A festa abrilina
vestiu-se de gala e de cerimónia no Parlamento, tal como de euforia, de protesto
e de alegria na rua, na praça, no jardim e em alguns espaços abertos neste dia
ao público.
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O dia parlamentar
começou com a sessão de boas-vindas ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula
da Silva, com intervenções do presidente da Assembleia da República, Augusto
Santos Silva, e do ilustre visitante, com a presença do Presidente da República
de Portugal.
Santos
Silva, depois de agradecer, em nome da Assembleia da República, a visita fraterna
do presidente brasileiro, recordou as boas relações entre os dois países.
Frisou que a
forma como os brasileiros elegem o presidente “é sempre bem-vinda no parlamento
português”. E, tendo quatro presidentes brasileiros sido recebidos em sessão
solene, em São Bento, observou que Brasília, com o atual, volta a abrir-se ao Mundo,
porque ele é “o líder político cujas políticas sociais contribuíram
decisivamente para a redução da pobreza e das desigualdades no Brasil” e o
estadista que venceu eleições livres e que, depois, quando alguns tentaram
invadir e derrubar as instituições democráticas, “soube defendê-las sem qualquer
hesitação”.
Santos Silva
realçou, ainda, a “cooperação bilateral que tem criado oportunidades”,
sublinhou que a data da visita coincide com o 25 de Abril, a “revolução democrática
que une os dois países” e referiu que o “traço de união mais firme” entre os
dois países, “está nas centenas de milhares de portugueses que vivem no Brasil
e de brasileiros que vivem em Portugal”. Dois países “irmãos pela história e pela
liberdade democrática”.
Por sua vez, o presidente
do Brasil afirmou que recebeu com “muita alegria” o convite para vir a
Portugal, que “coincidiu com as celebrações do 25 de Abril”. Disse sentir-se em
casa, em Portugal, e considerou o 25 de Abril um “salto para o futuro” do país
com destino ao “desenvolvimento económico com justiça social”.
Os deputados
do Chega interromperam-lhe o discurso com um protesto, o que levou Santos Silva
a fazer o devido reparo parlamentar: “Os senhores deputados, se querem
permanecer na sessão plenária, devem comportar-se com urbanidade, [com] cortesia
e [com] a educação que é exigida a quaisquer representantes do povo de
português, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome
de Portugal!”
Lula
da Silva – que, já fora da sessão,
desvalorizaria o protesto, pois, quando as “pessoas quando não têm uma coisa
boa para aparecer”, fazem “essa cena de ridículo”, um “papelão” – prosseguiu o
discurso com a democracia que começou, em Portugal, depois do 25 de Abril e
recordou que “a democracia, no Brasil, viveu recentes ameaças”.
Recordou que
o Brasil “está empenhado na redução das desigualdades”, condenou a “agressão
territorial da Ucrânia”, vincando que “a guerra não pode seguir indefinidamente”,
pelo que “é preciso falar de paz” e insistiu na reforma do conselho de
segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), porfiando que o “Brasil,
assim como Portugal, está obstinado pela paz”.
E terminou o
discurso com a frase: “Viva a liberdade e a democracia, não ao fascismo”.
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Seguiu-se a sessão comemorativa da Revolução dos Cravos, já sem a presença
de Lula da Silva, em que intervieram os representantes dos oito partidos com assento
parlamentar, o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República.
Rui Tavares, do Livre, afirmou que a “democracia não está garantida” e que “vive
o maior risco da sua existência, desde o período pós-revolucionário”, sobretudo
por causa dos que querem dar a mão aos autoritários, que serão sempre a minoria.
E o remédio é confiar no povo.
Inês Sousa
Real, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) elogiou a atitude de Santos
Silva, ao afirmar: “Partilhamos do mesmo embaraço pelo desrespeito ao nosso povo
irmão.” Porém, considerou que, 49 anos
depois da revolução que pôs fim à ditadura, Portugal “é ainda um país com
subalimentados do sonho” e das “liberdades que Abril almejou”. E defendeu: “No limiar dos 50 anos de Abril, o que falta, para uma
verdadeira revolução social e ambiental, não é um revisionismo histórico de um
modelo e de uma governança que todos conhecemos e [que] Abril derrubou, muito
pelo contrário. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que respeite o
bem-estar e a felicidade de todas as pessoas e promova a transição ambiental que
o desafio climático exige.”
Catarina Martins, do Bloco de Esquerda (BE) disse que, “à recusa de tanto que ficou por fazer,
juntam-se os recuos democráticos”. E, advertindo que “o maior perigo das
celebrações de Abril é que se transformem em cerimónias fúnebres”, defendeu que
um “Governo que se esconde na vitimização” não cuida da semente da revolução,
que o BE recusa afogar “em formol”. Porém, elogiou “todo um povo que cuida
dessa semente”.
O deputado
do Partido Comunista Português (PCP), Manuel Loff, diz que a democracia está
ameaçada “em todos os lugares, a começar por Portugal”, onde não se cumprem “as
naturais justíssimas, expectativas de quem espera que a democracia seja sempre
acompanhada de bem-estar e de justiça social”, do direito à saúde, à educação, à
habitação, ou ao trabalho com direitos e com garantias. “Sempre que algum ou
todos estes direitos se não concretizam nas nossas vidas, alimenta-se a
descrença na democracia e esta estará sempre ameaçada”, sustentou.
O líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, recordou que, a 25 de abril de 1974, “Portugal
fez-se de novo outra vez” e frisou que a revolução não tem donos. Criticou o longo
ciclo de decadência socialista que condena os portugueses “a empobrecer ou a
emigrar”. E defendeu que, “em democracia, há sempre alternativa” e que “o vento
da mudança já começou a soprar”.
O presidente do Chega, André Ventura, que esteve e falou
sem o cravo, deixou enorme
aplauso aos operadores da justiça por não terem medo dizer que “o lugar do
ladrão é na prisão”, vincando que “de nada vale celebrar Abril, se a justiça
não funcionar” (referência ao caso do antigo primeiro-ministro), e que os
portugueses vivem um “dos momentos mais negros”.
E acusou o
presidente do Parlamento e o Presidente da República de darem a mão a Zelensky,
de dia, e a mão a Lula e à China, de noite – posição de “vergonha e hipocrisia
tremenda”.
O líder
parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), Joaquim Miranda Sarmento, frisou
que o 25 de Abril deu a Portugal ter “uma democracia pluralista, parlamentar e
de inspiração ocidental”. E, recordando a Ucrânia, afirmou: “Hoje homenageamos
também aqueles que, na Ucrânia, combatem contra o agressor russo.”
Apesar de defender
que os portugueses têm de “voltar a ter esperança no futuro”, o orador advertiu
que à “degradação da vida política e da qualidade das instituições”, se segue o
empobrecimento, gerando o aumento dos populismos: “A quebra da qualidade dos
políticos, a descredibilização da política, a perda da autoridade e do
prestígio das instituições e do Estado, bem como os fenómenos da corrupção, do
compadrio e do nepotismo minam a confiança dos cidadãos na democracia”,
considerou, acrescentando “o descrédito da justiça, com a morosidade e a
impunidade, em casos de corrupção que atingem poderosos”.
João Torres,
o “número dois” da direção parlamentar do Partido Socialista (PS), deixou o
recado de que “melhorar a democracia é respeitar a vontade popular, a
estabilidade, os mandatos que o povo confere”. E declarou: “Melhorar a
democracia é rejeitar a vida como um campo de minas, onde quem passar passou,
como nos sugerem e propõem as visões neo e ultraliberais da sociedade,
ancoradas no individualismo e na negação da igualdade de oportunidades.”
Saudou todos
os democratas e atacou os xenófobos, misóginos e homofóbicos, sustentando que “os
ataques à democracia chegam, desde logo, dos que se sentam à extrema-direita
deste hemiciclo”. E avisou a direita democrática: “Como diz a sabedoria
popular, tão ladrão é o que rouba como o que consente. E, por isso, cada vez
mais nos deve preocupar a influência que o populismo exerce na direita
democrática, uma direita que sempre respeitamos, mas para quem parece não haver
limites nem tabus, quando o que conta é a vã cobiça do poder pelo poder.”
Para o
deputado, “o PS está a cumprir a vontade do povo português”.
***
O discurso
do presidente da Assembleia da República gravitou à volta do tempo, que a
revolução nos restituiu: “O porvir passou a estar em aberto, disponível e
declinável em várias possibilidades de transformação.” E definiu o tempo como “parâmetro
central de transição” que pôde representar-se como o que realmente é: “um feixe
de múltiplos eventos, ritmos, escalas e durações, que deixa em aberto o porvir
e nos convida a pensar e fazer”.
Recordou os
anos que se seguiram ao 25 de abril de 1974 e as primeiras eleições que visaram
estabilizar “a ordem democrática”. E agradeceu aos capitães de Abril o terem
sacudido “o imobilismo e reposto o movimento da roda da História”.
Descreveu o
regime democrático como mecanismo de cíclica transição de poderes, “porque
nenhum poder é eterno, devendo ser regularmente aferida a vontade das pessoas”.
Sustentando
que, “em democracia tudo pode ser questionado” e que “o tempo democrático é,
por natureza, passageiro, plástico, diferenciado”, frisou que há um tempo para
tudo – analisar, refletir, decidir, planear, executar e avaliar – e que cada instituição
tem o seu tempo: “Devemos respeitar o tempo de cada instituição sem atropelos”,
frisou, colhendo o aplauso do PS.
E enfatizou:
“As palavras que dizemos e as palavras que não dizemos contam muito. Deixo aqui
uma defesa convicta do ciclo democrático.”
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Por fim, interveio o Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, que que sublinhou
o facto de se assinalar, dentro de um ano, meio século da Revolução dos Cravos,
sendo, agora, o tempo de evocação, de reflexão crítica, de esperança e de
partilha, para se falar, a 25 de abril de 2024, “do tempo do futuro”, dos 50
anos que teremos pela frente.
Evocou os últimos tempos da ditadura, em que o
pensamento único decidiu a guerra colonial sem fim à vista, que chegou a um
ponto crítico em Moçambique e em Angola, perspetivando-se a independência da
Guiné-Bissau, em total dissonância do sentir dos povos e da maior parte dos
governos que deixaram de apoiar Portugal: havia “milhares e milhares homens, anos sem fim, a cumprir missões decididas por
outros, missões que não tinham futuro político”.
Avisou os segmentos da sociedade que
expressam saudosismo face “ao 24 de abril de 1974” de que “o tempo não volta
para trás”, contestando as ficções ou mitos relativos à situação da ditadura.
Disse compreender
que alguns julguem o 25 de Abril imperfeito, o que tem a ver com o 25 de Abril
que os mais velhos sonharam – adivinhando diversas conceções da parte dos seus protagonistas
– e que não se concretizou ou se concretizou em parte. Falou das sucessivas
revisões da Constituição e das diferentes opções políticas, admitindo que,
sempre, uns ganham e outros perdem. E admitiu que “a concretização dos sonhos
de cada ato eleitoral foi diversas vezes largamente frustrada”, assentindo que se
ansiava e se anseia por “melhor democracia”, por “menor pobreza” e por maior “coesão
social e territorial”.
Vincou a
posição oficial de contestação da invasão russa na Ucrânia.
Disse que “o
povo vai escolhendo com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e
educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer”. E, referindo à presença
de Lula da Silva, apontou a “feliz coincidência”. “O 25 de Abril começou por
existir por causa da descolonização”, pelo que “faz sentido termos tido, hoje,
entre nós quem foi pioneiro da descolonização 200 anos antes, o Brasil”.
Observou que
é importante olharmos para trás, a propósito do Brasil, bem como a propósito de
toda a colonização e toda a descolonização, e assumirmos, plenamente, a
responsabilidade pelo que fizemos. Não se trata só de pedir desculpa – que é
devido –, pelo que fizemos (é fácil), mas de assumir a responsabilidade para o
futuro do que de bom e de mau fizemos no passado.
A colonização
do Brasil teve fatores positivos: “a língua, a cultura, a unidade do território
brasileiro”. De mau, teve a exploração dos povos originários, a escravatura, o
sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros. “Um pior da nossa presença
que temos de assumir tal como assumimos o melhor dessa presença. E o mesmo se
diga do melhor e do pior, do pior e do melhor da nossa presença no império ao
longo de toda a colonização”, acrescentou.
Frisando que desígnio
nacional não é só crescer economicamente mais ou reduzir a desigualdade, mas “sermos
aquilo que somos e que fomos, em tantos casos, insubstituíveis, plataforma
entre culturas e povos”, questionou: “Como podemos nós ser egoístas perante os
dramas dos imigrantes que são dos outros?” E foi aplaudido por todo o
Parlamento, com a exceção do Chega.
Vincando que
a última palavra é do povo, assentou em que, em liberdade garantida pela
democracia, o povo pode continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que imperfeito,
de pouca duração e aquém das expectativas. E augurou: “Que este 25 de Abril,
que é o começo do 25 de Abril de 2024, seja um momento de evocação da
democracia que ele tornou possível, da liberdade que ele permitiu que fosse
vivida pelo maior número de portugueses, de passos pela descolonização e
pós-descolonização tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos
e baixos, sucessos e fracassos, do desenvolvimento que ele quis acelerar e que
tem tido altos e baixos, sucessos e fracassos.”
Por fim, na
certeza de que o 25 de Abril está vivo, porque nasceu para criar a ambição, a
insatisfação, o não acomodamento e a exigência crescente, incessante e imparável
de mais e melhor, concluiu: Viva o 25 de Abril, viva a liberdade, viva a democracia,
viva Portugal!”
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Foram estes
os grandes tópoi da lucidez plural do
49.º aniversário do 25 de Abril, bem vivo.
2023.04.25 – Louro de Carvalho
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