As
projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para metade da década em curso
indicam um crescimento global médio de 2,4% entre 2020 e 2024, condicionado
pela recessão de 3% no ano da pandemia e pelo muito fraco ritmo de crescimento
em 2023 e em 2024.
O
ritmo de crescimento anual “permanece baixo em termos históricos”, arriscando ser
inferior à média de 3,1% entre 1990 e 1999. Com efeito, os riscos financeiros
subiram e a inflação não entrou, decisivamente, em declive. Está em construção a
turbulência global e a situação é frágil, como indicia o recente surto de instabilidade
bancária.
Neste contexto, a organização liderada por Kristalina Georgieva,
segundo o World Economic Outlook (WEO), apresentado a 11 de fevereiro, desceu
para 2,8% a previsão de crescimento da economia mundial em 2023. A China e a Índia
crescerão acima dos 5%. Já na União Europeia (UE), afetada pela guerra na
Ucrânia, haverá países em recessão. É uma previsão mais pessimista do que a de
janeiro, segundo a qual se previa um crescimento de 2,9%, neste ano, e uma
projeção de 3,1%, em 2024. Esta atualização reduziu ambas as previsões em uma
décima.
Estas
revisões em baixa significam que o ritmo do crescimento económico, na década em
curso, será modesto, o mais baixo desde a década de 1990 do século passado.
A
hipótese de uma “aterragem suave” da economia mundial, com que o FMI sonhava no
início do ano, está cada vez mais distante. Os sinais indicativos, no início de
2023, de que a economia mundial conseguiria uma aterragem suave – com a
inflação em descida e um crescimento estável – enfraqueceram com a inflação alta
e com a turbulência no setor financeiro.
Um dos
pressupostos decisivos do cenário-base do FMI considera que “o recente stresse
no setor financeiro está contido”. Os outros pressupostos admitem que o aperto
monetário pelos bancos centrais terá um pico no 2.º semestre de 2023 e que os preços
das matérias-primas revelarão uma consistente trajetória descendente na área
energética (quebra acumulada de mais de 20% nos dois anos). E a política
orçamental, descontinuando medidas expansionistas, apertará o cinto nas contas
públicas. Porém, como os pressupostos deste cenário-base estão envoltos em incerteza,
o FMI avança com cenários alternativos mais pessimistas, que poderão reduzir o
crescimento mundial em 2023 para um intervalo entre 1% e 2,5%.
O cenário
mais plausível, com redução do crédito bancário à economia, em virtude de atuação
mais prudente do setor, implica maior abrandamento da economia mundial, com o
crescimento a descer para 2,5%, neste ano, e a ficar abaixo de 3%, no próximo.
Porém, há cenários mais “severos”, já este ano, com probabilidades mais baixas.
Dão 25% a uma redução do crescimento global para 2% e 15% ao cenário mais
pessimista, em que o crescimento cai para 1%, com o Produto Interno Bruto (PIB)
por habitante a estagnar. Para este cenário contribuem o aperto no crédito à
economia, a apreciação do dólar, as crises bolsistas e o clima de desconfiança
nos investidores e nos agentes económicos.
As previsões
agora avançadas fizeram revisões, em alta, do surto inflacionista. Agravaram o
ritmo de inflação mundial, em 2023 e em 2024, face às previsões de janeiro, que
apontavam para uma trajetória descendente mais acelerada. A inflação, em 2023,
foi revista de 6,6% para 7% e, a de 2024, de 4,3% para 4,9%. Assim, depois de
um pico de 8,8% em 2022, fruto dos impactos da invasão da Ucrânia no mercado
das commodities e na incerteza global, o processo de
desinflação será mais lento. Em 2024, a inflação global ainda estará perto de
5%. O regresso a níveis de inflação próximos dos objetivos de estabilidade de
preços dos bancos centrais só começará a verificar-se em 2025.
Contudo,
o processo de desinflação pode acelerar, se a economia mundial crescer menos,
se se materializarem os cenários mais pessimistas de muito menor pressão
inflacionista pela procura em geral, pelos salários e pelas margens de lucro
das empresas. No cenário mais plausível, a inflação desce para 6,8%, em 2023;
e, no mais severo, cai para 6,1%, neste ano.
Para
que a desinflação corra o seu caminho, embora mais lento, espera o FMI que os
governos e os bancos centrais não saiam do inevitável “caminho estreito”. E
insiste nas suas recomendações de meados de 2022: descontinuação das medidas
expansionistas da política orçamental, por parte dos governos e das entidades
supranacionais, como a Comissão Europeia, à medida que abrande a crise da
carestia de vida e social; inflexibilidade da política monetária na subida dos
juros, até a inflação subjacente (a que exclui as componentes voláteis)
começar, efetivamente, a descer (ainda não é o caso); e a manutenção de política
salarial restritiva.
O FMI
espera que as subidas das margens de lucro das empresas absorvam boa parte da
subida dos custos do trabalho e não alimentem a temida espiral de aumento de
salários e de preços. Não obstante, deixa a porta aberta para os bancos
centrais mudarem a política monetária, se a economia mundial resvalar para os
cenários mais pessimistas. Nesse caso, as ferramentas para garantir a
estabilidade financeira devem prevalecer. Mas não estamos próximos de tal
situação.
Um dos
resultados da revisão, em baixa, das previsões é a concentração das contrações
económicas na Europa. O FMI aponta para recessões em 2023, em sete economias
europeias.
À
cabeça, a quebra do PIB ocorrerá na Ucrânia, invadida pela Rússia desde
fevereiro do ano passado, que modera em relação ao ano passado (-30%), mas que
mantém aquela economia como a mais castigada em 2023 à escala mundial, com um
recuo de 3%.
Entre
as economias de maior dimensão europeia com nuvens sombrias, o FMI projeta
quebras nas economias alemã (-0,1%), britânica (-0,3%) e sueca (-0,5). Na
América Latina, o Chile – a quarta maior economia da região – regista uma
recessão de 1%. Já a economia norte-americana, em 2023, deverá crescer a um
ritmo (1,6%) que é o dobro do da Zona Euro (0,8%) e da UE (0,7%) e que a
Rússia, envolta numa economia de guerra de agressão, registará um avanço do PIB
próximo do da Zona Euro, neste ano e no próximo. E a China crescerá 5,2%
(dentro da meta política de Pequim) e a Índia registará um crescimento de 5,9%,
um ritmo ainda maior do que o do país vizinho. No entanto, no próximo ano, a
Índia distanciar-se-á com um crescimento acima de 6%, enquanto a China reduzirá
o ritmo para 4,5%.
A
aceleração da economia chinesa em 2023, após o crescimento medíocre (em termos
históricos) de 3%, em 2022, é um dos pressupostos positivos do cenário-base do
FMI.
As
taxas de crescimento mais elevadas em 2023 e em 2024, acima de 6%,
distribuem-se por economias emergentes importantes, como as Filipinas e o
Vietname, e por economias africanas em desenvolvimento, como a Costa do Marfim,
a República Democrática do Congo (antigo Zaire) e o Senegal. E Macau, o antigo
território chinês sob administração portuguesa, vai liderar a tabela do
crescimento, com uma aceleração de 59%, neste ano, e de 21%, no próximo. A
atual Região Administrativa Especial da China recupera de um afundamento de 27%,
em 2022.
Paralelamente,
voltou à agenda do FMI o risco do surto de crises da dívida, não se centrando,
desta vez, nos países periféricos da Zona Euro, como em 2011, mas nas economias
mais pobres e em desenvolvimento, que sofrem um doloroso impacto, mercê do
disparo nos juros dos bancos centrais, da apreciação do dólar e do aumento dos
preços dos produtos importados.
O FMI
calcula que, em 2023, aumentarão para 17 dos países em situação de sobre-endividamento.
Alguns registam spreads em relação aos juros
da dívida norte-americana (referência mundial) de mais de 1000 pontos-base (10
pontos percentuais). A Zâmbia, o Sri Lanka, o Egito, o Uganda, o Paquistão, o Quénia
e a Nigéria estão neste grupo de prémios de risco acima de mil pontos. Moçambique
e São Tomé e Príncipe são considerados economias sobre-endividadas. As
economias em alto risco, mas que ainda não estão em emergência – descem para 39,
este ano, e distribuem-se por África, Ásia e América Latina.
Para
evitar a repetição dos surtos de crises de dívida nas economias emergentes e em
desenvolvimento, entre 1981 e 1988 e entre 1994 e 1999, o FMI avançou,
juntamente com o Banco Mundial, com a Global
Sovereign Debt Roundtable, no âmbito dos encontros do FMI, em Washington. Na
verdade, tornou-se crítica a coordenação dos apoios ou reestruturações de dívida,
com a diminuição dos credores agrupados no Clube de Roma e com o aumento
significativo dos credores oficiais bilaterais e dos privados.
***
No
respeitante a Portugal, a previsão do FMI para o crescimento da nossa economia,
em 2023, é de apenas 1%, abaixo do que o ministro das Finanças, Fernando Medina,
considerou (1,3%) no Orçamento do Estado para este ano, e bem longe dos 1,8%
apresentados, em março, pelo Banco de Portugal (BdP). É uma previsão alinhada
com o pessimismo de Bruxelas, que nas projeções de inverno, avançadas em fevereiro,
apontava para 1%. Porém, as previsões atualizadas por parte do governo
português só serão conhecidas, quando Fernando Medina enviar para a Comissão
Europeia o Programa de Estabilidade 2023-2027.
Apesar de, uma vez mais, a economia portuguesa poder crescer
acima da média da Zona Euro (0,8%) e da UE (0,7%) em 2023, o ritmo de
crescimento previsto pelo FMI é muito fraco, e inclui Portugal no grupo de 10
economias que crescerão abaixo de 1,2%. De facto, a média da Zona Euro é muito
fraca, pois está pressionada pela recessão na Alemanha (quebra de 0,1%) e pelas
contrações ou estagnação (crescimento zero) na Finlândia, Estónia e Lituânia. A
contração germânica, a maior economia do Euro e da UE, condiciona a média da
Zona Euro.
O surto inflacionista em Portugal vai abrandar em 2023 e em 2024,
como no resto da Zona Euro e no Mundo, mas as taxas de inflação ficam acima da
média da Zona Euro.
Em 2022, a inflação média anual em Portugal (7,8%) ficou
abaixo da média da Zona Euro (8,4%), mas, neste ano e no próximo, essa situação
não vai manter-se.
A inflação vai descer, em Portugal, para 5,7%, neste ano, e
3,1%, no próximo, face a 5,3% e 2,9% da Zona Euro. São previsões para Portugal,
neste caso, mais otimistas do que as mais recentes do BdP, que avançam com 5,8%
e 3,3%, respetivamente.
A carestia de vida vai ser muito mais grave em 15 economias
da UE, onde um grupo de economias do Leste europeu ainda vai registar inflação
em dois dígitos, em 2023, a concretizarem-se as previsões do FMI.
Três
das grandes economias da UE e da Zona Euro – França, Itália e Países Baixos –
crescerão entre 0,7% e 1%. A Irlanda destaca-se com um crescimento perto de 6%,
em 2023, e a Espanha crescerá duas vezes mais do que a média da UE e mais meio
ponto percentual do que Portugal.
Nos países
periféricos da Zona Euro, a Grécia (três vezes resgatada de 2010 a 2018)
destacar-se-á com um crescimento de 2,6%, em 2023. Mas o desemprego de 11,2%
vai manter-se o segundo mais elevado na UE, depois de Espanha (12,6%).
Após
um pico de 8,4% em 2022, o FMI projeta que a inflação na Zona Euro desça para
5,3%, em 2023, e 2,9%, em 2024. Estas previsões são similares às do Banco
Central Europeu (BCE) publicadas em março. Porém, não será, ainda, em 2024 que
a inflação descerá para a meta de 2%, fixada pelo BCE como objetivo para a
estabilidade de preços.
Em termos globais, o crescimento económico mundial vai
abrandar para 2,8% este ano, com a China e a Índia a liderarem o pelotão dos
países que registarão o maior crescimento.
***
Assim, as políticas monetárias condicionam as políticas
orçamentais, que terão dificuldade em dar as respostas sociais necessárias. Se
se adicionarem crises políticas, será o caos.
2022.04.12
– Louro de Carvalho
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