Após o incidente na sessão parlamentar de boas-vindas ao presidente do Brasil,
Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Assembleia da República (AR),
Augusto Santos Silva, comunicou, na Conferência de Líderes de 26 de abril, que decidiu
excluir os deputados do Chega das suas próximas deslocações ao estrangeiro e
solicitou a todos os grupos parlamentares uma reflexão para se discutirem mais
respostas, na Conferência e Líderes, a 10 de maio,
É de recordar que o polémico protesto do Chega na sessão de boas-vindas a
Lula da Silva já tinha sido objeto de acesa discussão entre dois deputados e
Edite Estrela, vice-presidente da AR, a 13 de abril, quando estava na condução dos
trabalhos do hemiciclo.
Está em causa o desrespeito pelas regras do regimento da AR, o estatuto dos
deputados e o condigo de conduta, bem como alegados “insultos pessoais”, que
extrapolam o debate político, as regras democráticas e o respeito
institucional.
Por isso, nos termos do anúncio de Santos
Silva, “sempre que as suas deslocações, em visita oficial, a outros
parlamentos incluam contactos com chefes de Estado, chefes de Governo ou ministros
dos Negócios Estrangeiros”, os
deputados do Chega serão, a partir de agora, excluídos, porque não asseguram, “a 100%, que respeitam essas altas
entidades e, em geral, as obrigações de respeito e cortesia que, há muito, caraterizam
e distinguem a ação externa de Portugal”. “Este critério aplica-se de
imediato e significa a exclusão de qualquer representante do grupo parlamentar
do Chega”, precisa a nota do Gabinete do presidente da AR, que dá conta da
decisão comunicada à Conferência de Líderes.
O líder do Chega condenou a medida e garantiu que o partido não será
condicionado pelo presidente da AR. “Isto
é o grau zero da nossa democracia, o Chega é a terceira maior força política do
Parlamento. Esta atitude vingativa, infantil e ditatorial não ajudará em nada a
saúde da nossa democracia”, disse André Ventura, em declarações aos jornalistas,
nos Passos Perdidos do Palácio de São Bento.
Observando que Santos Silva “não gostou do que ocorreu no 25 de Abril”, o
que “é legítimo”, sublinhou que o seu partido também não gosta de muitas coisas.
Assim, por várias vezes, o Chega e outros partidos “alertaram para a
inconveniência da presença de Lula no 25 de Abril e foram apontadas outras
soluções, todas rejeitadas”, criticou André Ventura.
Porfiando que o partido quis insurgir-se, com uma “marca forte”, contra a
corrupção, reafirmou que não será condicionado por sanções, enquanto decorrer o
seu mandato na AR, e lamentou o agravar da conflitualidade na AR, já latente,
rejeitando qualquer responsabilidade. “A ameaça de sanções penais contra
deputados eleitos pelo povo português é o caminho perigoso para a ditadura. O
presidente da AR não nos ameaça, nem transmite medo, nem nos condiciona”,
reforçou.
André Ventura disse não
haver qualquer norma regulamentar ou regimental que permita a aplicação de
sanções e defendeu que tal decisão é “pura arbitrariedade e discricionariedade”.
Todavia, o deputado do Partido Socialista (PS),
Pedro Delgado Alves, frisou que esta decisão tem “toda a base formal”, pois
cabe ao presidente da AR decidir a composição das delegações que o acompanham
ao estrangeiro. “Não é uma sanção, é
apenas dizer que, quem não está disponível no exterior, nem disponível esteve
em sua casa, para respeitar um chefe de Estado estrangeiro [...], seguramente,
não pode arriscar a credibilidade, o prestígio, o respeito que a Assembleia da
República quer que os outros Estados aliados, amigos, tenham pela República
Portuguesa.”
Na Conferência de Líderes, ficou também
decidido que, a 10 de maio, será feita uma análise e reflexão sobre o incidente
protagonizado pelo Chega, durante a sessão de boas-vindas ao presidente do
Brasil. E Pedro
Delgado Alves salientou que o incidente do dia 25 coloca a AR “na necessidade
de se fazer uma reflexão sobre como prevenir, evitar e dar um sinal muito claro
de que a instituição democrática portuguesa não pode deixar de afirmar os seus
princípios”.
O deputado do PS
notou que, nas últimas semanas, tem havido um acentuar da “hostilidade e da
urbanidade parlamentar” e precisou que, na Conferência de Líderes, haverá uma
discussão com base no regimento, no estatuto dos deputados e no código de conduta,
tal como será
também feito um levantamento de direito comparado de outros países, para
perceber como lidam com este tipo de incidentes. “O regimento está a ser revisto, podemos aprender
com experiências de outros países. Não somos, infelizmente, a primeira
democracia a ter de debater-se com populismo [...], mas a resiliência das
instituições significa que estamos atentos e agiremos”, ponderou.
Pedro Delgado Alves observou que, em “48 anos de democracia” a AR não tinha
assistido a este tipo de comportamento, sendo vital dar um “sinal muito claro” de
que a instituição democrática deve continuar a pautar-se por princípios e
regras de “urbanidade” e de “cordialidade” previstas no código de conduta dos
deputados e no regimento do Parlamento. “Sem nenhum dramatismo”, vincou, será
preciso discutir, “detalhadamente”, como será possível garantir o funcionamento
normal da AR. E condenou a reação de Ventura: “Quando se fala em grau zero da
democracia”, o Chega não assume “responsabilidades”, nem “dá garantias” de que
representa externamente a AR. “É de facto atirar areia para os olhos das
pessoas e virar a realidade ao contrário”, afiançou.
Antes da reprimenda inflamada no passado dia 25, acusando o Chega de “degradar
as instituições” e “pôr vergonha no nome de Portugal”, com pateadas, murros na
mesa e cartazes insultuosos, Augusto Santos
Silva já tinha anunciado que iria levar o incidente da sessão plenária do
passado dia 13 de abril à conferência de líderes parlamentares.
Nesse dia, em sessão dedicada à agricultura, instalou-se a polémica entre
os deputados Pedro Frazão e Rita Matias e a vice-presidente da AR, Edite
Estrela, que dirigia os trabalhos. Foi Pedro Frazão que fugiu ao tema, para
questionar se o Presidente do Brasil “não era criminoso”, o que levou Edite
Estrela a pedir ao deputado para se cingir ao objeto do debate. E Rita Matias, dizendo
que era uma “vergonha”, terá recorrido a termos insultuosos que visavam a
vice-presidente.
***
O Chega prometera a “maior manifestação de sempre” contra um chefe de
Estado estrangeiro, frente à AR, mas os protestos dos deputados causaram mais
mossa no hemiciclo. Santos Silva foi obrigado a advertir partido, de forma
inédita: “Chega de degradarem as instituições e porem vergonha no nome de
Portugal”, advertiu. E a Ucrânia, que divide os dois países, passou pelos
discursos, mas acabou por ficar em segundo plano.
Envolta em polémica ainda antes de ser agendada, a sessão parlamentar de
boas-vindas a Lula da Silva foi marcada por alta tensão no plenário com os
protestos do Chega, que obrigaram Santos Silva a pedir “urbanidade” aos
deputados e a apresentar pedido de desculpas formal ao Presidente brasileiro.
Ainda que, mais tarde, tenha desvalorizado o incidente e ridicularizado os
deputados do partido de André Ventura, o visitante não deixou de atacar a
“extrema-direita”.
Se o Chega prometeu a “maior manifestação de sempre” contra o chefe de
Estado estrangeiro, frente à AR, os manifestantes pró-Lula abafaram, em grande
parte, as vozes dos manifestantes contra a visita do presidente do Brasil, com
os protestos dos deputados a causarem mais mossa.
Quando Lula da Silva chegou à AR, o partido desligou o sistema de som na
manifestação, antes de se ouvirem os hinos nacionais, mostrando respeito
institucional. Porém, no hemiciclo, mal o
Presidente brasileiro começou a discursar, a bancada liderada por Pedro Pinto
iniciou os protestos: fizeram pateadas, bateram nas mesas e
levantaram bandeiras da Ucrânia e cartazes com as frases: “Chega de corrupção”
e “Lugar de ladrão é na prisão”.
O gesto obrigou o presidente da AR a insurgir-se de imediato, pedindo
“urbanidade” aos deputados. E levou-o a, no fim da sessão, dirigir-se ao chefe
de Estado brasileiro para pedir desculpa pelos protestos e elogiar a “coragem”
de Lula em prosseguir com o discurso.
Durante o discurso, Lula da Silva ignorou os protestos. De cravo vermelho
na lapela, destacou a importância da Revolução em Portugal rumo a uma “vibrante
democracia parlamentar” e vincou a repercussão que teve na “luta” no Brasil
pela democracia: “A democracia no
Brasil viveu, recentemente, momentos de grave ameaça, mas a força democrática
brasileira demonstrou, depois, a sua solidez e resiliência. Esta nova
jornada que iniciamos não será fácil, mas o Brasil, assim como Portugal é um
país obstinado pela paz, pela justiça, pela inclusão social, pela liberdade”,
declarou, reafirmando que o Brasil está de volta ao cenário internacional e
procura recuperar a “tradição diplomática”, após o mandato de Jair Bolsonaro.
Garantiu que o país está, agora, comprometido com o combate à pobreza, com
as alterações climáticas, com a defesa da igualdade de género e com os povos
indígenas.
Aproveitou para atacar a extrema-direita no Mundo. Criticou os “demagogos e
negacionistas”, que levaram, no Brasil, a que 700 mil pessoas morressem vítimas
de covid-19, na pandemia. “Metade
destas mortes poderiam ter sido evitadas não fossem as fake news, o
algoritmo, o atraso nas vacinas e a negação da ciência feita pela extrema-direita
do meu país”, atirou.
E, ao invés do que alguns pensavam, não fugiu ao tema da guerra, antes
procurou colocar um ponto final na polémica, após as críticas da União Europeia
(UE) e dos Estados Unidos da América (EUA) ao posicionamento do Brasil. Reconheceu
que o Mundo tem assistido ao aumento da tensão geopolítica e disse que o Brasil
condena a “violação da integridade territorial da
Ucrânia”. Porém, insistiu que é necessário começar a discutir a paz e
apostar no “diálogo” e na “diplomacia”: “Quem acredita em soluções militares
para os problemas atuais luta contra os ventos da História. Nenhuma solução de
qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura, se não for
baseada no diálogo e na negociação política”, sustentou.
O presidente da AR, que discursou antes de Lula, explicitou a posição de
Portugal sobre a guerra na Ucrânia e exortou a Rússia a deixar o país. “O cravo vermelho que hoje celebra a
nossa liberdade simboliza a liberdade pelos quais também lutam os ucranianos. Desde
a primeira hora e tal como Brasil, Portugal condena a agressão da Rússia”,
declarou Santos Silva.
Em linha com o Brasil, defendeu a necessidade de se falar mais de
negociações para por fim ao conflito, mas atribuiu toda a responsabilidade no
agressor.
Realçando a cooperação bilateral, considerou que se têm criado “excelentes
oportunidades” de desenvolvimento “mutuamente benéfico” entre Portugal e o
Brasil. Realçou a “fraternidade”
que liga Portugal à “República dos sonhos”, a “pátria brasileira onde tantos
portugueses projetam o seu destino”, pelo que o Parlamento “incentiva os dois
Executivos a trabalharem mais e melhor na cena internacional. E elogiou o estadista
que “venceu eleições livres”, soube ultrapassar o “sectarismo preconceituoso” e
que, depois, “quando alguns tentaram invadir e derrubar as instituições
democráticas brasileiras, soube defendê-las sem hesitação”.
No final da sessão de boas-vindas, ouviu-se “Grândola, Vila Morena” e
gritos “Fascismo Nunca mais”. Seguiu-se a sessão de cumprimentos ao chefe de
Estado brasileiro nos Passos Perdidos, com líderes parlamentares, membros da
Mesa da Assembleia, líderes partidários e responsáveis pelas várias
instituições que estiveram presentes na sessão.
***
Liberdade de expressão e de manifestação não dispensam de tratar, com
respeito, todas as pessoas e, obviamente, as instituições e as entidades
protocolarmente convidadas.
2023.04.26 – Louro de Carvalho
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