Os dias 21 e 22 de abril ficaram marcados, em
Portugal, pela receção ao presidente do Brasil, no âmbito da sua visita de Estado
ao nosso país, por onde começou a sua primeira viagem à Europa, depois da sua
tomada de posse, pela terceira vez, na chefia deste grande país sul-americano;
e pela realização da XIII
Cimeira Portugal-Brasil, no Centro Cultural de Belém.
Dezenas de
brasileiros (a
maior comunidade estrangeira em Portugal é a brasileira) manifestaram-se
nos Jerónimos e em frente ao Palácio de Belém, onde Lula da Silva foi recebido
pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e com as
devidas honras militares. Uns cantavam alegres, pela vinda do seu presidente,
enquanto outros clamavam por ajuda para regressarem, ao Brasil, por não
conseguem sobreviver em Portugal.
O Presidente
da República, para caraterizar Lula, recorreu às palavras do antigo presidente
e primeiro-ministro português, Cavaco Silva, quando este referiu Lula como “um
lutador, um determinado, que luta por aquilo que pensa”. E o ilustre visitante brasileiro
manifestou o seu grande contentamento por se encontrar de novo no país irmão,
porta de entrada na Europa.
Da XIII Cimeira Portugal-Brasil, em
que foram revistas várias matérias de interesse comum e se celebraram e assinalaram
13 instrumentos de cooperação, sobressai a declaração conjunta dos chefes de governo
do Brasil, Lula da Silva, e de Portugal, António Costa, que o Portal do Governo
transcreve e da qual se dá conta, sumariamente:
Após
um interregno de mais de seis anos, os dois governantes procederam à “avaliação
de todo o escopo do relacionamento bilateral entre os dois países e à discussão
de temas da atualidade regional e internacional”. Reafirmaram “os laços únicos
entre os dois países”, com “tradução nos campos histórico, social, cultural e
económico e a partilha comum dos valores da democracia, do Estado de direito e
dos direitos humanos, bem como do compromisso político em lutar contra a
pobreza e combater todas as formas de descriminação racial em prol do bem-estar
dos dois Povos e de um desenvolvimento económico-social equilibrado, justo,
inclusivo, respeitador da igualdade de género e sustentável”. E reafirmaram o compromisso
com a defesa do multilateralismo eficaz, “assente no direito internacional e na
Carta das Nações Unidas e enfatizaram a necessidade de enfrentar os desafios
globais das alterações climáticas e da segurança alimentar e de contribuir para
o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e a inclusão social”.
Saudaram
a cerimónia de entrega do Prémio Camões 2019 a Chico Buarque (agendada para o
dia 24, à tarde, no Palácio de Queluz, pelos presidentes de Portugal e do Brasil).
Reiteraram
a natureza estruturante para o relacionamento bilateral do Tratado de Amizade,
Cooperação e Consulta, assinado em 2000, e, coincidindo na importância de
reforçar o trabalho conjunto em matéria de cooperação para o desenvolvimento
com outros parceiros, recomendaram aos dois governos que se realize ainda no
corrente ano a primeira reunião entre a Agência Brasileira de Cooperação e o
Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.
Passaram
em revista temas relevantes, como: cidadania e mobilidade na Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa (CPLP); temas económicos, financeiros e comerciais, com
relevo para as trocas bilaterais e para a urgência da conclusão do acordo União
Europeia (UE)/ MERCOSUL; importância do digital; energia e transição
energética; clima, ambiente, mar e desenvolvimento sustentável; cultura e
promoção da Língua Portuguesa; educação e ensino superior; ciência, tecnologia e inovação;
saúde; defesa; administração interna e justiça; Ucrânia; empenho no cumprimento
dos objetivos da CPLP; fortalecimento da Parceria Estratégica entre a
Comunidade de Estados da América Latina e Caraíbas (CELAC) e a UE; importância
da Cimeira Ibero-americana; reforma do conselho de segurança das Nações Unidas;
e candidaturas – apoio do Brasil à recandidatura de António Vitorino a
diretor-geral da OIM (Organização Internacional para as Migrações), apoio de
Portugal às candidaturas de Thelma Krug à Presidência do Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima, de Bruno Dantas à Junta de Auditores
das Nações Unidas, de Juliana Gaspar Ruas ao Comité Consultivo sobre Questões
Administrativas e Orçamentárias da ONU e do Brasil ao Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas (CDH).
Também
foram abordados os problemas atinentes a zonas de África, tais como ao Golfo da
Guiné e a Cabo Delgado, bem como o aprofundamento da cooperação para promover o
Atlântico como um espaço privilegiado de partilha de desafios e de
oportunidades, visando a paz, a estabilidade e o bem-estar de todos os países
que o integram, em particular os da CPLP.
Os
dois chefes de Governo saudaram o entendimento quanto à reconfiguração das
Subcomissões estabelecidas no quadro da Comissão Permanente para melhor
traduzir o escopo das relações bilaterais, prevendo a instituição de uma nova Subcomissão
sobre a Cooperação no Domínio da Justiça e Assuntos Internos, bem como a fusão
da Subcomissão do Reconhecimento de Graus e Títulos Académicos e Questões
Relativas ao Acesso a Profissões e da Subcomissão sobre Educação, Cultura,
Comunicação Social, Juventude e Desporto.
Para
aprofundar as relações bilaterais, foram assinados os seguintes instrumentos de
cooperação: Acordo Complementar ao Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta,
sobre a concessão de equivalência de estudos no Brasil (ensino fundamental e
médio) e em Portugal (ensino básico e secundário); acordo em Matéria de
Proteção de Testemunhas; e acordo sobre a instalação da Escola Portuguesa de
São Paulo.
Memorandos
de Entendimento (ME): para a criação de mecanismos de cooperação bilateral para
o intercâmbio de boas práticas na promoção e defesa dos direitos de pessoas com
deficiência; no domínio da Energia; no domínio da Geologia e Minas; para
promover o Reconhecimento Mútuo de Títulos de Condução; para Cooperação
Internacional entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Ciência, Tecnologia
e Ensino Superior, o Ministério da Economia e do Mar e a Fundação Oswaldo
Cruz-Fiocruz; e entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da
República Portuguesa, a Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space, o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil
e a Agência Espacial Brasileira, para Cooperação de Uso Pacífico do Espaço,
Ciências Espaciais, Tecnologias e Aplicações.
Carta
de Lisboa na área da Saúde.
Protocolo
de Cooperação entre o Instituto do Cinema e do Audiovisual, de Portugal, e a
Agência Nacional do Cinema – Ancine, do Brasil, para o fomento à coprodução
cinematográfica; protocolo entre o Turismo de Portugal e a Embratur; e protocolo
de cooperação entre a Lusa e a Empresa Brasileira de Comunicações.
E, como foram polémicas as declarações de Lula da
Silva sobre a guerra – que alguns pensam ter agora retratado – é de atentar no
teor da declaração conjunta sobre o tema:
“Os
chefes de Governo enfatizaram o seu compromisso com o direito internacional, a
Carta das Nações Unidas e a resolução pacífica de conflitos. Deploraram a
violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de
partes do seu território como violações do direito internacional. Lamentaram a
perda de vidas humanas e a destruição da infraestrutura civil, bem como o
imenso sofrimento humano e o agravamento das vulnerabilidades da economia
mundial causados pela guerra. Expressaram preocupação com os efeitos globais do
conflito na segurança alimentar e energética, especialmente nas regiões mais
pobres do planeta. Convergiram no apoio ao pleno funcionamento da Iniciativa de
Cereais do Mar Negro. Ressaltaram ainda a necessidade de promover uma paz justa
e duradoura.”
Não
há qualquer retratação. Lula nunca negou a responsabilidade do invasor, apenas
entendeu que o dito Ocidente, em vez de fomentar a paz (que também quer), ajuda
a guerra.
***
Entretanto,
em entrevista a Paulo Dentinho, da RTP,
Lula esclareceu a ideia que envolve a visita de que a sua posição sobre a guerra
na Ucrânia se inclina para o apoio à Rússia. Rejeitou ser esse o seu
posicionamento, antes lançando a ideia de que é fundamental colocar os países a
trabalhar num plano de paz que sente os líderes russos e ucranianos à mesa,
para negociações patrocinadas pelos Estados Unidos da América (EUA), pela Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e pela UE. Sobre a situação no Brasil, vincou
a necessidade de uma política de diálogo que combata a polarização e faça o
país regressar à sua verdadeira natureza, que Jair Bolsonaro destruiu com uma
polarização extrema. E, sobre a polémica da vinda a Portugal, diz que as pessoas
não são obrigadas a gostar de Lula ou do Presidente do Brasil e que tem de
respeitar as posições dos portugueses.
Quanto à
guerra na Ucrânia, frisou que “o Brasil não tem uma posição ambígua”: “O Brasil
condena a Rússia por invadir o espaço territorial da Ucrânia.” Porém, frisou
que o país não quer alinhar-se à guerra, mas aliar-se “a um grupo de países que
trabalhem para construir a paz”, pois, se toda a gente se envolve diretamente
na guerra”, é de perguntar “quem é que vai conversar sobre paz”. Por isso, frisando
a importância de construir um grupo de países que trabalhe no processo para
colocar fim ao conflito, sustenta que “é preciso construir uma narrativa que
convença Putin e Zelensky de que a guerra não é a melhor maneira para resolver
os problemas” e que também a NATO, os EUA e a UE “comecem a falar em paz e a
discutir a questão da paz”. E, em relação à polémica suscitada em Portugal,
privilegia a aceitação: a opinião das pessoas é um direito que lhes cabe em
democracia, limitando-se ele a “cumprir uma visita a um país irmão com quem o
Brasil tem relações privilegiadas”. Porém, apontou que, também em Portugal, há polarização
com um lado “mais extremista de direita” do que os outros partidos, mas que não
veio para entrar na polémica com o Parlamento português”, mas para “cumprir uma
agenda”.
Questionado sobre
o tempo na prisão, declarou-se “vítima da mais grave mentira já contada na
política brasileira”, uma tentativa, conseguida, de o tirarem da eleição
presidencial.
Sublinhando
que o Brasil que tinham construído em três mandatos e meio, um país com a maior
inclusão social da história do Brasil, foi desmontado, admite que, na reconstrução,
a ausência de maioria parlamentar do seu partido o levará a privilegiar a “arte
de conversar” e a capacidade de extrair desse diálogo “o que é melhor para o
povo brasileiro”. Assim, aponta o caminho de uma política de diálogo que
combata a polarização e faça Brasil o “povo generoso que sempre foi, que gosta
de música, que gosta de futebol, que gosta de ser alegre, que gosta de ser
educado e que perdeu isso, por causa de um presidente fascista que governou o
país durante quatro anos”.
Porfiou que
tem um país de paz: com divergências, mas sem guerra, sem confronto armado.
O grande
projeto político de Lula da Silva, segundo o próprio, assenta numa ideia
simples, ainda que difícil de realizar: “que todos os brasileiros possam fazer
três refeições por dia”.
Questionado
sobre como quer acabar com a fome no Brasil, admite que há 33 milhões de
brasileiros nessa situação, mas a questão é solucionar o problema do dinheiro
mal distribuído no orçamento: “Cuidar dos pobres é investimento, aumentar o
salário mínimo é investimento.” E lembrou o seu passado: em 2003, a inflação
era de 12,5% e reduziu para 4,5%; o desemprego era 12% e reduziu para 4,3%, gerando
22 milhões de empregos; a dívida interna, de 67% diminuiu para 37%; e a dívida
ao Fundo Monetário Internacional (FMI) de 30 biliões de dólares foi paga, como
se emprestaram 15 biliões ao FMI e se criou a reserva internacional de 370
biliões.
Por fim, é
realçar a periodicidade anual das cimeiras e a data de 22 de abril, escolhida
por Lula da Silva, por ter sido nesse dia que, em 1500, os primeiros portugueses
chegaram ao Brasil.
2023.04.23 – Louro de Carvalho
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