Inesperadamente para o comum dos cidadãos, o governo anunciou um aumento
intercalar das pensões, em julho, e garantiu que, no próximo ano, se aplicará a
fórmula de atualização, que foi suspensa em 2022. Efetivamente, de acordo com o
respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 17 de abril, por via
eletrónica, o decreto-lei que estabelece um regime de atualização intercalar
das pensões dos pensionistas de invalidez, de velhice e de sobrevivência do
sistema de segurança social [SS] e dos pensionistas por aposentação, por reforma
e por sobrevivência do regime de proteção social convergente. “As pensões até
12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) são atualizadas em
3,57%, por referência ao valor de dezembro de 2022, com efeitos a partir de 1
de julho de 2023.”
Assim, o primeiro-ministro respondeu, por três vias, a quem o acusava de
estar a preparar-se para cortar o valor das pensões em 2024: garantiu o
descongelamento das regras de atualização e a reposição integral dos valores
base das pensões; antecipou o efeito para julho de 2023 (em vez de outubro de
2023 ou de janeiro de 2024); e assegurou que, no próximo ano, as pensões serão
atualizadas pela regra normal, isto é, em função da inflação e do crescimento
económico.
Na
conferência de imprensa, subsequente ao Conselho de Ministros extraordinário
“que aprovou um aumento intercalar das pensões a partir de julho”, António
Costa vincou: “Somando este aumento intercalar com o já concretizado desde
janeiro, no segundo semestre do ano, as pensões estarão atualizadas,
relativamente a dezembro de 2022, ao valor que resulta da Lei de Bases da
Segurança Social.” E disse que, em 2024, não haverá “perda de poder de compra
dos pensionistas, cujas pensões serão atualizadas de acordo com as pensões a
pagamento em dezembro”, sendo a pensão correspondente à que teria resultado da
Lei de Bases da Segurança Social (LBSS).
Depois,
fez a resenha das medidas a entrar em vigor proximamente: a 18 de abril, o
diploma da “taxa zero” do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), para um
cabaz de 46 bens alimentares; no dia 20, o pagamento dos 90 euros do primeiro
trimestre do apoio às famílias mais vulneráveis; em maio, o pagamento da nova
medida de reforço do abono de família e dos novos apoios à renda e à
bonificação do juro do crédito à habitação; e o pagamento, com retroativos a
janeiro, do aumento intercalar do vencimento da função pública.
O
primeiro-ministro sublinhou que o governo se mantém “firme na política de
proteger e melhorar os rendimentos das famílias, respeitando sempre a cautela e
a prudência necessárias para garantir que nunca daremos um passo maior do que a
perna”, tanto mais que, apesar de se verificar “o início da desaceleração da
inflação, esta ainda se mantém elevada”.
Lembrou
que o governo anunciara, em setembro, um complemento extraordinário, em outubro,
e a atualização anual, em janeiro, que garantiram que, até final de 2023,
nenhum pensionista receberia menos do que aquilo que resultava da fórmula da
lei; e que o governo sempre disse que, em função da avaliação da situação
económica, orçamental e da sustentabilidade da SS, tomaria, “no momento certo,
as decisões acerca das atualizações de 2024”.
Ora,
porque “a evolução da economia, da segurança social e da dívida pública, fruto
da gestão prudente” feita, permitem dar esta garantia para 2024 e decidir este
aumento intercalar a partir de julho, assegurou que todos “podem manter a
confiança no contrato intergeracional em que assenta o nosso sistema de
Segurança Social” e que “a garantia de que reforçaremos os rendimentos das
pensões tanto quanto podemos”, não põe em causa a sustentabilidade futura da SS,
a qual “não está em causa e será assegurada no futuro”.
O
chefe do Governo recordou que a inflação se iniciou ainda como consequência da
pandemia, que foi gravada pela guerra desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia
e que o governo, desde março de 2022, adotou “medidas para proteger as
famílias, apoiar as empresas e procurar controlar a inflação, designadamente no
setor da energia”, tendo mobilizado, durante aquele ano, cerca de seis mil
milhões de euros em apoios às famílias e às empresas, e para controlo dos
preços da energia, designadamente, as que têm permitido forte redução do preço
da eletricidade ao longo de 2023. Entre as medidas adotadas em 2022 para proteger
o rendimento das famílias, “foi aprovado um complemento extraordinário para
pagamento de meia pensão aos pensionistas, que foi pago em outubro, antecipando
para esse mês parte do aumento das pensões previsto para 2023.
Ao
mesmo tempo, o executivo garantiu que, até final do ano corrente, entre o
complemento extraordinário pago em outubro e a atualização anual de janeiro,
todos os pensionistas receberiam um rendimento idêntico, em resultado da
aplicação da fórmula prevista na LBSS.
Estas
medidas permitiram melhorar a situação económica, como referiu o ministro das
Finanças na apresentação do Programa de Estabilidade. Entre outras coisas,
reforçou-se a sustentabilidade da SS, quer por haver mais população empregada, quer
por estar a ser aplicado o Acordo de Competitividade, que se traduziu num
crescimento significativo das receitas da SS.
***
O ministro das Finanças, Fernando Medina, explicou, no
dia 17, em entrevista à RTP, o
anúncio do aumento intercalar de 3,57% das pensões, negando-se a chamar-lhe de
recuo, mas correção do “efeito-base” do aumento de 2022.
Em tempo de incerteza, a prudência é um valor importante
para governação. É importante ser prudente para não tomar decisões
que teriam de se reverter. No final de 2022, quando não sabíamos os
efeitos da guerra na Ucrânia e da recuperação da China no pós-pandemia, foi
decido dar um aumento e estabilizar para 2023. A lei dizia 0% num ano e 8%
noutro e o que fizemos foi 4% num e 4% no outro, corrigindo o efeito-base de se
ter aumentado para 4% em 2022.
“A forma de cálculo sempre se aplicou. Em 2024, tudo
retoma a sua normalidade. O que nós hoje anunciámos é que podemos acertar o
valor de 2024”, acrescentou.
Recordando as críticas por assumir a previsão de
crescimento de 1,3% da economia, ao apresentar o Orçamento de Estado (OE) 2023
e sendo o crescimento maior, vincou: “Apresentámos o OE em outubro e, nessa
altura, eu disse que a economia ia subir 1,3%. Os partidos da oposição disseram
que eu era muito otimista. Hoje, temos a confiança de que a economia vai
crescer mais do que 1,3%. Temos confiança que não teremos recessão em 2023.”
Assegurou
que as contas do Estado “estão em ordem, do ponto de vista do défice
orçamental” e frisou que o dinheiro arrecadado a mais em impostos tem sido
distribuído pelas famílias: “Já temos o programa de redução de IRS em 2023, que
abrange sobretudo os mais pobres e os que têm filhos. Tudo o que o Estado
recebeu a mais em impostos, cerca de 8 mil milhões, foi distribuído pelas
famílias. Temos privilegiado apoiar mais os que mais necessitam, os mais
vulneráveis.”
Fernando Medina disse que a “inflação está a diminuir” e
prevê que “vai diminuir bastante durante este ano, sobretudo a partir de
abril”, mas que “há uma área, a dos bens alimentares, em que se tem mantido com
mais insistência”.
E, questionado sobre a insatisfação dos portugueses em
relação ao governo, disse compreender que, “em tempos de inflação elevada e de
subida de juros, não podem estar satisfeitos”.
***
Em suma, as pensões aumentarão 3,57%,
em julho, face ao valor de dezembro de
2022. O aumento aplica-se a todas as pensões até
5.765,16 euros, o equivalente a 12 vezes o IAS. O
aumento aplica-se a todas as pensões em pagamento, incluindo as de
quem se reformou em 2022, casos que estavam fora da lei, mas para os
quais se criará exceção.
Com esta decisão, o Governo antecipa,
em seis meses, o que podia fazer em janeiro de 2024, isto é,
aplicar a fórmula de atualização das pensões que estava suspensa. Na prática, os
pensionistas (reformados da SS e os aposentados e da Caixa Geral de
Aposentações, bem como as respetivas pensões de sobrevivência) ganharão o equivalente
a meia pensão, acima do que decorre da aplicação congelada da fórmula
de cálculo.
Em janeiro, as pensões serão atualizadas conforme
as regras atuais, e não por nova fórmula.
A medida custa 580 milhões de euros, neste ano, e mais
mil milhões de euros por ano, de 2024 em diante. O governo
justifica a decisão com o encaixe de mais receita do que o previsto e com o facto de o emprego e as contribuições
para a SS estarem a crescer bem acima do previsto. A população ativa atingiu o
número recorde de 5,2 milhões, com a SS a contabilizar atualmente 4,9 milhões
de trabalhadores registados e com contribuições regulares. E o governo espera que
a almofada financeira das pensões tenha uma valorização anual na
casa dos 4%.
O primeiro-ministro diz que isto é a prova
de que a oposição andava a enganar os cidadãos. Há oito meses,
não quis “dar um passo maior que a perna”, porque, “nos momentos
de incerteza, é mais importante do que nunca manter a confiança. E,
para manter a confiança, “é preciso falar sempre a verdade e não dar um passo maior
que a perna”.
***
Os aumentos são iguais, em
vez de serem maiores para quem menos ganha, pois a solução resulta da fórmula de cálculo. O governo
pretende que, na segunda metade do ano, os pensionistas tenham uma pensão
equivalente a um aumento entre 7,46% e 8,4% face à pensão de dezembro de 2022.
Essa diferença implica um aumento de 3,57% em todos os escalões. O governo disse,
em diversas ocasiões, que a fórmula de atualização precisava de ser revista,
porque não se adaptava a períodos de inflação muito alta, e entregou a tarefa
ao grupo de peritos a quem encomendou um “livro verde” sobre a sustentabilidade
da SS. Contudo, agora, António Costa deu o dito pelo não dito, afirmando que o
grupo de trabalho está sobretudo a estudar a sustentabilidade da SS, que até
pode olhar para a formula de cálculo, mas “daí a haver uma alteração de
atualizar a formula vai um passo maior do que a fórmula”. Em 2024, não há alteração
da fórmula.
O aumento anual das pensões depende da fórmula pré-definida, em 2006, pelo
então ministro José António Vieira da Silva, para pôr fim à arbitrariedade
anual. Essa fórmula depende do andamento da economia e da inflação. Como, no
ano passado, a inflação disparou para lá de todas as previsões, o governo
decidiu suspendê-la e dividiu o aumento em duas parcelas. À primeira chamou
“complemento extraordinário” ou “suplemento extraordinário”, equivalente a meia
pensão e paga em outubro de 2022, de uma vez só; a segunda foi uma atualização,
pela diferença de valor. Somando as parcelas, quando chegassem ao final de
2023, os reformados teriam o dinheiro que teriam, se as pensões tivessem
seguido a regra oficial. O problema surgiria em 2024, porque o valor que foi
pago por fora não entraria na base da pensão.
O Governo foi ambíguo: nunca se comprometeu em repor tudo nos valores de
origem, mas não disse que não atualizaria os montantes. A mensagem foi a de que,
em 2024, se veria. Houve, pelo menos, dificuldade de comunicação que
baralhou pensionistas e alimentou os críticos.
***
Uma
ambiguidade: as “pensões serão atualizadas de acordo com as pensões a pagamento
em dezembro de 2022”. Entendendo este segmento à letra, seriam atualizadas só
as pensões de quem passou a ser pensionista em 2022, porque não teve
atualização. As demais foram atualizadas em 4,83% (até 960,83€), 4,49% (entre 960,87€ e 2882,58€) e 3,89% (para
valor igual ou superior a 2882,59€),
em percentagens superiores a 3,57%. Ora, creio que deveria ser: “as “pensões
serão atualizadas de acordo com o determinado em dezembro, para vigorar a
partir de janeiro de 2023”. Não vale a linguagem “técnica” em comunicação
social.
2023.04.18 – Louro de Carvalho
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