Juntaram-se, a 21 de outubro, na
cidade do Cairo, Egito, 34 países – árabes e ocidentais –, a convite do Estado
anfitrião, para debaterem a questão do conflito israelo-palestiniano. Uns e outros
pediram um cessar-fogo entre Israel
e o Hamas, a entrega de ajuda maciça à Faixa de Gaza e solução definitiva para
aquele conflito no Próximo Oriente, que dura há 75 anos.
No entanto, o encontro, em que Israel não participou, terminou sem
um comunicado conjunto, devido à falta de acordo entre os países árabes e os ocidentais,
como informaram diplomatas árabes, no momento em que António Guterres,
secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), advertia que a Faixa
de Gaza enfrenta “uma catástrofe humana”.
Fontes diplomáticas disseram à Agência France Presse (AFP)
que as negociações para o comunicado final conjunto emperraram em dois pontos:
a recusa dos países árabes em assinar a “condenação clara ao Hamas” e “o pedido
de libertação dos reféns” feito pelos ocidentais.
Assim, a reunião terminou com um comunicado da presidência
egípcia que agradece o esforço na
busca de consenso, acima de posições políticas ou religiosas, para enfrentar
esta crise e a situação entre Israel e a Palestina, com especial foco na Faixa
de Gaza, mas critica “uma comunidade internacional que mostrou, nas
últimas décadas, a incapacidade de encontrar uma solução justa e duradoura para
a questão palestiniana”. “Enquanto
vemos um lado a condenar prontamente o assassinato de pessoas inocentes, do
outro lado vemos uma hesitação incompreensível em denunciar o mesmo ato. Vemos
até tentativas de justificar este assassinato, como se a vida do ser humano palestiniano
fosse menos importante do que o de outras pessoas”, reza o comunicado.
Em resposta, Telavive lamentou a falta de condenação do
“terrorismo islâmico”. “É lamentável que, mesmo depois de ter que enfrentar
essas atrocidades horríveis, haja quem tenha dificuldade de condenar o terrorismo
ou reconhecer o perigo”, critica o Ministério dos Negócios Estrangeiros de
Israel.
Quando se vive
a iminência da entrada terrestre do exército israelita em Gaza, depois de Israel ter garantido que
aumentaria, a partir do dia 21, a intensidade dos ataques, a Cimeira da
Paz terminou sem um resultado consensual. Verificou-se, desde início, que, entre os
participantes na reunião, havia um consenso a favor da ideia de reativar a solução de “dois Estados”,
proposta em 1974 pela ONU, mas foi notada a
falta de sensibilidade entre o mundo árabe e o Ocidente no atinente à avaliação
da situação dos Palestinianos, com fontes árabes a informarem a agência
espanhola EFE que a declaração final
não foi produzida, apesar do acordo em muitas questões, devido à recusa
europeia em responsabilizar Israel pelas mortes de civis e exigir o
cessar-fogo.
Abdel Fattah el-Sissi, presidente
egípcio, rejeitou qualquer conversa sobre a expulsão dos 2,3 milhões de Palestinianos
de Gaza para a Península do Sinai e advertiu contra a “liquidação da causa
palestiniana”. E o rei Abdullah II da Jordânia classificou o cerco e o
bombardeamento de Gaza por Israel como “um crime de guerra”.
Os dois discursos refletiram a
raiva crescente na região, mesmo entre os que têm laços estreitos com Israel e
que, muitas vezes, têm trabalhado como mediadores, à medida que a guerra
desencadeada pelo ataque terrorista do Hamas entra na terceira semana, com o
número de vítimas a aumentar e sem fim à vista.
Para Germano Almeida, analista
de questões internacionais, em termos da cimeira, a “grande
declaração do dia”, do ponto de vista do que se poderá promover no terreno, foi
a do líder palestiniano. Mahmoud
Abbas, presidente da Autoridade Palestina, disse que os Palestinianos “não
serão expulsos” das suas terras. “Nunca se demarcou muito do Hamas –
que, como se sabe, é uma força oposta à Autoridade Palestiniana – e isso também
denota muito do que se vive atualmente no terreno”, apontou o analista.
Segundo
Germano Almeida, o secretário-geral da ONU teve “a posição mais equilibrada”,
na medida em que apontou as queixas do povo palestiniano como legítimas, não
deixando de condenar o grupo islâmico Hamas pelo ataque perpetrado contra civis
israelitas, mas sublinhou que esse ataque não pode legitimar o massacre do povo
palestiniano na Faixa de Gaza. Disse também, muito concretamente, que “é preciso
muito, muito mais” do que aqueles 20 camiões” que entraram em território de
Gaza, no dia 21, pela fronteira de Rafah, pela primeira vez em 15 dias, com
ajuda humanitária.
O analista de
questões internacionais opina que “não houve nenhuma novidade muito concreta”
com esta cimeira, mas que ela trouxe “alguns sinais importantes”, a começar pelas ausências – de Israel, como se
antevia, e dos Estados Unidos da América (EUA), como se poderia prever.
“Isto mostra
como os EUA têm uma diplomacia própria que não depende da União Europeia (UE)”,
diz Germano Almeida, vincando as idas de Antony Blinken, secretário de Estado
norte-americano a território israelita, bem como a visita de Joe Biden,
presidente dos EUA, a Israel.
Da parte dos países europeus, assistiu-se, em uníssono, à ideia de
considerar legítima a defesa de Israel perante o ataque do Hamas de 7 de
outubro,
embora pedindo uma desescalada da guerra e apelando ao alívio do sofrimento dos
dois milhões de civis presos em Gaza. Já do lado dos países árabes houve uma musculada
condenação dos ataques de Israel a Gaza.
Na opinião de
Germano Almeida, “o mais importante do dia passou-se num telefonema entre o
chefe de diplomacia do Catar e Antony Blinken, que se estão a articular para
libertar reféns de Gaza”. Isto porque, na ótica do comentador, o Catar parece “ser o país com mais condições
de negociação – por ser o único que consegue falar com o Irão, com o Hamas e
com Israel, por intermédio dos EUA”.
***
Neve Gordon, israelita e
professor de direito internacional, diz que a Europa, em vez de pedir o fim da
violência, “empurra Israel para continuar”.
Conhecido por se posicionar
contra as ações do seu país nos territórios palestinianos, o professor de
Direito Internacional e Direitos Humanos na Queen Mary University de Londres,
no Reino Unido, diz que as declarações e ações dos EUA e de alguns países
europeus estão a legitimar Israel a continuar o ataque a civis em Gaza. E
explica como se sente a sociedade israelita no momento de iminente ataque por
terra àquele território.
Autor do livro “A ocupação de
Israel”, de 2008, Neve Gordon integra a minoria que acredita na solução de um
só Estado com duas nacionalidades onde todos os cidadãos tenham direitos
iguais. E, em entrevista a Joana Ascensão, do Expresso, disse acompanhar com preocupação a iminente entrada por
terra na Faixa de Gaza, pela possibilidade
de escalar a guerra para um conflito regional, mas vê com maus olhos as
declarações dos países ocidentais que se posicionam ao lado de Israel,
aceitando a “desumanização” da população civil
palestiniana, para legitimar a agressão, como “aconteceu aos judeus no
Holocausto”.
Questionado sobre a efetiva
perpetração de crimes de guerra, sustenta que estes
“começaram com os ataques do Hamas em Israel, que mataram cerca de
mil e trezentas pessoas e em que foram raptadas cerca de duas mil”, a que se
seguiu uma série de outros crimes de guerra por parte de Israel”, visando a “destruição
da Faixa de Gaza”. Os cortes de água e de eletricidade, as ordens para que mais
de um milhão de pessoas se desloquem para sul e os bombardeamentos da área
populacional, de escolas, de hospitais – “tudo isto são crimes de guerra”.
O professor, que é membro ativo
da Ta’ayush, organização não-governamental para o encontro entre o povo
palestiniano e o povo judeu, não confia em nenhuma das partes: Hamas e Israel.
Trata-se de uma guerra, “em que uma das primeiras vítimas, se não a primeira, é
a verdade”. Ambos os lados já mentiram, muitas vezes, acerca das suas ações,
sendo difícil, agora, saber quem mente “sobre este ataque em específico”, mas a
verdade virá ao de cima.
Sobre a História menos recente,
fala de “um projeto colonial de Israel” e de pessoas de Gaza que, há 16 anos,
estão “postas numa gaiola com outros dois milhões de pessoas, a viverem em
extrema pobreza, sem terem as necessidades básicas asseguradas, com os direitos
violados e a quererem ser livres”. Da História mais recente, sublinha a fragmentação
da sociedade israelita. Semanas antes do ataque do Hamas, a sociedade israelita
estava completamente dividida e havia protestos contra o governo. Com o ataque,
a que se junta “a falha do sistema de inteligência israelita” e a “falha na
resposta militar imediata, muito por causa dos colonos que estavam na
Cisjordânia a violentarem Palestinianos”, o que passou a unir a sociedade
israelita “é a retaliação contra o Hamas e contra as pessoas em Gaza”. E o objetivo
consensual é “atacar Gaza”, “destruir Gaza”.
Não obstante, há Israelitas contra
a guerra, a quererem o cessar-fogo, como há “as famílias dos reféns do Hamas”.
Diz o professor que “Israel é um país pequeno, onde toda a gente conhece ou
alguém que foi raptado, ou alguém que conhece alguém que foi raptado”. Por
isso, estas pessoas “querem um cessar-fogo, porque entendem que o objetivo dos
militares é matar os raptores, mesmo que isso signifique matar os reféns”, seja
por causa dos ataques aéreos, seja pelo “iminente ataque por terra”. Neste
momento, há um grande movimento dentro de Israel para encontrar uma solução
para os reféns. Muitas pessoas querem a retaliação, mas, antes, a troca de
prisioneiros. E há uma parte muito pequena, entre cinco mil a dez mil, num país
com oito ou nove milhões de Judeus, que considera Israel um estado colonialista
e está mesmo contra o que está a acontecer. E o professor pertence a esse
grupo.
Questionado
sobre se considera natural que a maioria dos países europeus apoie a ofensiva
de Israel, em primeiro lugar, vê os factos: a França e a Alemanha proibiram
protestos a favor dos Palestinianos. No Reino Unido, são reprimidos estudantes
que apoiam a libertação dos Palestinianos. Os EUA enviam aviões carregados para
a região, Antony Blinken veio a Israel uma e outra vez e Joe Biden também. Rishi
Sunak, primeiro ministro do Reino Unido, envia barcos com armas para Israel. Quer
dizer: em vez de pedirem a desescalada, apoiam.
Há um medo instalado de o
conflito tomar proporções maiores e se tornar num conflito do Médio Oriente. Se
as tropas de Israel entrarem por terra na Faixa de Gaza, o Hezbollah poderá
entrar com toda a força no norte de Israel. E a mensagem que o Reino Unido e os
EUA estão a passar, principalmente ao Irão e ao Hezbollah é para não entrarem
em Israel, se Israel entrar em Gaza. Porém, entram em contradição, permitindo
que Israel entre com tanques na Faixa de Gaza e pedindo “que toda a gente veja
e não intervenha”.
Também
fala do mito do “exército moral de Israel”. E diz que um dos processos para justificar
a violência mortal sobre populações é desumanizar essas pessoas. Essa foi a estratégia
nazi contra os Judeus. E, agora, é a dos países colonizadores: “os colonizados
são sempre apresentados como bárbaros, como animais”, o que “justifica
reprimi-los e matá-los”. Desde há muito, em Israel, mas sobretudo depois do
ataque de 7 de outubro, aumentou a desumanização, em que o ministro da Defesa
chama aos Palestinianos “animais humanos” e Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro,
diz que Gaza é a “cidade do demónio”. Por outro lado, defende que o holocausto está sempre no subconsciente do
judeu israelita; e o Estado de Israel é a única defesa contra o antissemitismo
global. Assim, mesmo quando bombardeia Gaza, Israel sente-se vítima.
Considera que o problema com a
Europa é saber que a solução dos dois Estados é do passado, mas ainda apoia tal
ficção. O que deviam fazer os líderes europeus era perceber que há uma realidade
territorial que vai do Jordão ao Mediterrâneo e que, entre o Jordão e o Mediterrâneo,
“há um regime de Apartheid”. Assim, a questão não é “haver dois Estados em paz,
neste pedaço de terra”, mas como o “democratizarmos”: Um Estado binacional, com
dois lados em igualdade de direitos, deveres e oportunidades? E a UE rejeita
falar sobre isto, que é claro para todos.
***
A paz é possível, desde que se
deseje acima de tudo. Importa, com vista à reconciliação, relevar as vozes de Judeus
que defendam Palestinianos e as de Palestinianos que defendam Judeus.
2023.10.22 – Louro de Carvalho
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