A
Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, citada pela Rádio
Nacional (Brasil) aponta que, nos últimos anos, foram descartados mais de 92
milhões de toneladas de resíduos têxteis e que se projeta o aumento de 60%,
isto é, mais de 140 milhões de toneladas, nos próximos oito anos. Por isso, urge o esforço de
toda a sociedade em construir uma indústria têxtil, de roupas e acessórios, sustentável,
cabendo a tarefa, em especial, a produtores e a consumidores da moda e da indústria
têxtil, que devem ser sensibilizados.
Leva
centenas de anos a decomposição de roupas de fibras sintéticas, e os
componentes químicos contaminam o solo e a água, sem falar no efeito estufa na produção
e no descarte.
Está longe o
tempo em que as roupas duravam imenso tempo. Eram reparadas (remendadas) e
passavam de irmãos mais velhos para os mais novos. Hoje, os tecidos são mais
fracos e as pessoas descartam-nos, até porque rapidamente passam de moda. Por
outro lado, a indústria da moda – o setor têxtil não é exceção – pretende que o
consumidor renove as suas provisões de vestuário, de calçado e de adereços. Assim,
a média de consumo de roupas por pessoa é 60% maior do que há 15 anos. E cada
peça dura a metade do tempo que costumava durar.
Ao
mesmo tempo, o impacto ambiental
da indústria da moda aflige toda a gente: contamina-se o solo; faz-se
uso excessivo de água para as produções; a poluição chega aos rios; faz-se
descarte desnecessário ou incorreto; e são construídos aterros gigantescos para
descarte de tecidos e de peças. De
17 a 20% da poluição da água industrial
vem de tingimento e de tratamento têxtil. Cerca de oito mil produtos químicos sintéticos são usados, no Mundo,
para transformar matérias-primas em produtos têxteis, muitos dos quais serão libertados para fontes
de água doce. É de destacar que os resíduos
têxteis são todo o material que sobra da produção de tecidos, que deixam
de ser úteis, terminado processo. Normalmente, são eliminados e
tratados como lixo comum e acabam por ser inevitáveis os prejuízos ambientais.
***
A
Organização das Nações Unidas (ONU) pede aos consumidores da moda reflexão,
antes da compra, e à
indústria da moda a adoção de formas sustentáveis. Com
efeito, a indústria da
produção de roupas tem grande impacto no
ambiente, produzindo de 2% a 8% de todas as emissões globais de dióxido de carbono, logo a seguir à indústria petrolífera; e
o setor de tingimento têxtil é um dos maiores poluentes para fontes de água, em
todo o Mundo. Este é
o alerta é do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
O ano da moda
começa em setembro, com semanas de desfile e de garbo em metrópoles como Nova Iorque,
Milão, Paris e Londres. Mas, fora das passarelas, a realidade não tem glamour e é preocupante, a médio e longo
prazo. Efetivamente, a cada segundo, é deitado ao lixo ou queimado o equivalente
a um camião de roupas. Muitas peças resultam do impulso de compra e nem sequer são
usadas. Só a confeção de uma calça jeans mobiliza milhares de galões de água.
A indústria
da moda virá a ser responsável por 25% do orçamento global de carbono até 2050.
Por isso, o
PNUMA defende que é preciso tentar desligar-se do marketing da máquina, que se
concentra em empurrar, a todo o tempo, novos modelos para cima dos
consumidores.
Garrette
Clark, especialista do PNUMA em sustentabilidade, diz que a desnecessária
aquisição de roupa é a raiz do problema, mas que é possível exercer um impacto
mais suave no ambiente, enquanto se vive na moda. E aconselha a utilização de roupas
de segunda mão, para reduzir o desperdício e manter as roupas fora dos aterros
sanitários. É dever de cada um perguntar-se, antes de comprar, se precisa da
peça, se prefere seguir ou ditar a moda.
Para Clark, é
possível criar um guarda-roupa original desenhando as próprias peças ou usando
roupas antigas, as vintage, feitas à
mão ou que se trocam entre os conhecidos. E as roupas mais baratas, que
aparentam bom negócio, sendo, para muitos, a única opção, contribuem para a
economia descartável, que danifica o ambiente. Com efeito, uma peça de baixa
qualidade é mais fácil de ser descartada. Por isso, quanto possível, é de comprar
vestuário de boa qualidade, que durará mais, se bem conservado, ajuda o
ambiente, os produtores têxteis e, a longo prazo, é mais económico para o
consumidor.
Para a
especialista, o consumidor deve consertar a roupa, quando começa a ficar velha,
oferecer a amigos uma peça que não use ou doá-la a quem precisa. E, antes da
compra, deverá pesquisar sobre as peças e interrogar-se se o produtor utiliza
técnicas sustentáveis que podem ser verificadas como tais; se usa tecidos sustentáveis
ou fibras recicladas; se se assegura que a sua cadeia de fornecimento responde
ao impacto da moda no planeta; e se usa etiquetas certificadas que podem ser
comparadas. As respostas encontram-se na Internet
ou na leitura das etiquetas, mas é preciso cuidado com o que se lê, pois está
instalada prática do “greenwashing”, que é fingir informações de cuidado com o
ambiente e com a sustentabilidade. Por isso, é preciso usar o bom senso.
Para
Clark, os usuários podem pressionar as marcas preferidas com comentários em
redes sociais ou deixando de comprar os produtos que não obedeçam aos critérios
ambientais. De facto, quem compra pode exigir das suas marcas de roupa que
sejam mais sustentáveis, que reduzam a moda em excesso e que informem sobre o
impacto dos seus produtos.
***
O estudo
Pulse of the Fashion Industry, de 2019, da Boston Consulting Group, mostra que,
até 2030, a indústria global de vestuário e calçados terá crescido 81%,
chegando a 102 milhões de toneladas de roupas e de acessórios, exercendo
pressão sem precedentes sobre os recursos do planeta. O consumismo cegou-nos. O que não
vemos ou não sabemos, não o sentimos, nem queremos saber de onde veio ou como
se fez; só queremos saber o preço. Todo o processo produtivo consome recursos
naturais e humanos de modo extraordinário.
Com o aumento da concorrência, o
preço tornou-se relevante e, para manter baixo preço, alguém trabalha por muito
pouco e há tecnologia a substituir o ser humano. O baixo custo para o
consumidor tem grande impacto na sustentabilidade e nas mudanças climáticas,
efeitos adversos na água e nos seus ciclos, poluição química, perda de
biodiversidade, excessivo ou inadequado uso de recursos não renováveis, geração
de resíduos, efeitos negativos sobre a saúde humana, efeitos nocivos para comunidades
produtoras.
Na década de 90, o conceito de fast fashion
veio suprir a necessidade do consumidor impaciente, ágil e conectado. A
economia em expansão, impulsionada pelo consumo excessivo individual, levou à reprodução
de coleções de grandes marcas de forma rápida, constante e de baixo custo. Segundo
a Forbes, em média, peças fast fashion
são utilizadas menos de cinco vezes e geram 400% mais emissões de carbono do
que roupas de marcas slow fashion,
usadas umas cinquenta vezes. E, de acordo com o report da Ellen MacArthur
Foundation, além do carbono emitido no processo de produção, o descarte da
indústria, dado o ciclo de vida curto das coleções, é imenso e, a cada ano, são
perdidos cerca de de 500 mil milhões de dólares com o descarte de roupas em
aterros. Na criação de peças, 25% do produzido passa a lixo, isto sem falar no
descarte, onde quase nada é reaproveitado.
Uma das fibras mais utilizadas no
mercado fashion é o poliéster,
responsável pela emissão anual de 32 das 57 milhões de toneladas globais. E são
precisos mais de 200 anos para decompor a fibra. Atualmente, o mercado utiliza
apenas 14% de fibras recicladas, que possuem uma pegada de carbono
significativamente menor do que as convencionais. A Plastic Insights reportou
que, em 2016, o poliéster respondeu por 55% do mercado global de fibra, seguido
pelo algodão com pouco mais de 25%. A Ocean Conservancy afirma que, a cada ano,
entram nos oceanos oito milhões de toneladas de resíduos plásticos. Assim, consumindo
peixes e frutos do mar, ingerimos o equivalente a um cartão de crédito por
semana em plástico. Depois, vem a viscose, produzida pela extração da celulose
da madeira de árvores de rápido crescimento, provindo cerca de 30% de florestas
nativas ameaçadas de extinção. Segundo Nicole Rycroft, da Canoply, organização
de luta pelas florestas, para o The
Guardian, as florestas tropicais em vias de extinção são invadidas,
desmatadas e transformadas em camisas e em vestidos. A fabricação de viscose
implica o uso de produtos químicos que acabam por ser despejados no ambiente,
sem tratamento prévio. Os grandes exportadores de polpa de viscose para a China
são a Indonésia, o Brasil e o Canadá.
Segundo a Associação Brasileira
de Indústria Têxtil (ABIT), no Brasil, a indústria da moda gera 175 mil
toneladas de resíduos têxteis por ano. Em 2020, foram resgatadas, em São Paulo,
178 mulheres de oficinas, que faziam trabalho escravo. Há uma grande
concentração de imigrantes e refugiados, principalmente latino-americanas nesta
etapa da produção.
O impacto negativo do setor da
moda não atinge só o ambiente; é também profundo na esfera social. Grande parte
das empresas terceirizam a produção e as terceirizadas “quarteirizam” o
trabalho, para minimizar os custos de mão-de-obra. Segundo a World Trade Statistical Review, a Ásia é
a principal exportadora e produtora do têxtil, com destaque para a China, a Índia,
Taiwan e o Paquistão. O crescimento da China gerou pequeno aumento salarial
fazendo com que algumas marcas mudassem o foco para países como o Bangladesh, o
Vietname e o Camboja, onde a competição por trabalho mantém salários baixos e
as margens de lucro altas. Assim, há milhares de pessoas em países
subdesenvolvidos em condições sub-humanas de trabalho.
Porém, um dos exemplos em
contramão da indústria é a Patagónia, fundada na Califórnia pelo escalador,
surfista e ambientalista Yvon Chouinard, com olhar de sustentabilidade para a
cadeia toda. A preocupação vai da plantação de algodão ao bem-estar dos
funcionários e com toda a cadeia de produção. Assim, foi a primeira empresa a
vender casacos sustentáveis. No início, muitos achavam que vender peças
sustentáveis e mais caras não resultaria, mas a conscientização das novas
gerações e o pedido por produtos com propósito era aquilo de que a empresa
precisava para dar ganho. Tudo começou nos anos 50, com a fabricação e venda de
equipamentos de escaladas e, hoje, vende roupas e acessórios para desportos
radicais, emprega mais 2.200 pessoas, possui escritórios em seis países e
fatura, em média, mil milhões de dólares por ano. O fundador ficou conhecido em
2011, após a campanha que pedia que não comprassem os seus produtos, pois o
consumo exagerado é nefasto para o planeta.
O facto de as lavouras de algodão
serem das mais agressivas para o ambiente foi preocupação para Yvon. Assim,
mesmo com prejuízo financeiro nos primeiros dois anos, decidiu que, a partir de
1996, usaria 100% de algodão orgânico, ainda que custasse o triplo do preço em
relação tradicional. O orgânico agride menos o planeta, mas não é o ideal. E a
empresa começou a cultivar o algodão de forma regenerativa. Esta produção ocupa
o mínimo espaço possível, reveza culturas para que o solo se mantenha rico e
promove parcerias com comunidades locais.
A Adidas, em 2020, passou a
utilizar poliéster reciclado em 50% dos seus produtos, pretendendo, até 2024,
chegar a 100%. A Stella McCartney, que usa algodão orgânico, nylon reciclado e viscose sustentável,
lançou um jeans 100% biodegradável, em parceria com a italiana Candiani Denim.
No final de 2019, a Arezzo
anunciou a plataforma Arezzo Futuro, com uma série de mudanças, transformando
desde a gestão ambiental do grupo até produtos com atributos sustentáveis e
desafios de embalagem. E a Flavia Aranha, exemplo de sustentabilidade, utiliza
matérias-primas naturais e tingimento com tinturas extraídas de cascas de
árvores, frutos, folhas e raízes. Os povos usavam recursos naturais para
tingimento têxtil, identificando as plantas que davam cor aos tecidos, mas com
o surgimento dos corantes sintéticos, esqueceu-se muito desse conhecimento.
Outro exemplo com foco no social
é o “Movimento Eu Visto o Bem”, de Roberta Negrini, com o sonho de criar um negócio
que gerasse lucro e fosse uma máquina de transformação de pessoas com o mínimo
impacto possível no ambiente. Produz roupas e artigos têxteis a partir de
restos de tecidos e só usa mão-de-obra de mulheres encarceradas no sistema
prisional ou em situação de vulnerabilidade social, “invisíveis” aos olhos da
sociedade.
Em tempos de busca obsessiva por
redução de custos e por crescimento exponencial, é incomum encontrar empresas
que entendam ser necessário pagar mais, para agredir menos o planeta e as
pessoas e que, se para existir de maneira sustentável é preciso crescer menos,
isso não deveria ser um problema, mas uma oportunidade. Ora, a verdadeira
sustentabilidade está em soluções menos baratas, atemporais na estética e amigas
do ambiente e das pessoas. Reciclar roupa e conservá-la é vital para enfrentar
a mudança climática.
Estar na moda é cuidar do planeta
e das pessoas!
2023.10.24
– Louro de Carvalho
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