O primeiro-ministro (PM) respondeu, a 2 de outubro, às
perguntas dos jornalistas Sara Pinto e Pedro Santos Guerreiro, no Jornal
Nacional da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), sendo confrontado com os
temas da ordem do dia, desde o arranque do ano letivo à habitação e ao novo
modelo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Na segunda parte, só em direto
na CNN Portugal, decorreu o Town
Hall, em que o PM foi interpelado pela plateia do auditório do Instituto
Superior de Economia e Gestão (ISEG) sobre um conjunto de questões.
Dá-se conta, nesta peça de reflexão, do que se julga mais pertinente.
Quanto ao salário mínimo nacional (SMN), com a nova designação
remuneração mínima mensal garantida (RMMG), o chefe do Executivo, recordando a proposta da União geral dos
Trabalhadores (UGT) para aumento superior ao previsto no acordo de rendimentos
e a abertura das confederações patronais para negociar esse valor, assegurou que
o governo não será barreira para a negociação em alta desse valor. E
enfatizou a fixação de “um
objetivo geral para todos os salários”, de modo a fazer convergir o seu valor
com “o peso na União Europeia (UE) dos salários, no conjunto da riqueza
nacional, que é cerca de 48%. Essa meta mantém-se, sem esquecer o “bom senso”
que vem marcando a “trajetória” do governo na matéria. A RMMG já subiu 50%,
nestes oito anos, e o salário médio subiu 31%.
No
dia 28 de setembro, o líder da UGT defendeu que há condições para fixar a RMMG
nos 830 euros, em 2024, valor superior ao previsto no acordo de
rendimentos de há cerca de um ano, na Concertação Social entre o governo,
as confederações patronais e a UGT, e que definia o aumento de 4,8% dos salários
e fixava a RMMG em 810 euros. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal
(CCP) já manifestou disponibilidade para subir os salários acima do valor
previsto. E o PM admite que este salário possa
subir para lá dos 810 euros, já em 2024.
No
atinente às rendas, anunciou que não haverá travão ao seu aumento, em 2024, nos
moldes dos 2%, deste ano. Sem indicar os termos da solução, afirmou que está a
ser negociada com as partes – inquilinos e proprietários – de modo a “distribuir
o esforço” entre os proprietários, os inquilinos e o Estado, sendo que “não
podemos, simultaneamente, dizer que queremos dar confiança aos proprietários
para colocarem casas no mercado e, todos os anos, adotarmos medidas que quebram
essa confiança”, o PM, referindo o apoio às famílias com crédito à
habitação, como as moratórias.
Por outro
lado, vincou o subsídio à renda, que ajuda milhares de famílias, bem como a
limitação dos aumentos a 2%, até ao final de 2023. E assumiu que está a
enfrentar um sério problema: “Não escondo que tenho uma certa frustração, para
não dizer bastante frustração, pelo facto de a realidade ter sido muito mais
dinâmica do que a capacidade de resposta política.”
Anunciou o
aumento das pensões na ordem dos 6%, segundo a lei.
Sobre o imposto
sobre os rendimentos das pessoas singulares (IRS), o PM anunciou o fim da
taxação especial para estrangeiros que não residem habitualmente em Portugal, a
partir de 2024. “Não faz mais sentido continuar a manter uma taxação para os
residentes não habituais”, assumiu, referindo-se ao Estatuto de Residente Não
Habitual, regime que oferece redução do IRS, durante 10 anos, a novos
residentes estrangeiros, independentemente da nacionalidade, e a cidadãos
portugueses que tenham estado emigrados mais de cinco anos. “Manter essa medida
para o futuro é prolongar uma medida de injustiça fiscal que não se justifica,
além de ser uma forma enviesada de continuarmos a inflacionar o mercado de
habitação”, argumentou, ressalvando que o regime se manterá para quem já
beneficia dele.
Sobre a
descida generalizada do IRS, o PM recordou que já foi anunciado que haverá uma redução
de dois mil milhões de euros, para além dos dois mil milhões já reduzidos. O
novo modelo de IRS jovem volta a alargar, passando a ter uma taxação zero no primeiro
ano de atividade. Estão a decorrer negociações para “uma atualização do acordo
de rendimentos que foi anunciado, o ano passado, e terá reflexo nas medidas”.
No respeitante a mexidas nas taxas, avançou que “depende do que estamos a polir
nas negociações com os parceiros sociais”. E as “principais medidas políticas”
serão definidas em sede do Orçamento do Estado (OE).
Da proposta
do Partido Social Democrata (PSD) para a redução de 1.200 milhões no IRS, já este
ano, falou em “equívoco” e lembrou que, “este ano, já reduzimos em mil milhões
de euros” no conjunto das famílias que pagaram de IRS. “No próximo ano, vamos,
seguramente, prosseguir a redução do IRS”, garantiu.
Sobre onde o
Estado vai aplicar o dinheiro que arrecada a mais com a inflação, o chefe do
governo sublinhou as medidas tomadas para aliviar os portugueses no contexto de
subida da inflação. “O conjunto de medidas extraordinárias de apoio às famílias
na inflação excede aquilo que foi o diferencial da receita”, disse, acentuando
que as contribuições para a segurança social subiram 13%. Quanto a mais apoios
às famílias, no futuro, declarou que não irão acontecer e que esse tipo de
apoios se tornou “permanente” no país, estando-se, neste momento, “a apoiar 185
mil famílias no pagamento de renda de casa”.
Já no que
diz respeito a contribuições para a Segurança Social, frisou que há “mais
pessoas a trabalhar”, nos dias de hoje, o que faz com que a Segurança Social
fique mais “robusta”.
No atinente à
criação de um 15.º mês livre de impostos, considerou que esta proposta é mais “complexa”.
E, em vez de isso se aplicar só a alguns setores, é de referir que há abertura
e margem para negociar, antes, um aumento “para todos”. “Reabrir debates sobre
a TSU [taxa social única] é a última coisa que a sociedade portuguesa precisa e
quer”, realçou.
Ainda no
âmbito da subida de salários, falou sobre os aumentos na Função Pública e
lembrou que há negociações em curso para o Orçamento do Estado de 2024, mas sem
dar pistas sobre valores. Recordou também que a prioridade tem sido as
“carreiras esquecidas” e que o Estado vai abrir mil vagas para técnicos
superiores, com salário de entrada nos 1.333 euros.
A respeito
da habitação e questionado sobre a demora nas medidas, o PM referiu: “As
políticas não começam pelo telhado, começam pelas fundações.” Mais disse que as
políticas do governo sobre habitação remontam a 2018 e lembrou o Programa Mais
Habitação, promulgado pelo Presidente da República (PR), que ajudará os
portugueses, nesta matéria. “Nunca sacudo a responsabilidade para ninguém”,
disse, comentando a questão sobre a necessidade de maior envolvimento dos
municípios, com quem está a ser feito o levantamento de casas devolutas para se
porem no mercado da habitação. E recordou que, perante a desertificação dos centros
urbanos, o governo teve de lançar programas de substituição, restauro, reabilitação
e requalificação de edifícios e até de bairros.
Sobre o
alojamento local e sobre os proprietários que rejeitam passar as habitações
para o mercado tradicional, apesar das penalizações fiscais, disse apenas:
“Fazem mal. Fazem mal as contas.” Disse ainda que as medidas em Portugal são
das “mais moderadas de todo o Mundo” e deu o exemplo de Nova Iorque, onde o
alojamento local só pode acontecer na casa do próprio e com um número limitado de
dias.
Não deixou passar em claro a crise no Sistema Nacional de
Saúde (SNS), defendendo a necessidade de negociações, enaltecendo o estatuto da
direção executiva e acreditando na eficácia do regime de dedicação plena, a
que, segundo julga, os
médicos irão aderir.
Questionado
sobre o risco de fecho de urgências, devido à recusa dos médicos em fazerem
mais horas extraordinárias afirmou que “o governo apresentou uma reforma muito
profunda da carreira médica”, apontou que os cuidados de saúde primários são os
mais importantes e onde tem de se “investir” e disse que os médicos terão
aumento de 12,7%. E, confrontado sobre as preocupações com a aproximação do
inverno e do possível caos que nas urgências dos hospitais, afirmou estar “preocupado
todos os dias”. E atirou: “O Mundo vive bem com as minhas preocupações, o que o
Mundo não vive bem é com os problemas para os quais estamos a trabalhar todos
os dias para [os irmos] eliminando.”
Sobre a contagem tempo integral do serviço (congelado) dos professores,
para efeitos de progressão na carreira (não se trata de pagamento, a pronto ou
faseado, como deixava entender o líder PSD), António Costa disse que isso seria
insustentável, até porque tinha de atender às reivindicações dos outros
funcionários públicos, por motivos de equidade. A única promessa que pode
deixar, disse, é de que “não haverá um novo congelamento de carreiras”. Porém,
lembrou que a vinculação dinâmica permitiu colocar quase 28 mil professores, neste
ano. E “mais
importante de tudo é que, no próximo ano letivo, vamos ter um novo modelo de
concurso”, disse. As alterações são as seguintes: os quadros de zona pedagógica
(QZP) passam de 10 para 63, “o que diminui a distância de colocação”; e, a
partir do próximo ano, os professores ficam colocados numa escola e “só saem daí,
se quiserem sair”, ao invés dos atuais concursos que forçam essa situação a
cada três anos.
Quanto ao
novo aeroporto, disse não ver qualquer motivo para o PSD ‘romper’ o acordo
obtido, há um ano, com o governo, para a criação da Comissão Técnica
Independente (CTI) para definir a localização do novo aeroporto. Mas não
descarta a hipótese – até porque, sobre este tema, o PSD “já disse tudo e o seu
contrário”, acusou. No entanto, considerou: “Pelas conversas que tive com
Montenegro, não tenho nenhuma razão para pôr em causa a seriedade do PSD nesta
metodologia.” Por outro lado, a demarcar-se das alegações de falta de
independência da equipa, frisou que a composição da CTI não foi escolhida pelo
governo, nem pelo PSD.
Sobre o tema
do aeroporto, António Costa diz que foi “o primeiro primeiro-ministro” que
chegou ao governo e que, “em vez de ter a tentação de reabrir o debate, se
limitou, humildemente, a aceitar o que tinha sido decidido pelo governo
anterior”. Quem esteve mal foi o anterior líder do PSD, que, face à recusa de
dois municípios do local estabelecido, disse não estar em condições de alterar
a lei, porque, “dentro do PSD há uma grande dúvida sobre qual deve ser a
localização”.
É, a ainda,
de referir que o PM assegurou que o silêncio que manteve no último Conselho de
Estado não representou “nenhuma mensagem especial” sobre a relação com Marcelo
Rebelo de Sousa e com Belém. Antes, sublinhou que, pelas funções que
desempenha, mas também pela personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa, tem contacto
muito frequente com o PR, que vai para lá da tradicional reunião semanal. Com efeito,
sempre que o PR o quer ouvir, chama ou telefona, o PM atende ou desloca-se a
Belém. E considerou o que contacto habitual com Marcelo é um “privilégio”, que
não se replica nos outros membros do órgão consultivo, daí a opção pelo
silêncio naquele encontro. Todavia, recordou as contingências do calendário,
uma vez que o Conselho de Estado decorreu após o debate do Estado da Nação,
onde “já tinha exposto a situação económica e social do país”. “Não tinha nada
a acrescentar”, disse. Questionado sobre se existia desconfiança quanto a
outros membros, descartou, mas lamentou as “fugas de informação seletivas”,
pois a lei prevê o sigilo nos encontros, cujas atas só são tornadas públicas 30
anos depois.
***
As medidas
anunciadas vão na linha de continuidade, embora com alguma calibração. O
governo dificilmente descola dos interesses instalados e toma decisões robustas,
que passam pela intervenção no mercado da habitação e nas questões salariais,
como a grave situação o exige. “Para grandes males remédios”, mas é preciso prescrevê-los
e ministrá-los. O conflito com os professores não é sanado pelo governo, mas
duvido que outro governo se desprenda da demagogia proclamada: “pagar o tempo
em cinco anos”. É que, se há tempo a pagar, os que sofreram o congelamento e se
reformaram têm direito ao pagamento com juros, bem como os que rescindiram por
mútuo acordo. Enfim, o PM fez um raid
numa estação de TV, a pacificar o seu eleitorado e pôr a nu os opositores. Duvido
desse êxito. A oposição recrudesce.
Remeter para
o OE e para a negociação significa diálogo e, pontualmente, fraqueza.
2023.10.03 – Louro de Carvalho
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