Diretores de
agrupamentos de escolas, professores e encarregados de educação estão unidos na
contestação à prestação de provas de aferição pelos alunos do 2.º ano de
escolaridade.
As
provas de aferição – no 2.º, 5.º e 8.º anos – visam: acompanhar o
desenvolvimento do currículo nas diferentes áreas; fornecer informação
detalhada às escolas, aos professores, aos encarregados de educação e aos
alunos sobre o desempenho destes últimos; e potenciar uma intervenção
pedagógica atempada, dirigida às dificuldades específicas de cada aluno.
Têm
por referência o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO)
e os documentos curriculares referentes às Aprendizagens Essenciais de cada
disciplina, podendo mobilizar aprendizagens do ano de escolaridade anterior e
refletindo uma visão integradora dos diferentes domínios/temas/áreas.
Fixando-nos
pelas provas de aferição do 2.º ano, convém referir o seguinte:
As
provas de Português e Estudo do Meio (a realizar a 15 de junho) e de Matemática
e Estudo do Meio (a realizar a 20 de junho) são prestadas, unicamente, em
formato digital. No primeiro trimestre, o Instituto de Avaliação Educativa, Instituto Público (IAVE, IP) forneceu informação específica relativa
aos equipamentos requeridos e ao modo de realização das provas.
Os
desempenhos de cada aluno são classificados através de códigos, que
correspondem a níveis de desempenho diferenciados. A descrição do desempenho de
cada aluno nas diferentes provas é feita nos Relatórios Individuais da Prova de
Aferição (RIPA). Os RIPA contêm informação de natureza qualitativa e são disponibilizados
às escolas, que devem assegurar a sua divulgação junto dos alunos, dos
professores e dos respetivos encarregados de educação.
As
escolas têm ainda acesso a um relatório com informação de natureza qualitativa
e quantitativa, o Relatório de Escola da Prova de Aferição (REPA), que carateriza
o desempenho do conjunto de alunos de cada turma, de cada escola ou de cada
agrupamento. O RIPA e o REPA permitem a reflexão individual e coletiva sobre a
concretização dos objetivos de aprendizagem, que pode fundamentar decisões que
visem a melhoria das práticas pedagógicas e das aprendizagens.
As
provas de Educação Artística e de Educação Física (a realizar entre 2 e 11 de
maio) decorrem no contexto do grupo-turma e são constituídas por tarefas que
requerem um desempenho prático em situações de participação individual, em
pares ou em grupo. A avaliação do desempenho dos alunos, nestas provas, é feita,
fundamentalmente, através da observação direta.
As
provas de Português e Estudo do Meio e de Matemática e Estudo do Meio, a
realizar em formato digital, têm a duração de 90 minutos, repartidos em dois
períodos de 45 minutos, com um intervalo de 20 minutos. Na prova de Português e
Estudo do Meio, o domínio da Oralidade (compreensão) é avaliado no início da
prova.
O IAVE, IP, além de formulários de prova, para conhecimento e treino,
enviou às escolas uma lista de soluções para os casos em que o sistema digital falhe.
As escolas podem optar por aplicar as provas online ou offline e
é possível, em caso de necessidade, optar por dois turnos, desde que “os alunos
não se cruzem na troca de turnos”. Se o computador avariar durante a realização
da prova, o aluno poderá reiniciá-la noutro computador e as questões às quais
tinha respondido não se perdem”. E, caso o estudante não tenha computador, é a
escola que o deve disponibilizar.
***
É
a primeira vez que as provas de aferição dos 2.º, 5.º e 8.º anos serão feitas em formato digital, pois, em
2022, isso ocorreu só em escolas-piloto. Porém, o Ministério da Educação (ME) espera
que, em 2025, todas as provas finais e exames nacionais sejam em suporte
eletrónico.
Diretores, pais e professores não concordam com a realização das Provas de
Aferição em formato digital para os alunos do 2.º ano, pois “ainda estão a apurar a motricidade fina
e em processo de aquisição das competências de leitura e escrita”.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de
Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), acha prematuro aplicar as provas em
suporte digital no 2.º ano. São crianças
pequeninas “e, nestas idades, a caligrafia é importante”. E espera que “não se
perca o hábito da escrita manuscrita”. Na verdade, “o computador e
as tecnologias são essenciais atualmente, mas as crianças do 2.º ano ainda nem
têm telemóvel e estão a apurar a caligrafia”, explica.
Também Manuel António Pereira, presidente da Associação Nacional de
Diretores Escolares (ANDE), sustenta
que se trata de crianças para as quais “o importante é escrever e ler com
fluidez”, pelo que deveria haver solução diferente para os alunos do 2.º ano.
A mãe de uma aluna de 1.º ano já manifesta, antecipadamente, igual
preocupação e afirma tratar-se de “um perfeito absurdo”. Defende que não faz
sentido fazer provas em formato digital no 2.º ano, visto que “passamos o tempo
todo a dizer aos nossos filhos que não podem passar tanto tempo em frente aos
ecrãs e, depois, é a escola a remar em sentido oposto”. Sabe que já utilizam as
tecnologias e diz que não é contra, “desde que o façam com um objetivo
pedagógico, e não com esta intensidade”. Por outro lado, acha disparate o facto
de a filha ter de levar, um dia por semana, o computador para a escola, em
detrimento dos livros.
Uma professora de 2.º ciclo (Português e História e Geografia de Portugal)
está preocupada com as dificuldades na motricidade fina, que já se notam nos
alunos. Na disciplina de Português (e em muitas outras), é importante escrever manualmente,
mas estão a substituir-se, cada vez mais, o lápis e a caneta pelo tablet ou pelo
computador. Para a docente, tal
como para o conhecido professor Paulo Guinote, “até no 5.º ano, a prova em
formato digital era dispensável”.
Também um encarregado, pai de um aluno que frequenta o 2.º ano, partilha a
mesma opinião sobre o formato das provas e salienta a questão emocional
subjacente. O filho está ainda a trabalhar a caligrafia, tal como a maioria das
crianças de 7 e de 8 anos. Fazer as provas em formato digital no 2.º ano é
inqualificável. Além disso, contesta a realização das provas no 2.º ano, por não haver ainda “estrutura emocional para a
realização de um exame que, mesmo não contando para nota, implica pressão por
parte das escolas e de alguns professores”. O filho andava ansioso e com
alterações no sono, por causa das provas, apesar de, em casa, lhe dizerem que
será um teste como outro qualquer e que não conta para nada. Por isso, optou por deixar o filho decidir se
vai ou não realizar as provas, “para amenizar o stresse que já demonstrava”.
Com exceção dos aludidos presidentes da ANDAEP e
da ANDE, estes são apenas testemunhos que estão à tona a revelar o sentir de
muitos professores e pais.
Em meu entender, embora seja essencial a
utilização normal das novas tecnologias em, praticamente, toda a atividade e,
obviamente no ensino, o seu uso generalizado e obrigatório no 2.º ano, em
ambiente de prova, tem efeito perverso. E dizer ao aluno que a prova não conta
para nota ou para nada, é antipedagógico, como se a única justificação da
atividade em aprendizagem fosse a nota. Além disso, legitimar a autodispensa da
atividade marginaliza o aluno, que tende a estar com os colegas. Tudo
contraindicações educativas e psicológicas!
Uma professora do 2.º ano não se posiciona contra as provas em formato
digital, mas considera “necessário trabalhar, previamente, com os alunos, para
que não haja problemas”. Diz ter feito, com a turma, em março, uma simulação de
prova, que “correu muito bem”. Porém, os seus alunos “já têm uma rotina de
literacia digital” que implementa nas aulas. O que a docente contesta não é a
forma de aplicar a prova, mas a prova em si. Não contando para classificação, não se colhe nada dali. Vincando
que os alunos de 2.º ano têm 7 ou 8 anos, sustenta que “a exigência e o stresse
perturbam o seu desempenho”. Efetivamente, há crianças de 2.º ano que só agora
estão a despertar para a leitura e para a escrita e, na prova, têm de
interpretar dois tipos de textos. “Não têm, ainda, competências emocionais e
arcabouço para lidar com este tipo de avaliação”, conclui.
E eu, além de estar de acordo com a necessidade de se trabalhar a dita
escrita fina (manuscrita) e com a de iniciar os alunos no ambiente digital, mas
não os obrigando, nestas idades, a um teste em suporte eletrónico, penso que
estes alunos não estão preparados para um ambiente de prova e, mesmo, para dar
conta da aquisição de alguns conteúdos. Pela análise de formulários emitidos
pelo IAVE,IP, para o 2.º ano, há conteúdos que eles adquiriram em certa medida,
mas que ainda têm dificuldade em manipular e aplicar em novas situações.
Muitos professores e diretores consideram as
provas dispensáveis. E Filinto Lima levanta as mesmas questões no atinente ao resultado prático
das Provas de Aferição. Estão no sistema há algum tempo e a única novidade é o
formato, o que é um grande desafio para as escolas. Porém, as provas não têm
objetivo. Dão muito trabalho de preparação, administrativo e burocrático, face
ao resultado que deveriam ter no contexto educativo. Não há nenhuma
consequência para o aluno que não as faça. Até esse facto desvalorizar a prova.
Filinto Lima pede aos políticos que cheguem a um
consenso sobre a importância das provas, até para “evitar que, nas mudanças de
governo, se altere tudo de novo”. A esquerda e a direita querem as provas, mas “a direita defende que sejam
feitas em anos de final de ciclo”, o que a esquerda também já defendeu
(acrescento eu). Ora, era obrigação dos políticos a consecução de um consenso e
a perceção a eficácia das provas para o sistema educativo. De facto, como
penso, elas não têm implicação nos resultados. E a aferição, sendo feita por
amostragem, através de amostra aleatória e representativa dos diversos
contextos escolares e sociais, cumpriria os mesmos objetivos que o IAVE atribui
aos atuais RIPA E REPA.
As escolas não têm computadores suficientes para disponibilizar aos alunos
que os não tenham. Porém, essa não é a opinião de Filinto Lima, que diz não acreditar em “grandes problemas”. “Se
conseguimos na pandemia também acho que vamos conseguir nesta fase. As escolas
com maior ou menor dificuldade estão a tentar tudo para que corra bem”,
afirma.
Por
seu turno, Manuel António Pereira acredita não ser a falta de computadores a dificultar a realização das
provas, mas “a falta de técnicos informáticos”. Em sua opinião, “o maior problema será com o uso dos
computadores” e com a não existência de quem resolva questões no decorrer das
provas. Muitas escolas não têm técnicos suficientes e as de 1.º ciclo não os
têm. Pode haver problemas informáticos e não haverá quem ajude. Até pode
suceder que “se perca demasiado tempo a ajudar os alunos a resolver problemas e
que o tempo não chegue para fazer as provas”. De facto, já há computadores com
problemas, sem que haja quem os resolva (já não estão na garantia e estão encostados
à espera de ser arranjados). Há escolas que só contam com a boa vontade dos
professores de informática, porque não têm técnicos.
Também nisso acompanho as preocupações do presidente da ANDE.
Resta acrescentar que alguns professores já estão a solicitar a escusa de
responsabilidade. Não sei se essa postura traz alguns resultados práticos.
***
Acho temerária a prestação das provas de aferição do 2.º ano em suporte
eletrónico, pelas razões didáticas, pedagógicas e psicológicas indicadas. E vou
mais longe, como a referida professora do 2.º ano. Provas no 2.º ano causam
efeitos mais perversos do que utilidades. Duvido de que as escolas tenham
computadores suficientes e em boas condições, bem como técnicos, apesar da
promessa do seu recrutamento. Alguns PC entregues a alunos do 1.º ano e do 2.º
não têm o Word instalado, pelo que o processamento de texto lhes é impossível.
O que importa é a educação para o desenvolvimento integral (paulatino e
sólido) do aluno.
2023.04.22 – Louro de Carvalho
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