Durante uma semana, com término a 10 de abril, as Forças Armadas
da República Popular da China (RPC) desenvolveram atividades na forma de
exercícios militares em redor de Taiwan.
Em resposta, três dias antes do término desses exercícios,
ocorreram movimentações do exército de Taiwan em todo o território. Efetivamente, o governo deste país
insular anunciou, a 6 de abril, ter detetado, no dia cinco, três
navios de guerra chineses e um helicóptero antissubmarino perto da ilha, depois do encontro entre a líder taiwanesa e o presidente da Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos da América (EUA).
Efetivamente, Tsai Ing-wen, presidente
de Taiwan desde 2016, que vem de um partido tradicionalmente defensor da
independência da ilha – uma linha vermelha absoluta para a China –, encontrou-se com Kevin McCarthy, líder
da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, na
Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, em Simi Valley, perto de Los Angeles, na
Califórnia, apesar das repetidas ameaças de retaliação de Pequim, nas últimas
semanas.
“Um avião do Exército Popular de
Libertação [EPL] e três navios [do EPL] foram detetados às 06h00” [de quarta-feira],
disse o Ministério da Defesa de Taiwan, em comunicado, do dia 6, acrescentando:
“As forças armadas monitorizaram a situação e
encarregaram um avião da Patrulha de Combate Aéreo, navios da marinha e
sistemas de mísseis terrestres de responder a estas atividades.” E, no dia 9, Lee Hsi-ming, ministro de Defesa de
Taiwan, disse que foram detetados, nos exercícios militares da RPC, 58
aeronaves chinesas e 9 navios com a bandeira da China. E garantiu que Taiwan
não irá escalar no conflito, mas responderá, de forma apropriada, aos tais
exercícios. Porém, não disse como nem quando.
O exército
chinês confirmou, no dia 10, que mobilizara o porta-aviões Shandong como parte
desta operação, chamada “Joint Sword”, horas antes do referido encontro de Tsai
Ing-wen com Kevin McCarthy, na Califórnia.
O Shandong é
um dos dois porta-aviões da China, o único totalmente construído no país e
entrou em serviço em dezembro de 2019. E, segundo as declarações dos militares,
esta é a primeira vez que o Shandong participa em manobras militares, que
incluem o cerco de Taiwan.
Além do
Shandong, a China, do seu arsenal, que inclui contratorpedeiros 052C e fragatas
054A, enviou alguns desses contratorpedeiros e algumas dessas fragatas para
Taiwan. Com efeito, o Ministério da Defesa taiwanês declarou ter detetado 11
navios chineses ao redor da ilha.
De acordo com
a Naval Technology, revista
especializada em defesa, o modelo 054A é destinado ao combate antiaéreo e está
equipado com mísseis terra-ar de médio alcance HQ-16, capazes de atingir alvos
aéreos a 50 quilómetros de distância.
Além do
predito porta-aviões, Pequim utilizou, nos exercícios em causa, dezenas de aeronaves
no espaço aéreo em torno de Taiwan, incluindo caças J-16 e J-10C, que já foram
usadas, no passado, em incursões chinesas na Zona de Identificação de Defesa
Aérea de Taiwan (ADIZ).
Segundo o
jornal Global Times, os jatos J-16,
modelos de última geração projetados pela Shenyang Aircraft Corporation, são
capazes de transportar mísseis de combate de curto alcance, bem como mísseis
ar-ar de longo alcance. Por isso, como referem os especialistas, tornaram-se os
caças preferidos de Pequim para testar a defesa antiaérea da ilha. No entanto,
de acordo com a empresa Janes, também foram utilizados aviões de alerta e
vigilância KJ-500, que têm cobertura de radar de 360 graus. E os meios de
comunicação estatais chineses noticiaram o deslocamento de aeronaves Y-8, que
permitem a deteção de submarinos, modelo já utilizado em patrulhas no Mar da
China Oriental.
O exército
chinês também utilizou, nesta operação, mísseis YJ-12B em exercícios a bordo de
navios e em fogo simulado contra Taiwan.
Há poucas
informações disponíveis sobre esse modelo, versão terrestre do míssil
supersónico YJ-12, que tem alcance de 460 quilómetros e pode transportar ogivas
nucleares e convencionais, segundo a Missile Defense Advocacy Alliance, um organismo
sediado nos EUA.
Os mísseis
balísticos DF-11 e DF-15, convencionais e de curto alcance, também foram
mobilizados para estes exercícios. Ambos os modelos estão em uso há décadas, com
o mais novo DF-15 capaz de “atingir Taiwan, a Península Coreana e o norte da
Índia, a partir da China continental”, de acordo com o Centro de Estudos
Estratégicos e Internacionais de Washington.
As forças
armadas chinesas “simularam tiros de precisão conjuntos” sobre Taiwan no fim de
semana da Páscoa, de acordo com a emissora estatal CCTV.
Não há dúvida
de que a RPC quis amedrontar um pequeno país, ao mostrar a sua força militar.
***
Não é a primeira vez que a RPC faz manobras militares de
provocação sobre o território cuja capital é Taipé. Entre as várias operações
de intimidação à Ilha, é de destacar o conjunto de manobras militares sem precedentes, desencadeado em torno de
Taiwan, em agosto de 2022, quando a antecessora de McCarthy na
Câmara, a democrata Nancy Pelosi, visitou Taiwan.
No dia 6 de abril deste ano, Pequim prometeu “medidas determinadas e eficazes para
salvaguardar a soberania e integridade territorial”. O
Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês comparou a reunião Tsai-McCarthy em
solo norte-americano a “atos de conluio
gravemente equivocados”, entre os EUA e Taiwan.
O anúncio chegou quando o presidente francês, Emmanuel
Macron, se encontrava numa visita de estado a Pequim, tendo previsto um
encontro, durante o dia, com o homólogo chinês, Xi Jinping.
O Taipei Mainland Affairs Council (MAC), o principal órgão de
decisão política da ilha autónoma em relação à China, acusou Pequim de “obstruir o comércio”
no estreito de Taiwan, através da realização de inspeções
no local a navios de carga e de passageiros.
Anteriormente, as autoridades marítimas chinesas tinham dito
que estavam a intensificar as patrulhas nas águas que separam a ilha da China continental, sem
darem mais pormenores.
“A ação do lado chinês agrava deliberadamente as tensões entre os dois lados do estreito”,
disse o MAC, que especificou: “Trata-se de uma violação flagrante do acordo de navegação entre os dois lados do
estreito e das práticas marítimas, que terá um impacto negativo
significativo no tráfego normal entre os dois lados do estreito.”
Face a estas ocorrências, os EUA apelam à moderação de Pequim; Taiwan mostra-se preparada para
responder; e o presidente francês, no fim da visita à China, disse que preferia
não interferir.
A aproximação entre Taiwan e os EUA, nos últimos anos, e a
recente visita da presidente taiwanesa àquele país não acalmaram os ânimos da
China, antes os acirraram, embora a Casa Branca não tenha laços diplomáticos
oficiais com o Governo da ilha.
Por seu turno, o presidente francês recomendou, no regresso
da visita a Pequim, que a Europa estabeleça a própria “estratégia de autonomia”,
fora do padrão estabelecido pelos EUA e pela China, para evitar ser arrastada
pelas tensões entre as duas potências.
A República Popular da China, governada a partir de Pequim,
que sucedeu, no reconhecimento internacional, nomeadamente na Organização das
Nações Unidas (ONU), à República da China, governada a partir de Taipé,
considera que a ilha democrática e autónoma de Taiwan é uma das suas províncias a retomar, privilegiando
a “reunificação pacífica”, mas não excluindo o uso da força. Por isso,
entende que, em nome do princípio “uma
só China”, nenhum país deve ter, ao mesmo tempo, laços oficiais com
Pequim e com Taipé. Assim, apenas 13 Estados ainda reconhecem Taiwan, incluindo
Belize e Guatemala, países latino-americanos que Tsai visitou, nos últimos
dias, para cimentar a relação com os aliados oficiais, após a paragem em Nova
Iorque.
Contudo, os EUA mantêm, há muito tempo, uma “ambiguidade estratégica” sobre a questão de Taiwan.
Washington reconheceu Pequim desde 1979, mas continua, inconsequentemente, a
ser o mais poderoso aliado de Taiwan e o seu principal fornecedor de armas.
Com Tsai Ing-wen, Taiwan aproximou-se dos EUA, tendo McCarthy
apelado à “continuação das vendas de armas”
à Ilha, defendendo ser esta a “melhor maneira” de evitar uma invasão chinesa a Taiwan.
“Esta é uma lição-chave que aprendemos
com a Ucrânia, que a ideia de meras sanções no futuro não irá deter ninguém”,
disse o político republicano aos jornalistas.
Efetivamente, esta é a primeira vez que um líder da Câmara
dos Representantes recebe, oficialmente, a presidente de Taiwan em solo
norte-americano, desde que as relações diplomáticas diretas cessaram, há 44
anos.
***
Estes exercícios militares da RPC em torno de Taiwan, a que
Taipé prometeu responder, embora sem querer escalar o conflito, permitem a
seguinte leitura, além de outras também prováveis: por um lado, a China não alinha
militarmente no apoio à guerra da Rússia na Ucrânia, mas também não toma
partido pelo dito Ocidente e, em particular pelos EUA, pelo que as provocações
a Taiwan podem ser um chamariz para a intervenção norte-americana, na convicção
de a RPC levará a melhor; e, por outro lado, os EUA estarão convencidos de que
vencerão a China, se esta se envolver num conflito explícito com Taipé. Porém,
neste caso, não bastará fornecer armas a Taipé. Terão que ser mobilizado para
Taiwan um significativo contingente de militares.
Não creio que a RPC desista, nem esteja, com a força que
detém, a fazer entretenimento.
Seja como for, as duas potências estão a brincar com o fogo,
ao criarem as condições para a instauração de um conflito de dimensões
incalculáveis em mais uma zona relevante do Globo. Até parece que ninguém quer
a paz, tudo valendo para experimentar novos equipamentos e novas armas de
guerra. Enfim, parece que está a ganhar cada vez mais terreno a indústria
bélica.
E tudo isto será desnecessário, se o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês, PNCh), próximo de Pequim,
vencer as eleições presidenciais taiwanesas de 13 de janeiro de 2024, caso em
que a RPC conquistará Taiwan “sem um só
tiro”.
2023.04.10
– Louro de Carvalho
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