Sepultado o Senhor, rolaram
uma enorme pedra para a entrada do monumento e puseram uma escolta de militares
a guardar o morto. Porém, de nada valeu a pedra, de nada valeu a escolta. É
certo que as mulheres iam ao sepulcro para darem ao corpo sepultado os últimos tratamentos
que a piedade judaica impunha, mas o anjo do Senhor questionou-as: “Porque procurais
entre os mortos Aquele que está vivo?” E anunciou: “Não está aqui. Ressuscitou!”
O túmulo do Senhor dá-nos a
lição da soledade, mas com a esperança, não gorada, da ressurreição de Cristo e
da nossa, o que é basilar para nossa fé. E os apóstolos Pedro e João, que
experienciaram o túmulo vazio, começaram a acreditar. E Ele apareceu redivivo aos
Onze no Cenáculo, onde foram instados a passar da situação de medo à situação de
iluminados pela Palavra, que tinham escutado, e de fortalecidos pelo Espírito
Santo, neles insuflado pelo sopro recriador de Cristo, que os envia a pregar o perdão.
São os discípulos, virados a apóstolos, testemunhas e pregoeiros, não do
tumulado, mas do Ressuscitado, o mesmo que fora glorificado na cruz. São
portadores da Vida, não da mensagem da morte, que foi vencida, não na vertente fenoménica,
mas nos efeitos de raiz.
Esta mensagem é tão importante
que Santo Isaac de Nínive, nos Sermões ascéticos, citado pelo Papa
Francisco na alocução que precedeu a bênção pascal Urbi et Orbi, neste
dia de Páscoa, escreveu que “o maior pecado é não acreditar nas energias da Ressurreição”.
Por isso, proclamamos que Ele, o Senhor da nossa vida,
é “a ressurreição e a vida” (Jo 11,25) do Mundo. E a Páscoa
significa “passagem” que Jesus realizou, fazendo que a Humanidade passe “da
morte à vida, do pecado à graça, do medo à confiança, da desolação à comunhão”,
como vincou o Pontifice na mensagem Urbi et Orbi.
Todavia, a Páscoa não é para esbanjar na onda de mercantilização
que assola as nossas sociedades, ou para encerrar nos templos e nas sacristias,
mas para fermentar a vida das pessoas e das famílias, dar novo sentido e nova
força ao dinamismo das comunidades, resistir sabiamente aos cataclismos, às
guerras, às calamidades, às doenças, e modificar as estruturas de pecado, sejam
elas políticas, sociais, financeiras ou económicas.
Na Páscoa, a atenção dos crentes tem de voltar-se, em
particular, para os doentes e para os pobres, para os idosos e para quantos
atravessam momentos de provação e dificuldade, de modo que passem da tribulação
à consolação. É o que nos exige o Sumo Pontífice, que nos garante:
“Não estamos sozinhos: Jesus, o Vivente, está connosco
para sempre. Alegrem-se a Igreja e o Mundo, porque, hoje, as nossas esperanças
já não se quebram contra o muro da morte, mas o Senhor abriu-nos uma ponte para
a vida. Sim, irmãos e irmãs! Na Páscoa, mudaram as sortes do Mundo, e hoje (dia
que coincide com a data mais provável da ressurreição de Cristo) podemos
alegrar-nos de celebrar, por pura graça, o dia mais importante e belo da
história.”
“Cristo ressuscitou, ressuscitou verdadeiramente”,
como proclamam as Igrejas Orientais. E o Papa diz que o termo verdadeiramente nos
revela que “a esperança não é uma ilusão”, mas que, “a partir da Páscoa, o
caminho da Humanidade assinalado pela esperança é percorrido com passo mais
rápido”. Com efeito, os Evangelhos assinalam “a pressa boa” com que, no dia de
Páscoa, “as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos” (Mt 28,8);
que Maria de Magdala, “correndo, foi ter com Simão Pedro” (Jo 20,2);
que João e Pedro “corriam os dois juntos” (Jo
20,4) para atingirem o lugar onde Jesus fora sepultado; e que, ao entardecer,
depois de terem encontrado o Ressuscitado no caminho para Emaús, os dois discípulos
“voltaram imediatamente para Jerusalém” (Lc 24,33) percorrendo,
apressados, “vários quilómetros em subida e na escuridão, movidos pela alegria
irrefreável da Páscoa que inflamava os seus corações” (cf Lc 24,32).
Por isso, a Páscoa faz acelerar o passo na caminhada
que se torna uma corrida, porque a Humanidade vê Jesus Cristo como a sua meta,
o sentido do seu destino, pelo que se apressa a ir ao encontro d’Ele, esperança
do mundo. Assim, o convite de Francisco é: “Apressemo-nos, também nós, a
crescer num caminho de confiança recíproca: confiança entre as pessoas, entre
os povos e as nações. Deixemo-nos surpreender pelo anúncio feliz da Páscoa,
pela luz que ilumina as trevas e obscuridades em que, demasiadas vezes, se
encontra envolvido o mundo.”
Depois, o Sumo Pontífice, querendo-nos apostados na superação
dos conflitos e das divisões, insta à abertura dos nossos “corações aos mais
necessitados”, à pressa em “percorrer sendas de paz e de fraternidade”, à
alegria “com os sinais concretos de esperança que nos chegam de tantos países,
a começar pelos que oferecem assistência e hospitalidade a quem foge da guerra
e da pobreza. E, verificando que ainda “há ainda muitas pedras de tropeço, que
tornam árduo e fadigoso este apressarmo-nos para o Ressuscitado”, reza – e quer
que rezemos – ao Senhor, para que nos ajude a correr ao seu encontro, “a abrir
os nossos corações”.
E, nesta prece, menciona o povo ucraniano e o povo
russo, pedindo o conforto dos feridos e de quantos perderam os seus entes
queridos com a guerra, bem como o regresso dos prisioneiros, sãos e salvos,
para as suas famílias e a abertura dos corações de “toda a Comunidade
Internacional, para que [todos] se esforcem por fazer cessar esta guerra e
todos os conflitos que ensanguentam o mundo, a começar pela Síria, que ainda
espera a paz”.
Recorda os atingidos pelo terremoto na Turquia e na Síria,
que ceifou vidas e causou destruição.
Dirige um olhar de afeto orante pela cidade de
Jerusalém, a primeira testemunha da Ressurreição e que tem sido palco de ataques
que “ameaçam o desejado clima de confiança e de respeito mútuo, necessário para
se retomar o diálogo entre israelenses e palestinos, de modo que a paz reine na
Cidade Santa e em toda a região”.
Implora ajuda para o Líbano, “ainda à procura de
estabilidade e de unidade, para que supere as divisões e todos os cidadãos
trabalhem, juntos, pelo bem comum do país”.
Roga ao Senhor que não esqueça o povo da Tunísia,
especialmente os jovens e os que sofrem por causa dos problemas sociais e
económicos, para que não percam a esperança e para que colaborem na “construção
dum futuro de paz e de fraternidade”.
Reza pelo Haiti, que sofre, há vários anos, “uma grave
crise sociopolítica e humanitária”, para que o Senhor sustente “o empenho dos
atores políticos e da Comunidade Internacional” na busca de solução definitiva
para “os inúmeros problemas que afligem aquela população tão atribulada”.
Almeja a consolidação dos processos de paz e de reconciliação
na Etiópia e no Sudão do Sul e a cessação das violências na República
Democrática do Congo.
Pede a Cristo, o Senhor, ajuda para o Myanmar, a fim
de que percorra caminhos de paz, e iluminação dos corações dos responsáveis “para
que o martirizado povo roynga encontre justiça”.
Recomenda ao Senhor “as comunidades cristãs que, hoje,
celebram a Páscoa em circunstâncias particulares”, como sucede na Nicarágua e
na Eritreia, lembrando-Lhe “todos aqueles a quem é impedido professar, livre e
publicamente, a sua fé”.
Suplica o conforto “às vítimas do terrorismo
internacional, especialmente no Burkina Faso, no Mali, em Moçambique e na Nigéria.
E não esquece a petição pelo conforto aos refugiados, aos
deportados, aos prisioneiros políticos e aos migrantes, especialmente aos mais
vulneráveis, bem como a “todos aqueles que sofrem com a fome, com a pobreza e com
os efeitos nocivos do narcotráfico, do tráfico de pessoas e de toda a forma de
escravidão”. (Não é admissível que haja escravidão). Implora do Senhor inspiração
aos responsáveis das nações, “para que nenhum homem ou mulher seja discriminado
e espezinhado na sua dignidade; para que, no pleno respeito dos direitos
humanos e da democracia, se curem estas chagas sociais, se procure, sempre e só,
o bem comum dos cidadãos, se garanta a segurança e as condições necessárias
para o diálogo e para a convivência pacífica”.
Por fim, o Santo Padre apela a todos a que
reencontremos o gosto do caminho, pois os cristãos são os pegureiros do caminho
dos que peregrinam neste Mundo; a que aceleremos o pulsar da esperança, pois
somos os artesãos da esperança; e a que saboreemos a beleza do Céu, pois somos
peregrinos do Além e para o Além, com Cristo e no Espírito.
E exorta a que “tiremos deste Dia as energias para
continuarmos a ir ao encontro do Bem que não desilude”. “Hoje acreditemos! Sim,
temos a certeza: ‘verdadeiramente Cristo ressuscitou’ (Sequência).
Acreditamos em Vós, Senhor Jesus, acreditamos que convosco renasce a esperança,
o caminho continua. Vós, Senhor da vida, encorajai os nossos caminhos e repeti,
também a nós, como aos discípulos, na noite de Páscoa: A paz esteja convosco (Jo 20,19.21).”
***
Em suma, que a nossa Páscoa seja como a de Cristo ou a
do Papa, não agarrada ao sepulcro, mas viva, na senda do Pai e aberta ao
sofrimento e às esperanças e às justas aspirações dos homens de todos os povos,
a começar pela colmatação das suas necessidades mais prementes.
Continuação de Santa Páscoa! Que ela não morra, que se
mantenha atuante! Haja paz!
2023.04.09 –
Louro de Carvalho
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