A
gestão da Transportadora Aérea Portuguesa, conhecida pelo acrónimo TAP, está a
ser objeto de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). E, embora o país
esteja longe de conhecer os resultados das audições, o que a pantalha pública
já apresenta não abona nada em favor da administração desta empresa pública,
nem das tutelas.
Desde
logo, só em Portugal é possível a admissão, para o topo executivo de uma
empresa pública, de uma gestora sénior que não domine a Língua Portuguesa e não
se esforce por conhecer a legislação que enquadra a empresa e o Estatuto do Gestor Público (EGP). Tratar-se de mercado aberto e
global não significa o menosprezo pela língua nem pelo direito e, obviamente,
pelas boas práticas administrativas. Aqui é de apontar a temeridade dos
representantes do acionista.
Além
disso, foi-lhe prometido um prémio, que podia rondar os três milhões de euros,
caso os objetivos da reestruturação da empresa fossem atingidos até ao fim do
mandato. Uma exorbitância num país de salários mais que baixos!
Entretanto,
somaram-se os casos, de que se recordam a intenção gorada de cerca de uma
centena de automóveis de topo de gama para administradores e altos funcionários
e, depois, uma razoável comparticipação financeira diária para deslocações, em
compensação pela não atribuição de automóvel. E prosseguia o emagrecimento
(peço desculpa, reestruturação) da TAP, pela dispensa de milhares de
colaboradores e da eliminação de dezenas de serviços, como rotas e
balcões.
Também
o desalinhamento de uma administradora em relação ao desígnio reestruturador da
Chief
Executive Officer (CEO) ou presidente da comissão executiva bastou para
a dispensa da administradora discordante, o que revela incapacidade para o
trabalho cooperativo. Porém, a saída de Alexandra Reis da TAP, porque foi
nomeada para um cargo governativo, deu em notório escândalo pela gorda
indemnização com que foi contemplada. E o seu questionamento verificou uma
confusão de situações. Por um lado, foi forçada a sair; por outro, assinou a
renúncia. No primeiro caso, tinha direito a indemnização; no segundo, não tinha.
Portanto, houve que inventar a figura, não existente no EGP, “uma coisa do outro mundo”, segundo declarou o Presidente da
República (PR) em entrevista à RTP.
No
entanto, outra confusão surgiu. Como a ex-administradora passou a presidir à
NAV Portugal, empresa pública reguladora do trafego aéreo, a que está sujeita a
TAP, deveria ter devolvido a diferença entre o valor da indemnização e o do
vencimento como gestora da empresa para onde passou. Só que Alexandra Reis
pagara o imposto sobre o valor recebido.
Mais
tarde, soube-se que, em fins de dezembro de 2021, Alexandra Reis, por e-mail,
pôs lugar à disposição do ministro das Infraestruturas Públicas e da Habitação,
Pedro Nuno Santos, mas dizendo que pretendia continuar. Todavia, a CEO da TAP,
Christine Ourmières-Widener, comunicou ao
ministro, no início de janeiro, a saída da administradora em causa. Talvez por
isso é que os advogados da TAP e os de Alexandra Reis terão acordado na redução
do montante de um milhão e quatrocentos mil euros, inicialmente exigidos, para
os quinhentos mil finais. Como o caso abalou o Governo e originou a dança que
quem sabia e de quem não sabia do facto e do montante da indemnização, os
ministros da tutela (Finanças e Infraestruturas Públicas), pediram explicações à TAP e a Inspeção-Geral de
Finanças (IGF) pôs-se em campo e apurou que os advogados inventaram a figura da
renúncia negociada, pelo que o acordo era nulo.
Por conseguinte, Alexandra Reis teria de devolver o valor da
indemnização, exceto umas migalhas a que, efetivamente, tinha direito. A CEO e
o Chairman (presidente do Conselho de Administração) foram os responsáveis pelo
acordo, quando o mesmo deveria ter resultado de deliberação dos órgãos
estatutários (designadamente a assembleia geral ou, pelo menos o conselho de administração).
Mas os advogados não ficaram ilibados da responsabilidade técnica. E caberia à
tutela avaliar a situação da CEO e do Chairman pelo incumprimento do estipulado
no EGP sobre a matéria e, mesmo,
remeter ao Tribunal de Contas o processo para decisão.
Hugo Mendes, secretário de Estado das Infraestruturas Públicas
demitira-se, por ter autorizado a indemnização; e o ministro das Infraestruturas Públicas e da Habitação,
que não sabia (mas “descobriu”, mais tarde, que sabia e autorizou), demitiu-se
por via da turbulência surgida.
Conhecido o relatório da IGF, o ministro das Finanças,
Fernando Medina, e o novo ministro das Infraestruturas
Públicas, João Galamba, anunciaram a exoneração,
com justa causa, da CEO e do Chairman, portanto, sem direito a indemnização,
embora com direito à compensação que lhes for devida nos termos legais. Era o
virar de página na empresa, que está por virar.
Enquanto o Chairman, Manuel Beja, se manteve praticamente em
silêncio, a CEO manifestou, quer no Parlamento, onde foi ouvida, quer na
comunicação social, a sua discordância em relação à medida, alegando que não
sabe falar Português e, como a sua firmação de base não é o Direito, não
conhece a legislação que enquadra as empresas portuguesas, nem o EGP, pelo que atirou as
responsabilidades para os advogados. E, questionada porque recorreu aos
serviços externos, alegou que a diretora dos serviços jurídicos estava de
licença de parentalidade e que a TAP não dispunha, no momento, de ninguém com
capacidade para acompanhar o processo. Além disso, aponta que foi a única dos
visados do processo que não foi ouvida, presencialmente, pela IGF.
Entrementes, vem o milagre: a empresa teve lucros de cerca de
64 milhões de euros em 2022. Resta saber se foi por mérito da CEO, se pelo
desalinhamento de Alexandra Reis, se pela frustração da compra dos veículos, se
por conveniência contabilística.
A CEO, antes de ser ouvida no Parlamento, esteve reunida com
deputados do Partido Socialista (PS) e com assessores e membros de gabinetes
ministeriais, restando saber se houve orientação quanto a eventuais perguntas e
respetivas respostas, o que levanta suspeitas de ética republicana e parlamentar.
Por outro lado, a gestora sénior, que alegava ter sido despedida em público,
concorda que foi avisada previamente por Fernando Medina, o qual não lhe terá
dito que iria ser exonerada, mas que lhe recomendara que se demitisse. Atitude
que nem é carne nem é peixe.
Ouvido na CPI, o líder da IGF, António Ferreira dos Santos,
justificou não ter ouvido, presencialmente, a CEO, pelo facto de nenhum dos
seus inspetores falar Francês. Porém, ela foi instada a responder por escrito.
Ora, do meu ponto de vista, não sendo confrontada, de súbito, com as perguntas,
teve tempo e meios para preparar a resposta, prerrogativa concedida apenas a
altas figuras públicas. Não obstante, a meu ver, a sua exoneração deveria decorrer
de processo diretamente dirigido a si e com a perspetiva da eventual
exoneração.
Mas o inspetor disse outras coisas como: o CFO (administrador
com o pelouro financeiro, na sigla inglesa) da TAP “não esteve relacionado com
o processo”, já que “toda a negociação terá ocorrido à margem do conselho de
administração e da comissão executiva, não existindo evidência de que o CFO
tenha tido conhecimento do mesmo”.
Em relação ao poder político, que a IGF iliba no seu
relatório, António Ferreira dos Santos considera que Pedro Nuno Santos e Hugo
Mendes tiveram “inegável intervenção no processo”, mas que esse papel esteve
“revestido num elevado grau de informalidade”. Interessante, não?
O gabinete de Infraestruturas liderou o processo, mas não o
partilhou com as Finanças. Aliás, há total absolvição, na lógica da IGF, de
João Leão, ministro das Finanças na altura da saída de Alexandra Reis, em
fevereiro de 2022, e de Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro de então,
bem como do atual responsável das Finanças, Fernando Medina. E mais nenhum
membro do Governo teve envolvimento prévio do processo. Quem assim fala é
amigo!
O CFO da TAP, também ouvido na CPI, declarou-se a leste de
todo o processo, o que é inimaginável num CFO (Chief Financial Officer). Qual será então a
sua função?
Referiu ter tido conhecimento da saída da antiga
administradora pela CEO “informalmente, por WhatsApp, um dia antes” [3 de
fevereiro de 2022] de esta comunicação ter sido oficializada, por email, pelo
presidente do conselho de administração, Manuel Beja, a 4 de fevereiro de 2022
e no qual era anunciada “oficialmente a saída, bem como os termos exatos do
comunicado à CMVM”. Porém, segundo Gonçalo Pires, “estas comunicações informais
não eliminam o facto de nunca ter estado no processo”. Com efeito, as suas
funções incluem as áreas financeiras, mas excluem as matérias laborais e as de
recursos humanos, motivo pelo qual diz não ter estado envolvido na saída da
administradora, que não foi surpresa, pois “já havia demonstrado posições discrepantes”
em relação à restante administração da TAP. Por isso, garantiu: “Não tive
conhecimento dos termos concretos da celebração desse acordo, não participei,
não estive nas conversas com os advogados, não tive qualquer envolvimento com
os valores, não negociei e não elaborei.”
Depois, veio o depoimento da CEO da TAP, que desmente o CFO, garantindo que ele “estava ciente do
projeto para a nova organização [da TAP], esteve envolvido em alguns domínios,
estava ciente das discussões porque lhe prestava informação”. Porém, adiantou
“não se lembrar” se o CFO sabia dos montantes envolvidos no cheque passado a
Alexandra Reis para abandonar a companhia. E referiu que houve “muitas pessoas”
envolvidas num processo que apenas “coordenou”, já que não tinha conhecimentos
jurídicos sobre a lei portuguesa.
Sente-se um
bode expiatório nesta batalha política, havendo muitas pessoas que estavam a
par. A 4 de fevereiro, o conselho de administração sabia que havia um acordo
assinado. E explicou: “Parece-me que é um processo que foi conduzido por muitas
pessoas cientes do assunto e ninguém pensou que este processo seria visto hoje
como algo ilegal.”
Considerando
ilegal e desajustada a sua exoneração ( “não existindo qualquer respeito por
uma executiva sénior como eu”), a ainda presidente executiva, referiu que Hugo
Mendes, confirmou que Pedro Nuno Santos, autorizou o montante da indemnização
de 500 mil euros a Alexandra Reis, dando instruções para fechar o acordo.
E deixou uma
farpa, indicando que Hugo Mendes pretendia que a TAP alterasse a hora de um voo
a pedido do PR, o que não foi atendido, pelo que o chefe de Estado, que
desmente, teve de arranjar solução para si.
Já sobre os
motivos que levaram Alexandra Reis a sair da empresa, assegurou que “não foi
nada pessoal”, pois a administradora “não estava ajustada com a comissão
executiva”. E observou: “Foi um desalinhamento que tinha a ver com a estratégia
da companhia.”
E, quanto a
si, entende que deve sair, mas com o prémio de desempenho que foi ajustado.
Cumpriu os objetivos e a TAP deu lucros.
Por fim,
duas pérolas declarativas: Pires de Lima, ministro da Economia de Passos
Coelho, nega ter autorizado a compra de mais de meia centena de aviões a preço
superior ao do mercado e que a privatização fora a melhor solução para a
empresa; e Alexandra Reis apontou que, tendo querido devolver a indemnização à
TAP, fez várias tentativas de pedido de esclarecimento sobre o quanto e o como,
mas não obteve qualquer resposta da empresa.
Antes deste
imbróglio, alguém com responsabilidade, para aferir da justeza do pedido de
indemnização da Alexandra Reis, terá tentado saber do histórico indemnizatório
a ex-administradores da TAP. Eu também queria saber isso, porque – oxalá esteja
enganado! – o caso Alexandra Reis não passa da ponta do caos logístico e
financeiro das empresas públicas.
2023.04.05 – Louro de Carvalho
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