O preâmbulo do Decreto-Lei
n.º 75/2023, de 29 de agosto, refere que “o Programa do XXIII Governo Constitucional assumiu o desígnio
de assegurar serviços públicos de qualidade que contribuam para a redução das
desigualdades, contando, para tal, com a valorização e melhoria das condições
do exercício das funções públicas, em ordem a garantir percursos profissionais
com futuro, procurando garantir previsibilidade, justiça e equidade”.
Admite que, por força do congelamento ocorrido entre
30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e entre 1 de janeiro de 2011 e 31
de dezembro de 2017, “não foi possível fazer repercutir na esfera jurídica dos
trabalhadores, na sua plenitude, os efeitos associados à avaliação do
desempenho individual, nomeadamente a alteração obrigatória de posicionamento
remuneratório na carreira dos trabalhadores com vínculo de emprego público”. E
considera que tal preocupação “esteve subjacente ao regime especial na
progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos
básico e secundário dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos
ensinos básico e secundário, para os períodos de congelamento”.
Assim, reconhecendo “os impactos destes períodos de
congelamento no normal desenvolvimento das carreiras”, estabeleceu “um regime
especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com
vínculo de emprego público, através da redução do número de pontos necessários
para alteração obrigatória do posicionamento remuneratório”. Este regime aplica-se
às carreiras “cuja alteração do posicionamento remuneratório decorra em razão
de pontos obtidos em resultado da avaliação de desempenho”, tendo impacto “nas
entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde [SNS],
por via dos acordos coletivos de trabalho existentes, mantendo-se para os
demais contratos individuais de trabalho o desenvolvimento das carreiras
previsto nos correspondentes instrumentos de regulamentação coletiva”.
Porém, esta solução “não prejudica que, em diferentes
conjunturas, designadamente em próximas legislaturas, possam ser adotadas
outras soluções, sem prejuízo naturalmente dos direitos ora adquiridos pelos
trabalhadores da Administração Pública”.
Nos termos deste diploma, que “estabelece um regime especial de aceleração do
desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público”
(artigo 1.º), abrange os trabalhadores “com vínculo de emprego público
integrados em carreira que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei
[1/1 2024], reúnam os seguintes requisitos cumulativos: a) efetuem a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório,
em razão de pontos acumulados nas avaliações do desempenho; b) detenham 18 ou mais anos de exercício
de funções integrados em carreira ou carreiras, abrangendo os períodos
compreendidos entre: i) 30 de agosto
de 2005 e 31 de dezembro de 2007; ii)
1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017” (artigo 2.º).
Por conseguinte, a teor do artigo 3.º, “os trabalhadores que,
no ano de 2024 ou seguintes, acumulem seis ou mais pontos nas avaliações do
desempenho, relativas às funções exercidas durante o posicionamento
remuneratório em que se encontram, alteram o seu posicionamento remuneratório
para a posição remuneratória seguinte à detida” (n.º 1). “Quando os
trabalhadores tenham acumulado mais do que seis pontos, os pontos em excesso
relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório”
(ver n.º 2). “A redução do número de pontos necessários para a alteração
obrigatória do posicionamento remuneratório […] é aplicável apenas uma vez a
cada trabalhador” (n.º 3). “A alteração do posicionamento remuneratório produz
efeitos a 1 de janeiro do ano em que o trabalhador acumule o número de pontos
necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório” (n.º
4).
***
Em consequência do referido no preâmbulo do
referido decreto-lei – de que a solução vigente “não prejudica que, em diferentes conjunturas,
designadamente [recordo a importância que o Presidente da República deu ao
adverbio ‘designadamente’, no caso dos professores] em próximas legislaturas,
possam ser adotadas outras soluções” – o governo está disponível para alargar quotas para melhores notas na
avaliação de desempenho e acelerar progressões (mas só em 2026).
Neste sentido, governo e sindicatos discutiram, a 30 de outubro, a revisão
do sistema de avaliação de desempenho na Administração Pública (SIADAP).
Segundo a Frente Comum, o Executivo anunciou o alargamento de quotas com nota
diferenciada, face à proposta inicial, levando a progressões mais rápidas para parte
dos funcionários públicos, e aumentando os prémios de desempenho para
dirigentes de três mil para quatro mil euros.
Assim, o governo dá um passo ao encontro de uma das maiores reivindicações
dos sindicatos da Administração Pública (AP), alargando as quotas para as
melhores notas na avaliação de desempenho, o que redundará em progressão mais
rápida na carreira e, consequentemente, em valorização salarial, para boa parte
dos funcionários públicos. Todavia, fica longe da extinção de quotas que os
sindicatos exigiam, de forma transversal.
Nestes termos, a parcela de trabalhadores que podem obter mais de um ponto
por ano na avaliação de desempenho, para efeitos de futura alteração remuneratória,
passará a ser de 60%, face à proposta inicial, que apontava para 50%. Esta foi
a novidade da reunião do dia 30 de outubro, com a secretária de Estado da
Administração Pública, Inês Ramires, veiculada para a comunicação social Sebastião
Santana, coordenador da Frente Comum – filiada na Confederação Geral dos
Trabalhadores Portugueses (CGTP) –, a primeira estrutura representativa dos
trabalhadores a reunir com o Executivo
Até agora, só 25% dos funcionários públicos, no máximo, podem ter uma nota
diferenciada, isto é, mais de um ponto por ano.
A proposta apresentada aos sindicatos significa que, em cada serviço, 30% dos trabalhadores poderão ter, no
máximo, menção de “bom” (a que correspondem 1,5 pontos por ano). Este
valor compara com os 25% da proposta inicial, em julho. Além disso, outros 30% do total poderão ser
classificados com a menção de “muito bom” (dois pontos). Uma percentagem
que também estava nos 25% na proposta de julho. Já os trabalhadores
classificados com “excelente”, continuam a sair da fatia dos muito bons,
mas podem atingir um máximo de 10% desta
parcela, quando a proposta inicial restringia essa parcela a 5%.
Até agora, 75% dos trabalhadores da AP podem ter, em cada ciclo avaliativo,
no máximo, uma classificação de “adequado” (a que corresponde um ponto por ano)
e só 25% podem ter a classificação de “relevante” (a que correspondem dois
pontos por ano), fatia de onde sai o máximo de 5% com a classificação de excelente
(a que correspondem três pontos por ano).
O alargamento das quotas para as notas diferenciadas na avaliação de
desempenho dos funcionários públicos acresce às mudanças no SIADAP previstas na
proposta de julho.
A avaliação passará a ser feita em ciclos
anuais, em vez de bienais. Deixará de ser necessário acumular os atuais
10 pontos na avaliação de desempenho para progredir uma posição
remuneratória, passando a ser
necessários apenas oito pontos. Estas duas alterações juntam-se à medida
de manutenção dos pontos remanescentes entre mudanças de posicionamento, que já
está em vigor. Em conjunto, estas mudanças significam que os funcionários públicos poderão atingir,
mais cedo, os pontos necessários para avançarem na carreira.
Além disso, há uma alteração na escala das notas na avaliação de
desempenho. Até agora, os trabalhadores podem ser classificados com “excelente”
(a que correspondem três pontos por ano), “relevante” (dois pontos), “adequado”
(um ponto), ou “inadequado” (em que se retira um ponto). Com a revisão do
SIADAP, a escala terá mais níveis: “excelente” (três pontos), “muito bom” (dois
pontos), “bom” (nova menção, a que correspondem 1,5 pontos por ano), “regular”
(um ponto), e “inadequado” (corresponderá a zero pontos, em vez de ser retirado
um ponto).
Obviamente, estas alterações
permitirão que os funcionários públicos progridam, de forma mais rápida, na
carreira, com reflexo no salário mensal, mas
só a partir de 2026.
A proposta do Executivo é de que o
novo modelo entre em vigor em 2025, produzindo efeitos ao nível da mudança de
posição remuneratória dos trabalhadores a partir de 2026, ano em que
terminará a atual legislatura, se as condições políticas não determinarem e sua
interrupção por dissolução parlamentar. Estão em causa cerca de 65% dos trabalhadores
da AP – cerca de 485 mil pessoas –, cuja progressão na carreira depende dos
pontos obtidos na avaliação de desempenho, através do SIADAP ou de regimes
adaptados. É o caso, por exemplo, de todos os funcionários integrados nas
carreiras gerais da AP: técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes
operacionais. Ficam de fora os militares, os profissionais da Guarda Nacional
Republicana (GNR), os docentes, os oficiais de justiça e os juízes, cujas
carreiras assentam em outros critérios.
Esta proposta continua longe das exigências da Frente Comum (FC). “O governo
não aceitou qualquer uma das nossas propostas”, vincou Sebastião Santana. A FC
reivindica a extinção das quotas na avaliação de desempenho e a redução para
quatro dos pontos necessários para progredir uma posição remuneratória. Isto,
para permitir que todos os trabalhadores da AP possam atingir o topo das
respetivas carreiras, no máximo, ao fim de 40 anos de trabalho. Por isso, a FC
quer continuar a negociação. “Pelo governo, o tema ficava fechado hoje”, mas,
“vamos pedir reunião de negociação suplementar”, adiantou Sebastião Santana. E,
sobre a atualização salarial para o próximo ano, tema que o Executivo deu como
fechado, a FC voltou a insistir, na reunião do dia 30 de outubro, em maiores
aumentos. “Fechámos a reunião dizendo que, perante a greve da última
sexta-feira [27 de outubro], o governo tem de voltar à negociação dos aumentos
salariais para o próximo ano até à votação final do Orçamento do Estado”,
indicou Sebastião Santana.
Também a FESAP – filiada na União Geral dos Trabalhadores (UGT) – pediu
reunião de negociação suplementar, que deverá realizar-se a 15 de novembro.
“Dada a disponibilidade para melhorar as quotas, dissemos ao governo que fosse
mais longe”, disse José Abraão, dirigente da FESAP. E a contraproposta desta
estrutura sindical é: “Os que têm um ponto na avaliação passarem a ser só 30%
do total, e os ‘excelentes’ (três pontos) passarem a ser 10% do total”.
A resposta da secretária de Estado foi que, “neste momento, o que está em
cima da mesa é esta proposta”, revelou José Abraão, acrescentando que a
resposta foi semelhante, face à reivindicação da entrada em vigor do novo
modelo mais cedo do que o Executivo propõe. Ante essa posição de Inês Ramires,
“temos a expetativa de que não sejam matérias fechadas e que a proposta ainda
possa ser melhorada”, apontou José Abraão.
Outra relevante novidade surgiu ao nível dos prémios de desempenho dos
dirigentes públicos, com o governo a propor um aumento de 1000 euros para os
4000 euros. Aliás, a comunicação social já vinha falando em aumento da
remuneração dos técnicos superiores na AP. Contudo, o que é referido são
dirigentes, quando há técnicos superiores que não ocupam cargos de direção.
***
Última
nota: O governo preconiza o esbatimento das desigualdades e diz querer garantir
“previsibilidade, justiça e equidade”. Porém, o regime especial de progressão dos
professores (ver Decreto-Lei n.º
74/2023, de 25 de agosto), apenas se aplica a quem exerça “funções docentes ou legalmente equiparadas desde o ano
2005-2006” (ver artigo 2.º, n.º 1, alínea a)).
E os outros? Além disso, não se prevê aumento dos percentis das
classificações de “muito bom” e de “excelente” na avaliação de desempenho
docente, de que resulta maior rapidez na progressão.
Falar
de justiça e de equidade é bonito, mas não basta!
O
Estado tem mesmo de valorizar todos os seus trabalhadores, com justiça e com
equidade, porque o merecem como pessoas, para prestigiar a dignidade do serviço
público e para que os trabalhadores não se escapem para o setor privado ou para
o estrangeiro.
2023.10.31 – Louro de Carvalho
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