Por considerar que há forte probabilidade de
condenação dos acusados, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (TICL) decidiu
pronunciar Manuel e a esposa, Alexandra Pinho, e Ricardo Salgado nos termos em
que estão acusados pelo Ministério Público (MP).
A juíza Gabriela Assunção entendeu que os indícios
reunidos pelo MP são suficientes para levar os arguidos a julgamento e que é forte
a probabilidade de virem a ser condenados, pelo que, se a defesa quiser fazer
prova, terá de o fazer em sede de julgamento.
Pinho sustenta que é próprio do Terceiro Mundo andar “quase
12 anos a investigar” um “processo de elevada complexidade” e dispor só de “49
dias para fazer a instrução”. Assim, praticamente, “não houve instrução”, segundo
ele, pois não foram prestadas declarações, não foram ouvidas testemunhas, cada
interveniente teve pouco mais de meia hora para exprimir os seus pontos de
vista e, em tudo o que era importante, a juíza decidiu a favor do MP. Todavia,
não é por o acusarem e à mulher, nos termos da acusação do MP, que a
realidade muda, com a instrução de 49 dias. Só muda o poder defender-se com
armas iguais, consistindo a defesa em provar que não recebeu nada de indevido
do Banco Espírito Santo (BES), nem lhe fez “nenhum favor”.
Citados pela SIC,
o advogado de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes, e o de Ricardo Salgado,
Francisco Proença de Carvalho, dizem que “não houve uma verdadeira instrução”.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal
(DCIAP) acusa o ex-ministro de quatro crimes: corrupção passiva para ato
ilícito, corrupção passiva, branqueamento (este em coautoria com a mulher
Alexandra Pinho e com o ex-banqueiro Ricardo Salgado) e fraude fiscal (este em coautoria
com Alexandra Pinho). E, para Manuel Pinho, o MP pede ainda como pena acessória
a proibição de exercício de qualquer cargo político, por um período de dez
anos. E Alexandra Pinho incorre em coautoria com o marido dos crimes de
branqueamento e de fraude fiscal.
Já Ricardo Salgado é acusado de um crime de corrupção
ativa para ato ilícito, de um de corrupção ativa e um de branqueamento (este em
coautoria com Manuel e Alexandra Pinho).
Segundo a acusação, “era o arguido Ricardo Salgado que
punha e dispunha no GES [Grupo Espírito Santo] e no BES, comandava os destinos
do grupo, do banco, da família e dos respetivos patrimónios, exercendo um
verdadeiro poder absoluto, tendo a última palavra e impondo as suas decisões”,
como sucedeu na nomeação de Manuel Pinho como administrador do BES África, em
compensação pela impossibilidade legal de passar, em 2010, à reforma com 100%
do salário pensionável, como ambos acordaram ao início do mandato como ministro
da Economia.
O MP alega que Manuel Pinho recebeu, desde 1994, do
“saco azul” do GES o valor mensal de cerca de 15 mil euros, que só declarou, em
2012, ao abrigo do regime excecional de regularização tributária (RERT), e que
foi recebido numa conta offshore, oculta das
autoridades nacionais. Terá recebido 1,5 milhões de euros. Segundo os
procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, encarregados do processo, Manuel
Pinho era um agente infiltrado ao serviço do BES.
Manuel Pinho confessou os crimes de fraude fiscal, mas
nega ter sido corrompido: “Os atos de favorecimento do BES de que me acusam são
tão estapafúrdios que não merecem comentários e provarei em tribunal que são
falsos. Sou um dos muito poucos que, antes de aceitar um cargo público, já
tinha assegurado a minha independência financeira. Aceitei-o porque senti ser
meu dever retribuir à sociedade o muito que dela recebi.”
Por decisão da juíza de instrução, Manuel Pinho
continua em prisão domiciliária.
***
Pinho
começou a ser investigado por causa da EDP, mas é pelo BES que vai a
julgamento.
Em março de 2005, Manuel Pinho entrou no governo de José
Sócrates. Aceitou ser ministro, mas continuou a receber quase 15 mil euros
mensais do GES. Investigado, primeiro, pelas relações com a EDP, é pelos laços
com o GES que responde em tribunal.
Com
quase 30 mil páginas em mais de 80 volumes, o processo 184/12, do DCIAP, ocupou
11 anos da vida de dois procuradores, atirou o antigo governante para prisão
domiciliária, afastou António Mexia da gestão da EDP e introduziu Ricardo
Salgado em mais um processo.
No
despacho de pronúncia, de dezembro de 2022, o MP imputa ao ex-ministro dois
crimes de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e outro de
fraude fiscal, pedindo, além da condenação por estes ilícitos, a pena acessória
de proibição de exercício de qualquer cargo político por 10 anos. À esposa são
imputados um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal. E ao antigo
banqueiro são imputados dois crimes de corrupção e um de branqueamento.
Além
destes, o processo em referência visou mais suspeitos. Ganhou especial
expressão pública em 2017, com buscas à EDP, à REN e à Boston Consulting Group
(BCG), incidindo as suspeitas na relação de Manuel Pinho com a EDP. Mas a
acusação pré-julgamento eclipsou a elétrica, deixando, para fase posterior, eventual
acusação em torno da EDP.
A
investigação teve um percurso acidentado, num longo caminho iniciado em 2012.
O
processo nasceu da averiguação preventiva sobre a privatização da EDP, que
havia ocorrido no final de 2011, com a venda da participação de 21,35% do
Estado português à China Three Gorges, por 2,7 mil milhões de euros. Essa
averiguação arrancou a 17 de fevereiro de 2012, após denúncia anónima de alguém
que se apresentava como ex-funcionário da EDP.
Nessa
averiguação, o MP debruçou-se, particularmente, sobre o envolvimento dos
assessores financeiros nas privatizações da EDP e da REN, processos em que o
Estado foi assessorado pela Caixa BI e Perella Weinberg e em que os compradores
(China Three Gorges, na EDP, e State Grid of China, a REN) foram apoiados pelo
BES Investimento.
A
seguir, o DCIAP estendeu a investigação às decisões que alimentaram as receitas
da elétrica, nomeadamente os contratos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio
Contratual) e a extensão das concessões do domínio público hídrico – decisões
de 2007 e de 2008.
A
privatização da EDP deixou de ser o foco do MP, que centrou as atenções na
investigação das suspeitas de favorecimento da elétrica pela governação
socialista. E, embora a investigação tenha arrancado em 2012, já desde o verão
de 2010, era do conhecimento público o patrocínio da EDP à Universidade de
Columbia, que viabilizou a contratação de Manuel Pinho, pouco depois de este
ter deixado o governo de José Sócrates.
A
partir de 2012 e nos primeiros anos do processo 184/12, a investigação centrou-se
na tese de que a EDP tinha sido favorecida nas decisões dos CMEC e do domínio
hídrico.
As
suspeitas levaram o DCIAP a solicitar, em 2013, à Entidade Reguladora dos
Serviços Energéticos (ERSE) uma peritagem técnica sobre os CMEC. No ano
seguinte, os procuradores inquiriram as primeiras testemunhas. Entre elas,
esteve o antigo secretário de Estado da Energia Henrique Gomes, ouvido a 23 de
maio de 2014 e que saíra do Governo, em 2012, depois de ter denunciado
publicamente o excessivo poder da EDP. Portugal estava sob assistência da
troika e Henrique Gomes quis lançar uma contribuição especial que visava, em
particular, a EDP, que se defendeu. E o Governo, para não beliscar a
privatização, transformou a contribuição na Contribuição Extraordinária sobre o
Setor Energético (CESE), abrangendo um leque maior de empresas energéticas e
diminuindo o fardo que caberia à EDP.
Em
2015, um relatório do núcleo de assessoria técnica da Procuradoria-Geral da
República (PGR) resumia os termos centrais das suspeitas de favorecimento da
EDP nos CMEC e na extensão do domínio hídrico. Todavia, só ao fim de mais de
cinco anos, o processo 184/12 saiu dos gabinetes do DCIAP para a rua. Em
fevereiro de 2017, uma inspetora da Unidade de Combate à Corrupção (UCC) da
Polícia Judiciária (PJ) sugeria aos procuradores a realização de buscas nas
empresas acima referidas e na Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). Em
abril, a PJ vigiou a casa de Rui Cartaxo (ex-presidente da REN e ex-assessor de
Pinho no Ministério da Economia). A 30 de maio de 2017, foram emitidos três
mandados de busca à EDP, à REN e à BCG.
António
Mexia, presidente executivo (CEO) da EDP, e João Manso Neto, administrador da
elétrica, ficaram com termo de identidade e residência, passando a ter de
informar o MP e os autos do processo de cada vez que se ausentassem de Portugal
por mais de cinco dias.
Manuel
Pinho, que estava fora do país, só mais tarde, nesse ano, seria constituído
arguido, estatuto que viria a contestar nos tribunais, durante vários anos.
Outras figuras do setor energético, como o antigo diretor-geral de Energia
Miguel Barreto, também foram constituídas arguidos.
Já
Ricardo Salgado apenas seria constituído arguido em abril de 2018. No rol de
arguidos entraram, por diferentes motivos, a mulher de Manuel Pinho, o
ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade, o administrador da REN João
Conceição e outros. Se Salgado, Alexandra e Manuel Pinho veem uma definição no
processo, após a instrução, os outros aguardam.
Devido às buscas de 2 de junho de
2017, as ações da EDP afundaram-se 4%, pois, em julho de 2020, o juiz de
instrução Carlos Alexandre aceitou o pedido dos procuradores para suspender de
funções António Mexia e João Manso Neto. A partir daí, os dois gestores ficaram
judicialmente impedidos de entrar na sede da empresa, uma decisão inédita na
vida da maior empresa da bolsa portuguesa. Esta decisão levou a EDP a passar a
CEO interino o administrador financeiro, Miguel Stilwell de Andrade, que foi, em
2021, confirmado, em definitivo, como líder do grupo.
No
final de 2020, a elétrica acordou com Mexia a saída, com uma cláusula
milionária: o ex-gestor não trabalharia para empresa concorrente, a troco de
800 mil euros anuais, durante três anos.
Por
fim, as suspeitas em torno da elétrica e de Manuel Pinho saltaram para segundo
plano, quando os procuradores incorporaram na investigação uma série de
elementos extraídos do processo do Grupo Espírito Santo (GES), designadamente a
avença de quase 15 mil euros da qual Manuel Pinho beneficiava (incluindo entre
2005 e 2009, quando foi ministro), paga pela Espírito Santo Enterprises (sociedade
offshore, o “saco azul” do GES), através de empresas em paraísos fiscais.
A
partir de então, com base na informação extraída de outra investigação ao GES,
os procuradores intensificaram a recolha de informação sobre as ligações entre
o GES e a governação de Manuel Pinho, imputando a este atos de favorecimento
dos interesses económicos do GES, grupo com o qual Pinho já trabalhava, há
vários anos, antes de ser nomeado ministro.
Foi o
apuramento das relações de Pinho com o GES que levou o DCIAP a apontar a mira à
mulher do antigo governante, que também chegou a trabalhar com o GES.
Sem
capacidade para pagar os seis milhões de euros da caução, o antigo ministro
ficou em prisão domiciliária: primeiro numa residência no Algarve, depois numa
outra em Braga. E aqui recebeu, longo de 2022, a PJ e os procuradores do DCIAP
para várias buscas, incluindo as que lhe levaram uma máquina de ‘flippers’ e um
conjunto de garrafas de vinho.
E, em dezembro de 2022, o MP deduziu acusação contra Manuel Pinho,
Ricardo Salgado e Alexandra Pinho, mas deixou as suspeitas relativas à EDP de
fora do despacho. Os procuradores optaram pela estratégia de avançar, primeiro,
contra Pinho, devido aos recebimentos do GES enquanto ministro, para, a partir
daí, mais tarde, extraírem certidão e formularem acusação relacionada com as
suspeitas originais do processo, que envolvem o favorecimento à EDP.
***
Ainda
bem que o MP separou os processos, que estavam embrulhados em megaprocesso.
Assim, pode-se fazer alguma justiça. É lenta, mas vale a pena, se imparcial e eficaz.
2023.04.14 – Louro de
Carvalho
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