Segundo uma nota divulgada a 19 de outubro, a Procuradoria-Geral da
República (PGR) apelou para o envio de todos os despachos de
acusação, arquivamento e suspensão provisória de processos de corrupção de 2023
para o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC).
A recomendação do organismo presidido por Lucília Gago
surge na sequência do pedido do MENAC, que esclareceu “encontrar-se, neste momento, em condições para assegurar a devida
receção e posterior tratamento das comunicações” provenientes do
Ministério Público (MP).
“Procedam à comunicação ao MENAC, com salvaguarda de eventuais
sigilos que importe acautelar, dos despachos de acusação, de arquivamento e de
suspensão provisória do processo, que tenham por objeto crimes de corrupção, de
recebimento e oferta indevidos de vantagem, de peculato, de participação
económica em negócio, de concussão, de abuso de poder, de prevaricação, de tráfico de influência, de branqueamento ou
de fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito”, lê-se na
nota da PGR.
Estão causa os despachos sobre esta matéria
efetuados desde 1 de janeiro de 2023, que devem ser enviados por
correio eletrónico para a instituição criada pelo governo em 2021, no âmbito da
Estratégia Nacional Anticorrupção, sucessora do Conselho de Prevenção da
Corrupção (CPC), fazendo parte do pacote anticorrupção.
O MENAC, criado pelo
Decreto-Lei n.º 109-E/21, de 9 de dezembro, no âmbito do regime geral da
prevenção da corrupção (RGPC), assume a natureza de entidade administrativa
independente, com personalidade jurídica de direito público e com poderes de
autoridade, dotada de autonomia administrativa e financeira. Tem por missão a
promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da
efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas.
São, em síntese,
estas as suas atribuições: desenvolver os programas e iniciativas no caminho de uma cultura
de integridade e transparência, abrangendo todas as áreas da gestão pública e
todos os níveis de ensino; promover a transparência e a integridade na ação pública, bem
como garantir a efetividade de políticas de prevenção da corrupção; promover, controlar
e fiscalizar a implementação do Regime Geral de Proteção de Denunciantes; elaborar o relatório
anual anticorrupção; instaurar, instruir e decidir processos relativos à prática de
contraordenações previstas no Regime Geral de Proteção de Denunciantes e no
Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações e aplicar as respetivas
coimas; receber e analisar as denúncias efetuadas por canais externos
previstas no Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, nos casos
em que não exista autoridade competente para conhecer das mesmas ou, existindo,
tal denúncia vise essa mesma autoridade.
A criação de um
mecanismo com este tipo de funções encontra-se, igualmente, prevista no artigo
6.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUC), de 31 de outubro
de 2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, de 21
de setembro.
A existência desta
entidade em nada prejudica as competências do Tribunal de Contas (TdC), em
particular, e em geral, as competências previstas na lei para os tribunais e
para o MP.
Distingue-se do antecessor CPC, que funcionou junto do
TdC, entre 2008 e 2022, pelo seu poder sancionatório, com a possibilidade de
aplicar sanções entre 2.000 e 45.000 euros, para empresas ou entidades
equiparadas, e até 3.740,98 euros, para pessoas singulares.
***
O Decreto-Lei n.º 109-E/21,
de 9 de dezembro, recorda que, a 18 de março de 2021, na sequência de longo
período de reflexão e de extensa audição pública, envolvendo a academia, as
magistraturas, profissionais do direito e de outros ramos do saber, o governo
aprovou a versão final da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024, nos
termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, publicada a 6 de
abril.
É claro que o
referido decreto-lei não é a primeira medida legislativa do RGPC. Com efeito, procede
à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 de julho, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de fevereiro, e pela Lei n.º
114/2017, de 29 de dezembro, que aprova o regime jurídico da atividade de
inspeção da administração direta e indireta do Estado. Não obstante,
cria o MENAC, definindo a sua missão, poderes (de iniciativa, de controlo e de
sanção) e atribuições. E estabelece os seus órgãos: presidente, vice-presidente,
conselho consultivo, comissão de acompanhamento e comissão de sanções.
A Portaria n.º 164/2022, de 23 de
junho, foi o primeiro instrumento a regular a instalação do MENAC, com vista à
criação das condições materiais necessárias ao início da sua atividade e à sua
entrada em funcionamento. A Portaria n.º 292-A/2022, de 9 de dezembro, fixou o
respetivo mapa de pessoal de apoio técnico e administrativo. E a Lei n.º
24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023,
atribuiu ao MENAC a dotação orçamental de cerca de 2,1 milhões de euros, para
cobrir as suas despesas de funcionamento.
Entretanto, a Portaria n.º 155-B/2023, de 6 de junho, que “declara
a instalação definitiva do Mecanismo Nacional Anticorrupção”, revisita
as condições materiais necessárias ao início da atividade e à entrada em
funcionamento do MENAC; e reconhece que já se encontram constituídos os
órgãos, previstos nas alíneas a) a d) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º
109-E/2021, de 9 de dezembro, estando designadamente preenchidos, todos
os lugares da Comissão de Acompanhamento. Por isso, declara, sob proposta
do respetivo presidente, definitivamente instalado o MENAC, com efeitos a 6 de
junho de 2023.
***
Porém, a 11 de
setembro deste ano, verificava-se que este novo organismo de combate à corrupção nos setores público e
privado para empresas com mais de 50 pessoas recebera, no primeiro semestre de
2023, apenas sete denúncias, a juntar às quatro de alegados crimes de corrupção e de peculato de 2022, estando
estas já no MP.
Recorde-se que este organismo, que tem
como função fiscalizar e criar mecanismos para evitar a corrupção, começou a “funcionar”,
em definitivo em junho, com uma dotação orçamental de 2,1 milhões de euros. Sucedeu ao CPC, que funcionava
junto do TdC, aprovado em 2021, ainda era Francisca Van Dunem a ministra da
Justiça. A ideia é que apoie a criação e desenvolvimento de políticas
anticorrupção e que reúna e trate de informação fiável sobre a corrupção.
Porém, três meses após a entrada em vigor da portaria
que confirmou a instalação definitiva do organismo, este ainda não dispunha da
plataforma informática para as denúncias de empresas e de instituições nem tinha
preenchido o quadro de pessoal.
O processo de instalação desta entidade, que se iniciou com a publicação da Portaria n.º 164/2022, de 23 de
junho, com vista à criação das condições materiais necessárias ao início da sua
atividade e à sua entrada em funcionamento, prosseguiu com a publicação da
Portaria n.º 292-A/2022, de 9 de dezembro, que fixou o respetivo
mapa de pessoal de apoio técnico e administrativo, e terminou com o referido
diploma, que declara a sua instalação definitiva.
Em setembro, mais de um ano depois da primeira
portaria, em termos de meios humanos, a situação ainda era precária, mercê da
burocracia da mobilidade na Administração Pública. O quadro de pessoal ainda não
se encontrava totalmente preenchido, porque, de acordo com o
disposto no diploma do MENAC, “só pode ser preenchido com recurso a
instrumentos de mobilidade interna, o que implica o lançamento de concursos e a
possibilidade de os dirigentes dos serviços não autorizarem a saída dos
respetivos funcionários”, lê-se no esclarecimento do MENAC, assinado pelo
secretário-geral, Jorge Duque Lobato, avançado pela Lusa.
A luta contra a corrupção tem ocupado um lugar de
destaque na lista de compromissos assumidos pelo programa do governo, mas já
vinha do anterior Executivo, com Francisca Van Dunem. Uma das medidas é a
obrigatoriedade das empresas com mais de 50 colaboradores terem canais de
denúncia para reportarem comportamentos suspeitos dos colegas de trabalho. Assim,
torna-se vinculativa a adoção por todas as entidades públicas e privadas
com mais de 50 trabalhadores de um programa de compliance, que inclua “a elaboração de um plano de
prevenção da corrupção, a aprovação de um código de conduta, a disponibilização
de um canal de denúncia, a realização de um programa de formação, a designação
de um responsável independente pelo cumprimento normativo e a aplicação de
sanções para o respetivo incumprimento”.
Para fiscalizar esta e outras medidas foi criado este
MENAC, assumido como “uma prioridade” por Catarina Sarmento e
Castro, que reiterou o compromisso do governo no combate à criminalidade
económico-financeira com a criação desta “entidade independente que
será dotada dos meios necessários para exercer as funções de iniciativa, controlo
e sanção”.
António Pires Henriques da Graça foi o escolhido, em
junho, para o cargo de presidente do MENAC, sob proposta conjunta do Presidente
do Tribunal de Contas e da Procuradora-Geral da República. Nomeado para o
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a 12 de fevereiro de 2007, nasceu em 1952,
em Salavessa (Montalvão, distrito de Portalegre). Foi o
juiz conselheiro que acompanhou no STJ o inquérito do processo “Operação Lex” que
envolve suspeitas de corrupção e outros crimes alegadamente cometidos por
juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, incluindo Rui Rangel e
Vaz das Neves.
António Pires Henriques da Graça fez toda a sua carreira na
magistratura. Jubilou-se em março do de 2022, por ter atingido o limite de
idade (70 anos).
***
É só mais um dos casos em que a lentidão do Estado é mais do que
supina. Criam-se, por decreto-lei, os organismos e mecanismos que se pensam
ajustados, regulamentam-se por portarias e as leis do orçamento dotam-nos das
verbas necessárias para o desempenho da sua missão. Contudo, as dificuldades
para que saiam do papel são as useiras e vezeiras: burocracia, indisponibilidade
de pessoal, concursos, restrições provindas da Direção-Geral do Orçamento,
instalações, insuficiência informática. Por outro lado, surge, por vezes, a resistência
à mudança, porque é difícil abandonar hábitos consolidados ou porque interesses
instalados falam mais alto.
Depois, não percebo como um organismo de tal magnitude tem como
líder de topo um juiz conselheiro jubilado. Não duvido das capacidades pessoais
e profissionais das respetivas personalidades (o Tribunal Constitucional também
foi presidido por um professor catedrático jubilado), mas uma estrutura relevante
e, sobretudo, nova carece de lideranças maduras, mas ainda vigorosas (que o
sejam e o pareçam), não de pessoas que a lei ou o estatuto impõe a
descontinuidade do serviço ativo. Porém, quem manda pode.
2023.10.19
– Louro de Carvalho
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