito anos, teve tão
grande repercussão que há quem julgue que a obra contribuiu para mudar a forma
como as pessoas usam e descartam plástico. “Como parte do Blue Planet II,
Sir David captou a beleza dos nossos oceanos e as ameaças que enfrentam,
incluindo os impactos da poluição por plásticos – e isso ajudou a criar um impulso
para um apelo global à ação”, afirmou Inger Andersen, diretora da agência das
Nações Unidas para o ambiente (UNEP), ao diário britânico The Gaurdian.
No
documentário em referência, o naturalista dá como exemplo de sucesso a campanha
pela preservação das baleias. Há meio século, estavam à beira da extinção. Com
a mobilização global e com a criação de regras internacionais, as baleias
voltaram a singrar no oceano. Assim, é de crer que, se o oceano “for deixado em
paz”, o ecossistema marinho pode recuperar e prosperar para lá de tudo “o que
qualquer pessoa viva alguma vez viu”.
De facto,
como sugere, no filme, o antigo radialista e diretor da cadeia britânica BBC – que acumula mais de sete décadas
de trabalho na área da comunicação e na documentação da vida selvagem – um
oceano mais saudável será um oceano com maior capacidade de reter carbono e de
atuar como um agente termorregulador.
Enric Sala, citado pela Reuters, afirmou, numa entrevista: “Quando David Attenborough
começou, havia dois canais de televisão e toda a gente o conhecia como a voz da
Natureza. Agora, há centenas de canais, redes sociais, mas ele continua a ser a
voz da Natureza.”
O filme foi apresentado, pela primeira vez, no dia
6, em Londres, no Reino Unido, em sessão que contou com a presença do Rei
Carlos III de Inglaterra e John Kerry, antigo enviado dos Estados Unidos da
América (EUA) para o clima. Chegou aos cinemas um mês antes da 3.ª Conferência
do Oceano das Nações Unidas, que decorrerá, em junho, na cidade francesa de
Nice. Nessa ocasião, espera-se que mais países ratifiquem o Acordo do Alto-Mar,
assinado em 2023, o qual, até hoje, não reuniu as 60 ratificações necessárias
para entrar em vigor.
Toby Nowlan, que produziu o documentário, diz que a
obra não é um filme típico de David Attenborough. “Não se trata de ver novos
comportamentos de História Natural. É a melhor mensagem que ele já contou”,
esclareceu, citado pela BBC.
***
David Attenborough é um naturalista e radialista britânico. A sua carreira
representa a voz e o rosto dos programas sobre História Natural, nos
últimos 60 anos. Os seus inúmeros trabalhos foram feitos para a rede britânica
de televisão BBC, de que foi
diretor, de 1965 a 1972.
Após sair da
Marinha, foi contratado por uma editora para a qual escreveu livros escolares
sobre ciência. Porém, desiludido com esse trabalho, tentou outra oportunidade.
Em 1950, tornou-se produtor de rádio na BBC. Embora rejeitado, de início, o seu currículo atraiu o
interesse de Mary Adams, chefe de departamento da BBC. Como a maioria dos britânicos, ao
tempo, não possuía televisão e só assistira a um programa televisivo, até
então. Porém, aceitou a oferta para três meses de treino e, em 1952, juntou-se
à BBC, em definitivo.
Inicialmente desanimado, por não aparecer ante as câmaras, porque Mary Adams
pensou que os seus dentes eram demasiado grandes, tornou-se produtor para o Talks Department, no qual realizou todas
as transmissões de não-ficção.
A associação
de David Attenborough com programas de História Natural iniciou-se com a
produção e com a apresentação de uma série de três partes “The Pattern of
Animals”. Falava sobre os animais do jardim zoológico de Londres, com o
naturalista Julian Huxley e discutiu temas como a camuflagem, o
aposematismo (mostra de sinais de autodefesa) e outros mecanismos de defesa
animal. E, por causa desse programa, realizou, junto do curador da casa de
répteis do jardim zoológico, Lack Lester, a série “Zoo Quest”, com a primeira
transmissão em 1954.
David Attenborough
foi convidado a participar na BBC Natural
History Unit, formalmente criada, em 1957, foi em Brsitol, mas
recusou, não querendo mudar-se de Londres, onde ele e a família já estavam
estabelecidos. Ao invés, formou o seu próprio departamento, a Travel and Exploration Unit, o que lhe
permitiu continuar à frente da “Zoo Quest” e produzir outros documentários,
como “Travellers’ Tales” e “Adventure”.
No início de
1960, desligou-se do quadro permanente da BBC
para fazer uma pós-graduação em Antropologia Social, na London School of
Economics, intercalando o estudo com as filmagens. Porém, aceitou convite para
voltar à BBC, como diretor da BBC 2 antes de terminar a pós-graduação.
Assim, entre 1965 e 1969, foi diretor da BBC 2. Durante esse tempo foram exibidos diversos programas, como “Match
of the Day”, “Civilisation”, “The Ascent of Man”, “The Likely Lads”, “Not Only…
But Also”, “Man Alive”, “Masterclass”, “The Old Grey Whistle Test” e “The Money
Programme”. Tal diversidade reflete o pensamento de Attenborough de que a
programação da BBC 2 deve ser a mais
variada possível. Em 1967, sob o seu comando, a BBC 2 foi o primeiro canal de TV no Reino Unido a
transmitir a cores.
Entre 1969 e
1972 foi diretor de programação da BBC
Television. Por fim, rejeitou a proposta de promoção para diretor-geral da BBC e voltou a ser criador e
apresentador de programas.
No início, os
principais documentários de David Attenborough incluíam temas respeitantes ao
impacto da sociedade humana no Mundo natural. Por exemplo, o último episódio de
“The Living Planet” focaliza, quase inteiramente, a destruição do ambiente pelo
homem e as soluções a tomar poderiam para amenizar ou até acabar com o
problema. Apesar disso, os seus programas foram criticados por não terem uma mensagem
mais explícita sobre a crise. Alguns ambientalistas sentem que os seus documentários
dão um retrato falso da região selvagem e não fazem o bastante para mostrar que
tais áreas estão a ser cada vez mais invadidas por humanos.
Entretanto, a
sua mensagem de encerramento de “State of the Planet” foi bem franca: “O futuro
da vida na Terra depende da nossa habilidade de reagir a problemas. Muitos
indivíduos estão a fazer o que podem, mas o sucesso real só pode acontecer, se
houver uma mudança na nossa sociedade, na economia e na política. Eu fui
afortunado em poder ver, na minha vida, alguns dos maiores espetáculos que a Natureza
tem a oferecer. Certamente, nós temos a responsabilidade de deixar para as
gerações um planeta saudável e habitável por todas as secies.”
Desde de
1980, tornou-se cada vez mais franco na sustentação de causas ambientais. Em
2005, ingressou no projeto Birdlife International, para cessar a matança
dos albatrozes brancos por barcos pesqueiros. Apoiou, publicamente,
uma campanha da WWF (Fundo Mundial para a
Natureza) para que 220 mil quilómetros quadrados da floresta
tropical de Bornéu fosse protegida. E passou a integrar o grupo Fauna
na Flora International, de que foi vice-presidente.
Disse, por
diversas vezes, que a superpopulação humana é a origem de muitos dos problemas
ambientais. Em ambas as séries, a já mencionada “State of the Planet” e “The
Life of Mammals” e, no respetivo livro, fez um apelo para que os humanos
freassem o crescimento populacional, caso contrário outras espécies não poderão
sobreviver.
Tem escrito e
falado sobre a certeza que tem de o aquecimento global ser causado
pelos humanos e de ser um perigo real para a nossa espécie e para todo o
planeta. No documentário “State of the Planet”, completa com esse tema a
mensagem mencionada acima: “No passado, nós não conhecíamos os efeitos das
nossas ações e, assim, plantámos o vento e, agora, literalmente,
colhemos o furacão. Mas não temos mais tempo para essa desculpa: agora, reconhecemos
as consequências de nosso comportamento e, certamente, devemos agir para o
mudar, individual e coletivamente, nacional e internacionalmente. Ou daremos às
gerações futuras a catástrofe.”
Em entrevista
à revista BBC Wildlife, em 2005, considerou George
W. Bush o maior “vilão ambiental” dos tempos atuais.
Em 2005, numa
entrevista com Simon Mayo para a BBC Radio Five Live, considerou-se agnóstico. E, questionado se a
sua observação da Natureza lhe deu fé num criador, afirmou sentir que toda a
evidência da evolução no planeta mostra, claramente, ser esta a
melhor maneira de explicar a diversidade da vida e que, havendo um ser
superior, “teria escolhido a evolução orgânica como uma maneira de
trazer a existência do mundo natural”.
É certo que
os documentários expuseram a milhões de pessoas a diversidade da vida na Terra,
incluindo os defensores do criacionismo, mas David Attenborough pouco fala dos
mecanismos da evolução, exceto em “Life on Earth”, série sobre a evolução da
vida. Em vez disso, descreve as vantagens de cada adaptação, em maior detalhe,
como porque têm as flores certas formas num determinado caso, porque migram
as aves e outros animais, como podem os mecanismos de mimetismo
proteger ou atrair insetos e outros animais, e assim por diante. E,
em 2022, juntou-se ao esforço de clérigos e de cientistas contra a inclusão do
criacionismo no currículo das escolas.
Ao contrário
dos seus equivalentes nos EUA, a maior parte das igrejas da Grã-Bretanha, tal
como as principais correntes da Igreja Católica, já abraçou, há muito tempo, a
evolução como o mecanismo responsável pela diversidade biológica na Terra,
apesar da oposição de uma minoria fundamentalista. A única ressalva que fazem é
que, segundo a fé, Deus está por de trás de toda a génese e evolução da vida, o
que não contraria a evolução, como afirmava Santo Agostinho ou Teilhard de Chardin.
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É cada vez
mais urgente cuidar do planeta, pois, só articulando economia e ecologia, se
fará, de forma eficaz, o cuidado integral das pessoas e das comunidades.
2025.05.10 – Louro de Carvalho
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