A
sete de outubro, o Hamas atacou, de surpresa, o grupo que participava num
festival organizado por Israelitas. Em resposta, sob a declaração de guerra, da
parte do chefe do governo de Israel, as forças armadas israelitas passaram a
atacar os Árabes que habitam a faixa de Gaza e a privá-los de água e de
eletricidade. E vários países, incluindo Portugal, manifestaram o apoio e a
solidariedade a Israel, assim como organizações internacionais como a União
Europeia (UE) e a Organização das Nações Unidas (ONU).
O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho,
considerando que Israel “tem o direito de se defender” e que os ataques apenas
contribuem “para piorar a situação na região”, escreveu, em mensagem partilhada
na rede social X, ex-Twitter: “Condenamos
firmemente os ataques terroristas lançados contra civis pelo Hamas, hoje.
Israel tem o direito de se defender. Estes ataques nada resolverão,
contribuindo apenas para piorar a situação na região. Estamos solidários com
Israel e oferecemos condolências pelas vítimas.” A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vincando que a operação do Hamas
contra Israel é “terrorismo na sua forma mais desprezível”, usou a rede social X, para condenar, “inequivocamente”, o ocorrido e sustentou que “Israel tem o direito de se defender contra tais ataques
hediondos”. E o Conselho de Segurança da ONU, em sessão de emergência a 8 de
outubro, denunciou, por maioria, o Hamas, pleno seu ataque em larga escala
contra Israel.
Numa rara declaração pública, Mohammed Deif, líder do braço
armado do Hamas, afirmou, no dia 7, que o grupo lançou uma nova operação contra Israel, a
‘Operação Tempestade Al-Aqsa’. “Decidimos dizer basta”, notou Deif,
apelando a todos os palestinianos para confrontarem Israel.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin
Netanyahu, pronunciou-se com dureza: “Estamos em guerra”, afirmou, numa
mensagem publicada nas redes sociais. E o ministro da Defesa
de Israel, Yoav Gallant, afirmou que o Hamas “cometeu um grande erro esta manhã” e
que Israel “vai ganhar esta guerra”. Assim, “foi pedido aos residentes das zonas próximas da Faixa de Gaza para
permanecerem nas suas casas”, disse o exército, em comunicado.
“As Forças de Defesa
de Israel irão defender os civis israelitas e a organização terrorista do Hamas
pagará caro pelas suas ações.”
Segundo o exército israelita, a operação do
Hamas aconteceu por terra, ar e mar. E a Força Aérea de Israel, de acordo com o
i24News, canal televisivo de Israel, anunciou estar a atacar alvos na Faixa de
Gaza. E a imprensa internacional refere que foi declarado “alerta de
estado de guerra”.
***
É óbvio que este ataque-surpresa do Hamas é totalmente
condenável, pois, além de nada resolver, dá motivo para a guerra de Israel, que
tem, como todos os povos que se sentem invadidos, atacados ou incomodados, a
tendência para responder de forma, não só desadequada, mas excessiva e
desproporcionada. E isso está a acontecer. Por outro lado, os Estados condenam
a guerra, com razão, mas sem se debruçarem sobre a situação de contexto, o que
está a resvalar para a criação de pensamento único similar do que se formou a
propósito da guerra da Rússia com a Ucrânia, sendo que, nos dois casos, a ótica
do invasor faz consistir a guerra numa operação especial.
O constitucionalista Vital Moreira,
não sendo mais “natista” do que NATO (Organização do Tratado do Atlântico
Norte) entende que o ataque-surpresa do Hamas, contra Israel, “disparando
centenas de mísseis indiscriminadamente a partir da faixa de Gaza contra alvos
civis, é condenável”. Porém, chama a atenção para a falta de condenação, ao
longo de décadas, da “sistemática violação dos direitos dos palestinianos por
Israel”, incluindo o confisco do território através de “colonatos” judaicos, a
construção de um muro de separação em território palestino, a expulsão de
moradores palestinianos de Jerusalém (“verdadeira limpeza étnica”), o bloqueio
de Gaza, o apartheid antipalestiniano instalado em Israel,
enfim a inviabilização programada de um Estado palestiniano (ver “Causa nossa”,
7-10-2023), situações de opressão de humilhação continuadas que “nenhum povo
pode aceitar passivamente”.
O resultado disto, graças à “superioridade
militar israelita” – “cortesia da generosidade ocidental, especialmente
norte-americana” – que “vai prevalecer”, com muitas baixas civis de ambos os
lados, será “mais repressão israelita sobre os palestinianos, mais apropriação
dos territórios ocupados, mais ódio na relação entre as duas partes e mais
combustível político para os radicais palestinianos”.
Ao argumento
de quem defende que o Ocidente “faz
bem a apoiar Israel, uma democracia ocidental, contra o terrorismo palestiniano
e a autocracia dos países árabes vizinhos”, Vital Moreira faz três observações: as
democracias liberais (Sê-lo-á Israel ainda?) têm de “cumprir as suas obrigações
internacionais como potências ocupantes”; ao “terrorismo
palestiniano” não se pode responder com o “terrorismo de Estado” israelita,
como sucedeu “com o bombardeamento maciço de objetivos civis em Gaza, causando
centenas de mortos, e [com] o corte de energia ao território”; e, “ao ser cúmplice da ilegal
anexação de territórios palestinianos em Jerusalém e em grande parte da
Cisjordânia, o Ocidente perde legitimidade e autoridade para condenar,
indevidamente, a anexação dos territórios ucranianos pela Rússia”. É a
duplicidade de critérios que não se aceita na apreciação das guerras e no apoio
que se dá a alguns beligerantes.
Além disso,
o renomado constitucionalista remete para “uma boa análise política da situação
por um observador imparcial”, feita no artigo “A Shaken Israel Is Forced Back
to Its Eternal Dilemma, de Roger Cohen, no New York Times.
Também
a 9 de outubro, a colunista do Público Carmo Afonso, em artigo de
opinião intitulado “Israel e Palestina, outra crónica difícil”, admite haver motivos para
“os Portugueses sentirem mais afinidade e empatia pelo povo de Israel”,
por ser “uma democracia ocidental” e parecer “partilhar os nossos valores, como
o reconhecimento dos direitos LGBT ou os direitos das mulheres”, o que não se
pode dizer da Palestina.
Porém, o
que, na sua ótica, importa é que a Palestina “tem razão”. Com efeito, “Israel
ocupou o território da Palestina”, cujo povo “foi subjugado, está a ser
massacrado e vive em condições miseráveis”. Habituámo-nos a ver “mulheres
palestinianas enlutadas a chorar sobre escombros de casas bombardeadas ou sobre
cadáveres ensanguentados desde que existe televisão”.
Em
contraponto, surge a retaliação através das ações dos movimentos radicais de
libertação palestinianos. Assim, a 7 de outubro, foi cruel a demonstração de
força e de organização do Hamas. É, inequivocamente, condenável e lamentável a
morte de centenas de pessoas e o ferimento de outras tantas. Porém, também é de
censurar o silêncio habitual perante “as atuações brutais das forças militares
israelitas contra Palestinianos”, diariamente repetidas e que, neste ano, “foram
particularmente mortais”. O contraste “entre a insensibilidade ao sofrimento
palestiniano e a comoção com o sofrimento israelita” é notório e, a meu ver,
hipócrita.
Em linha com
Ursula von der Leyen e com Joe Biden, o nosso ministro dos Negócios
Estrangeiros “solidarizou-se com Israel” e condenou os ataques “terroristas”.
Por trás da expressa condenação, está a ideia de que “Israel tem direito a
defender-se”. Assim, concordam com “mais ofensivas e ataques da parte de Israel”.
Porém, não se condena Israel, que oprime, destrói e faz a “limpeza étnica de Palestinianos”.
Impera o silêncio para um dos lados!
Por isso, na
visão racional de Carmo Afonso, a declaração de Cravinho não representa todos
os Portugueses, sobretudo os que sentiram “o silêncio ensurdecedor” do governo
quando “foi derramado sangue palestiniano”. Portugal, em vez de seguir as
diretrizes da UE, deve ter “voz própria” e não se limitar a “condenar apenas a
violência exercida por um dos lados” em conflito.
Diz a
colunista que as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) são
estéreis. “Ninguém delas tira consequências”. Até em Portugal, não há coerência
entre as posições que assumimos na ONU e as que “verbalizamos na política
externa”. Como canta um popular cantor português: “somos uma lady nas
declarações de apoio ao Estado de Israel e uma louca na Assembleia Geral da ONU”.
Embora haja
exceções, a maioria que apoia Israel, neste conflito, apoia a Ucrânia, não só condenando
a invasão e ajudando as populações, mas engrossando a guerra, “contra esforços
diplomáticos de paz, porque rejeitam que se possa negociar com um invasor”. Refere
Carmo Afonso que “o próprio Zelensky comparou a situação da Ucrânia à de
Israel, tendo afirmado que são dois países na mesma situação”. Porém, Israel
não aplicou sanções à Rússia, nem enviou armamento para a Ucrânia.
Assim,
Portugal, a UE, os Estados Unidos da América (EUA) e a NATO, apoiam a Ucrânia e
Israel, fazendo de conta que não há contradição. A Ucrânia apoia Israel, fazendo
de conta que Israel não é o invasor. Israel faz de conta que apoia a Ucrânia,
mas não a apoia efetivamente, pois “quer proteger os seus interesses na Síria e
ficar bem com a Rússia”. E “a Rússia faz de conta que se opõe à lógica dos EUA
de ingerência em conflitos que não lhe dizem respeito, mas interfere em todos
os que consegue”. Todos brincam “ao faz de conta”, mas a Palestina, não, pois
não há “faz de conta no sofrimento, nem na chacina que se avizinha”.
Ao
posicionamento, que aplaudo, de Vital Moreira e de Carmo Afonso, junto a
reflexão da ativista Ana Paula Cruz, médica, humanitária, de 9 de outubro, na
edição online do Público.
O
primeiro-ministro israelita referiu que “isto é uma guerra”, mas,
historicamente, a guerra começou, pelo menos, em 1948, durante o Nakba, “quando
os territórios palestinianos foram ocupados, vilas inteiras destruídas,
massacres perpetrados, milhares de pessoas mortas e centenas de milhares deslocadas,
para dar lugar ao projeto sionista de criação do estado de Israel”. Por
isso, em vez de conflito israelo-palestiniano, há a “força colonial israelita e
a resistência de libertação palestiniana” – forças desiguais em
capacidade militar e em outros recursos.
A
comunidade internacional diz que estes acontecimentos causam instabilidade
na região, como se, para os Palestinianos, alguma vez tenha havido estabilidade.
Não surpreende que os Estados e os líderes políticos europeus defendam o
colonizador, já que “Israel é um projeto colonial criado pelo Ocidente”. E não
se estranha que chamem terroristas às forças de resistência palestiniana, pois o
disseram de “todas as forças de libertação das ex-colónias europeias”. Todo o
movimento de resistência ao imperialismo é apelidado de terrorismo.
Para
os líderes europeus, Israel tem o direito de se defender, apesar das
atrocidades contra o povo palestiniano, ao qual “nunca foi dado o direito de
resistir”. Não cabe ao colonizador, nem ao Ocidente “dizer como é que o povo
palestiniano pode resistir”, nem que tipo de violência é aceitável contra a
força opressora. Com efeito, a descolonização é violenta, porque a colonização o
é. A descolonização não é teórica, mas real, porque “explode, sangra, dói”. E o
que a faz violenta é a recusa do colonizador em cessar a opressão sobre o povo
e sobre o território.
Em
todo o caso, independentemente do massacre em Gaza, “a resistência armada
palestiniana não legitima a violência de Israel, nem esse massacre”. Na
verdade, a violência colonial é prévia à resistência, é diária e não é notícia,
“porque é normalizada e branqueada”. O facto de o número de mortes em Gaza não
parar de aumentar não resulta de o estado de Israel se defender, mas de o
estado de Israel recusar pôr um fim ao projeto colonial e de ocupação da
Palestina. Como pessoas europeias, “temos o dever de nos informarmos de forma
crítica, de não nos deixarmos endoutrinar por moralismos eurocêntricos, de
exigir a quem nos representa a prometida descolonização”. Como qualquer povo,
“a Palestina será livre, porque o povo palestiniano tem o direito a ser livre”.
A
violência nunca é justa; não há ocupações
territoriais aceitáveis e justificadas; e, como diz um avisado amigo meu, “de
relativismo em relativismo, vamos até à falência ética e moral”. Perigo!
2023.10.11 – Louro de Carvalho
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