O cardeal D.
Américo Aguiar tomou posse canónica, a 26 de outubro, como o 4.º Bispo de de
Setúbal, 21 meses depois de a cátedra episcopal ter ficado vaga, mercê da transferência
do respetivo titular para a diocese de Leiria-Fátima.
Nomeado por
Francisco, a 21 de setembro, é agora Bispo de Setúbal. A bula papal de nomeação
foi lida pelo secretário da Nunciatura Apostólica, monsenhor José António Teixeira
Alves e a ata da posse assinada por D. Américo Aguiar (Bispo de Setúbal), D. Rui
Valério (Patriarca de Lisboa), cardeal D. Manuel Clemente (Patriarca Emérito de
Lisboa); D. Joaquim Mendes (Bispo Auxiliar de Lisboa), monsenhor José António
Teixeira Alves (Nunciatura Apostólica), padre José João Aires Lobato (Colégio
dos Consultores) e Maria da Graça Tavares Pacheco (chanceler).
Nas suas
primeiras palavras da cerimónia, Américo Aguiar agradeceu a presença de todos
os presentes, fiéis, amigos, entidades eclesiásticas e civis. E relevou que “o Santo
Padre gosta muito de Setúbal e fala com muita propriedade de Setúbal”, o que
deixa o prelado “intrigado”. E, bem-disposto, disse: “Eu estou tramado: ou me
porto bem ou chama-me a capítulo.”
Manifestou gratidão
“a Via Sacra e Via Lucis” pelo trabalho do Administrador Diocesano, Padre José
Lobato, do Colégio de Consultores, e de todos os que, “nas mais diversas
tarefas, garantiram que a Diocese acontecesse”. E discorreu: “Podia ter sido
diferente? Podia. Mas foi como foi. E foi como foi, graças ao empenho, à
dedicação e entrega destes sacerdotes. E permitam-me que [lhes] diga: os nossos
sacerdotes são heróis nacionais, são benfeitores da humanidade. A maioria dos
nossos sacerdotes merece a nossa gratidão, a nossa oração e a nossa bênção.”
Agradeceu particularmente
aos “jovens do COD (Comité Organizador Diocesano) Setúbal, dos COP (Comités
Organizadores Paroquiais), das paróquias,” pelo sucesso da realização da
Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 (JMJ 2023), de que o cardeal foi
coordenador-geral.
Às
autoridades civis informou: “Vou ser como a viúva do Evangelho: bater à porta,
bater à porta até que digam ‘façam o que ele quer, para me sair aqui da porta’.
Estamos juntos”. Observou que a Península de Setúbal tem sofrido muito com a
“má vizinhança” de Lisboa, sobretudo no acesso aos fundos comunitários. “Temos
muito que trabalhar, muito que fazer, temos. Estamos cá para fazer o bem comum
da comunidade que servimos. Queremos o melhor para todos aqueles que vivem,
passeiam, trabalham e amam este território da Península e da Diocese de
Setúbal. Por isso, estamos juntos” referiu. “Tudo era mais bonito se ninguém
tivesse problemas. E infelizmente temos muitas pessoas com problemas. Se eu não
estiver errado, teremos aqui perto de 900 mil pessoas a viver neste território
da Diocese de Setúbal, que juntas conquistam o Mundo. E não podemos permitir
que um que seja se sinta abandonado e se sinta para trás”, acrescentou.
Citando a
expressão do Papa Francisco “todos, todos, todos”, anunciou que será uma
preocupação sua chegar a “quem está na periferia seja geográfica ou
existencial” e contribuir, como bispo, para “libertar os nossos concidadãos de
amarras que não lhes permitam ser verdadeiramente pessoas com dignidade, com
direitos e deveres e que tenham a coragem de sonhar.” E assumiu: “Não vos quero
prometer absolutamente nada. Porque eu não conheço nada, nem conheço as
pessoas. Aliás, começo já amanhã a conhecer as caras e as instituições.”
Isto vai
“olhos nos olhos, coração a coração, não vai com papéis e decretos”. Como dizia
D. Armindo Lopes Coelho, que foi Bispo do Porto, “uma grande diocese tem grandes
problemas e grandes soluções”. E, mencionando outro Bispo do Porto com quem
trabalhou, D. António Francisco dos Santos, que, ao chegar ao Porto, dizia que
com todos, desejava saber os sonhos de Deus para o Porto. Pois eu replico
exatamente isto: “Com todos, com cada um de vocês, quero descobrir quais são os
sonhos de Deus para este amado povo de Setúbal”.
“Ninguém se
sinta dispensado. Nem um cardeal tem a possibilidade de impedir, de barrar que
qualquer um de vocês abrace Cristo vivo. E, por isso, ninguém se sinta
dispensado, ninguém tenha vergonha de acolher no seu coração o anúncio de
Cristo vivo. É isso que eu vos trago e é isso que espero encontrar no coração
de todos e de todas”, garantiu.
“Estamos
juntos neste caminho, dando continuidade ao que foi feito pelo senhor D. Manuel
Martins, pelo senhor D. Gilberto, pelo senhor D. José Ornelas e dando
continuidade a esta bonita História que vamos escrevendo uns com os outros no
coração de cada um e no coração de Deus”, vincou. “Como já aguardámos muito tempo
por este dia e por esta hora, vamos arregaçar as mangas, pois a messe é grande,
os trabalhadores são poucos e o tempo urge. Deus conta com cada um de nós,
conta com todos. Santa Maria da Graça, rogai por nós!, concluiu, rezando.
Na sua
intervenção, fez ainda referência ao Sínodo dos Bispos que decorre em Roma até
ao fim do mês e aos conflitos armados que assolam o Mundo, mostrando a sua
proximidade com o Cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de
Jerusalém. “Queremos estar em comunhão com o Papa e com todos os que se
encontram no Sínodo, como o Senhor D. José Ornelas e o Bispo de Coimbra [D.
Virgílio Antunes]. Estamos em comunhão com eles, para que tudo aconteça de
acordo com o Espírito Santo a trabalhar na Igreja.” E lembrou o Patriarca de
Jerusalém, que enviou, no dia 25, uma mensagem aos jovens de Setúbal, por
ocasião da Vigília de Oração pela Paz marcada para dia 27. E considerou: “Hoje
seria dia de festa na totalidade, se não estivéssemos a viver este tempo de
guerra. Estaríamos a viver este dia de festa na totalidade se não estivéssemos,
desde fevereiro de 2022, a viver a guerra da Ucrânia. Seria um dia de festa com
toda a alegria, se não estivéssemos uma terceira guerra mundial aos bocadinhos,
como diz o Papa Francisco.” “Estamos aqui felizes e contentes, mas há irmãos e
irmãs a fugir da guerra, da violência e da morte. E isso não nos pode deixar de
coração tranquilo, quando sabemos que há irmãos que sofrem tanto, tanto, tanto.
Por isso, a nossa oração e nossa a comunhão com todos. Nós não tomamos o
partido de ninguém, apenas queremos o dom da Paz”, salientou.
A cerimónia contou
com a presença do cardeal D. Manuel Clemente, do Patriarca de Lisboa D. Rui
Valério, e do Bispo Auxiliar de Lisboa D. Joaquim Mendes. Também marcaram
presença religiosos, padres, diáconos, presidentes de câmara, outros autarcas,
deputados do círculo eleitoral de Setúbal, embaixadores, forças de segurança, proteção
civil, magistrados e D. Duarte Pio, Duque de Bragança. O Colégio de
Consultores recebeu o D. Américo Aguiar na entrada da Sé. A sua
entrada no templo foi acompanha pelo hino da JMJ 2023, interpretado pelo Coro
Juvenil de Nossa Senhora da Conceição. E o padre José Lobato, na qualidade de
Administrador Diocesano no período de Sede
Vacante, fez um discurso de saudação ao novo prelado.
Seguiu-se a
declamação de dois poemas dedicados a Nossa Senhora: “A Nossa Senhora da
Arrábida”, de Frei Agostinho da Cruz, e “Mãe”, de D. Manuel Martins,
primeiro Bispo de Setúbal. O tenor sadino João Mendonza interpretou o cântico
Nossa Senhora “Avé Maria”. Neste momento, D. Américo depositou um ramo de
flores junto da imagem de Santa Maria da Graça, padroeira da Diocese de
Setúbal. O cântico é uma versão da “Avé Maria” de Schubert, gravada em 2018,
pelo tenor, tendo-a oferecido ao Papa Francisco. O tenor cantou também este
tema num dos eventos de abertura da JMJ, na Sé de Lisboa. Posteriormente, foi
feita a leitura da bula papal que nomeia o Cardeal D. Américo Aguiar como IV
Bispo de Setúbal pelo secretário da Nunciatura Apostólica, Monsenhor José
António Teixeira Alves. Seguiu-se a leitura da ata de tomada de posse
pela chanceler da diocese, Maria da Graça Pacheco. Em cima do altar, a ata
foi assinada por D. Américo Aguiar, Bispo de Setúbal, e pelas entidades já
referenciadas acima, para o efeito.
Uma família –
Catarina e João Duarte e os seus quatro filhos – ofereceu ao novo prelado
diocesano um azulejo comemorativo da sua tomada de posse. Aquando da JMJ Lisboa
2023 foi uma das famílias que, esperando à porta da Nunciatura Apostólica,
tiveram a possibilidade de que o seu seu filho mais novo, portador de
necessidades especiais recebesse a bênção do Papa. O azulejo foi pintado
pela Leiveira – Azulejos de Azeitão, fábrica de azulejaria artesanal.
Após o
discurso do novo Bispo de Setúbal, a celebração terminou com a recitação do Pai
Nosso, a bênção final e um cântico entoado pelo coro juvenil.
***
O Diário de
Notícias (DN) relevou que o cardeal
afirmara, na tomada de posse, que “não se resolvem problemas contra ninguém”,
mas que “a verdade nunca deve ser colocada de lado, nem escondida em razão dos
poderes políticos”. “A verdade nunca deve ser colocada de lado, nem limitada, nem escondida em
razão dos poderes políticos ou das amizades, ou das circunstâncias diversas
[das pessoas] com quem nos damos no dia a dia da nossa vida”,
disse, nas primeiras declarações aos jornalistas como bispo de Setúbal. “A
verdade e, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana, a subsidiariedade, a
solidariedade, o bem comum, são balizas, são colunas essenciais daquilo que vai
ser o trabalho que eu farei com a diocese de Setúbal. Eu sou apenas mais um
que, em razão, porventura da visibilidade e da responsabilidade que tenho, devo
fazer eco dos gritos e da voz daqueles que se sentem mais esmagados e mais
esquecidos nos problemas que no dia-a-dia vamos tendo”, explicitou.
D. Américo Aguiar falava na cerimónia de tomada de posse
canónica, no dia em que se completavam 48 anos sobre a ordenação episcopal de
Manuel Martins como primeiro bispo de Setúbal (1975/1998), a que se seguiram
Gilberto Canavarro dos Reis (1998-2015) e José Ornelas (2015/2022). Na que foi a sua primeira
intervenção pública, Américo Aguiar deixou transparecer a ideia de que não irá
poupar nas palavras para denunciar as injustiças e para defender os mais
desfavorecidos da Península de Setúbal, região que disse tem sido prejudicada
pela “má vizinhança de Lisboa”, explicando: “Pelo facto de
Setúbal ter sido integrada dentro dos critérios económicos e financeiros da
capital, foi prejudicada nas últimas décadas, por não ter acesso a fundos
comunitários. São milhões e milhões que não chegaram à península de Setúbal em
razão dessa ‘má vizinhança’.” “E agora já foi decidido que a partir de 2027, a
NUT (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) é
destacada. E Setúbal vai ter possibilidade de respirar e de usufruir de fundos
comunitários. Só quem não quiser ver. Olhamos para o país, e o antes e o depois
dos fundos comunitários faz toda a diferença. E a Península de Setúbal foi
verdadeiramente prejudicada por estar inserida nos critérios de Lisboa”,
frisou.
O cardeal afirmou-se preocupado com a existência de mais ‘fait-divers’
do que diálogo e de concertação nas sedes de decisão. “Há
sempre um ruído muito grande à volta de todas as questões. Agora, quando nós
conhecemos a vida dos professores, a vida dos médicos, a vida dos polícias, a
vida dos homens e mulheres das Forças Armadas, a vida das empregadas
domésticas, a vida de qualquer trabalhador, a mim dói-me muito, quando as pessoas
chegam ao fim do mês e o seu ordenado não permite corresponder àquilo que são
os seus compromissos”, disse.
“E isso é o primeiro nível de gravidade e de urgência a
que nós, como sociedade, temos que corresponder, porque, se os meus amigos
ganham 800 ou 900 euros durante dez, 20, 30, 40 anos, isto não vai a lado
nenhum. Não é possível sonhar, não é possível construir uma família, não é
possível construir um Portugal moderno e um Portugal com futuro para todos”,
acrescentou, com alguns dos principais problemas que afetam os portugueses,
como a habitação, o ensino e a saúde.
Para o bispo, tantos problemas exigem o empenhamento de
toda a sociedade, que não pode perder “por falta de comparência”. “Nós queixamo-nos, nós
vamos para o café, nós vamos para as redes sociais, mas chega o dia das
eleições e metade dos portugueses ficam em casa no sofá. Ora
assim não vai, assim não vai”, avisou.
Nas primeiras horas de ministério na diocese sadina, tem
já previstas diversas visitas a instituições da sociedade civil ligadas à
segurança, saúde, assistência social, educação e desporto. No dia 27, haverá
visitas de cortesia ao Comando Territorial de Setúbal da Guarda Nacional
Republicana (GNR), ao Comando Distrital da Polícia de Segurança Pública (PSP), ao
Hospital de São Bernardo, ao Centro Distrital da Segurança Social, à Capitania
do Porto de Setúbal, ao Instituto Politécnico de Setúbal e ao Vitória Futebol
Clube. E, pelas 21H15, terá o primeiro encontro com os jovens da diocese na “Vigília
de Oração pela Escuta, o Diálogo e a Paz”, promovida pelo Departamento da
Juventude na Igreja Nossa Senhora de Fátima, na Torre da Marinha, no concelho
do Seixal.
No dia 28 visitará os Bombeiros Voluntários de Setúbal,
a Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis e a Casa da
Nossa Alegria, das Missionárias da Caridade.
2023.10.27 – Louro de Carvalho
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